Os depoimentos dos 78 executivos e ex
da Odebrecht jogam no pântano a pretensão de Lula a ser o brasileiro mais
honesto de todos os tempos
Para qualquer sindicalista, da direção ou da base,
que militasse nos anos 70 no movimento operário, a mais forte condenação feita
a um adversário era chamá-lo de pelego. Afinal, de acordo com o Dicionário Houaiss,
a palavra designa “agente disfarçado do governo que procura agir politicamente
nos sindicatos”. O sentido original do termo remete à “pele de carneiro com a
lã, colocada sobre os arreios para tornar o assento do cavaleiro mais
confortável”. Ou, por extensão, “indivíduo servil e bajulador, capacho,
puxa-saco”.
Dificilmente alguém que conhecesse, então, a fama
de Luiz Inácio da Silva, o Lula, eleito presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema (hoje do ABC) em 1975 com 92%
dos votos e principal líder das greves da categoria na virada dos 70 para os 80
do século 20, o desqualificaria dessa forma. Afinal, foi eleito com o apoio do
então presidente Paulo Vidal, fundador do chamado sindicalismo autêntico,
contra os pelegos comprometidos com a máquina estatal desde o Estado Novo e
seus adversários comunistas, leais à linha moscovita do marxismo-leninismo.
Reeleito por força própria em 1978, também com quase a unanimidade de votos,
construiu sua biografia alheio à herança populista de Getúlio e com fama de
líder operário que não dava trégua ao patronato.
Dá, portanto, para imaginar o espanto nacional ao
ver e ouvir, no último fim de semana, de um dos mais poderosos e agora
sabidamente corruptos e corruptores burgueses brasileiros, Emílio Odebrecht,
“patriarca” da empreiteira herdada do pai, Norberto, e passada para o filho,
Marcelo, que a empresa lhe pagou propina sistemática (por isso, corruptora)
nestes últimos 37 anos. Com dinheiro furtado da Petrobrás e de outras estatais
(daí, corrupta), a construtora contratada para prestar serviços financiou
campanhas eleitorais do ex-dirigente sindical nas disputas políticas para
presidente da República. Isso após haver conseguido os favores dele na condução
de greves da categoria em seu Estado, a Bahia.
À noite, em redes nacionais de televisão, de manhã
nas edições dos jornais e ao longo de todo o dia nas emissoras de rádio, o
empreiteiro bilionário contou um caso de assustar todos os brasileiros. “Foi
uma greve que estava perdurando, com problemas seriíssimos. E eu sei que ele
não só me ajudou, como criou uma relação diferenciada com o sindicato na área
da Bahia, do petroquímico em particular. Isso, para nós, foi importante, tendo
em vista o crescimento do petroquímico e tal. Então, você tem um processo de
convívio com ele, quase que institucional. De quando em quando, duas, três,
quatro vezes… talvez até em determinados anos mais”, disse Emílio Odebrecht
literalmente, sem tugir nem mugir.
Brasileiros de todas as regiões, fés religiosas,
idades e convicções políticas têm sido informados “noturna e diuturnamente”,
como diria sua discípula favorita e sucessora, Dilma Rousseff, de que para
manter o seu Partido dos Trabalhadores (PT) no governo o herói proletário
permitira o diabo sob sua gestão. E não apenas para ganhar eleições, mas para
ficar no poder. Sob sua égide, a referida senhora e seu vice, Michel Temer,
protagonizaram a maior fraude eleitoral da História, que está sob julgamento no
Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E pelo que foi apurado até agora dá para
perceber que, nos três mandatos e meio dos petistas, nenhum cofre da República
ficou incólume: todos foram esvaziados.
O delegado Romeu Tuma Jr., filho do homônimo
ex-diretor do Dops e da Polícia Federal, revelou em seu livro Assassinato de reputações (Topbooks, 2013) que o mais popular
líder político da História do País foi informante de seu pai nos movimentos
sindicais. Pode até não ser verdade. Só que até agora ninguém desmentiu
oficialmente os argumentos usados pelo policial, ex-secretário de Segurança do
Ministério da Justiça no primeiro mandato do indigitado.
Os depoimentos dos 78 executivos e ex da Odebrecht,
já chamados de delação do fim do mundo e agora também do mundo todo, de vez que
abrangem todo o espectro ideológico e político do País, trazem novas
informações e documentos que jogam no pântano sua pretensão a ser o brasileiro
mais honesto de todos os tempos. E conforme foi revelado agora, constata-se seu
papel de “pelego enrustido” (apud Houaiss, dissimulado), eis que sempre atuou a
serviço daqueles que publicamente execrava nas assembleias, nos palanques, nos
meios de comunicação e nos pronunciamentos oficiais. Emílio contou que a
Odebrecht participou da redação do documento mais importante da campanha
histórica que levou ao poder pela primeira vez na História do Brasil um
operário braçal, ele próprio: a Carta ao Povo Brasileiro.
E não ficou nisso. No livro O que Sei de Lula (Topbooks, 2011), registrei a versão
muito comum, disseminada por empresários que conviveram com um dos ideólogos do
golpe militar de 1964, o general Golbery do Couto e Silva, de que o metalúrgico
teve a carreira apadrinhada por este. Fê-lo para evitar que seu inimigo, Leonel
Brizola, encampasse os sindicatos de esquerda na redemocratização. Emílio
Odebrecht contou o seguinte: “Eu fui pedir ajuda ao Golbery, conversar essas
coisas todas para lhe pedir uma orientação e na conversa vai, conversa vem, vem
o negócio de Lula. E ele chegou e fez um negócio que me marcou. ‘Emílio, Lula
não tem nada de esquerda’. Foi-lhe, então, perguntado: ‘Nada de esquerda?’ E
Emílio explicou: ‘Nada de esquerda. Ele é um bon-vivant. Olha, e é verdade. Ele gosta da vida boa’”.
Pois é.
Réu em cinco processos na Justiça e alvo de mais
seis petições remetidas pelo relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, a
várias varas da primeira instância, Lula já tem problemas de sobra para
enfrentar. Só faltava a revelação de que o herói da classe trabalhadora nunca
passou de um pelego enrustido, alugado pela corrupta burguesia nacional.
Por José
Nêumanne, em O Estadão
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