Em
nome da democracia
Dez
reais por habitante. Esse é o valor de uma espécie de tributo extraordinário
que a Câmara dos Deputados planeja criar para o ano que vem, segundo o mais
recente projeto de 'Reforma Política', relatado pelo deputado Vicente Cândido
(PT-SP).
A
derrama somaria R$ 2 bilhões. O dinheiro sairia do orçamento da União, sob o
codinome de Fundo de Financiamento da Democracia, e irrigaria os cofres dos
partidos políticos nas eleições gerais de 2018.
Não
é pouco dinheiro num país com as contas públicas em vermelho-vivo, cujas
cidades abrigam 13,5 milhões de desempregados e que passou a ter na morte uma
rotina nas portas dos 4.870 hospitais que servem a um Sistema Único de Saúde em
colapso.
Vai
ser difícil a candidatos como o deputado Cândido explicar nas praças públicas
paulistanas por que sua campanha eleitoral é financiada com o dinheiro público
cortado nos hospitais e postos de saúde da cidade.
Detalhe:
nessa conta não entra o custo dos 594 parlamentares em Brasília, que ano
passado consumiram R$ 9,2 bilhões na Câmara (R$ 5,3 bilhões) e no Senado (R$
3,9 bilhões), informa a ONG Contas Abertas.
Os
R$ 2 bilhões para 'financiamento da democracia' equivalem a uma semana de
gastos na rede pública de saúde.
Desde
2011, ano em que Cândido chegou à Câmara, as despesas do SUS têm sido
sucessivamente cortadas, segundo o Tribunal de Contas da União, cujas
auditorias retrataram o legado Lula-Dilma, agravado no governo Michel Temer:
'A
cobertura de assistência de saúde às famílias só chega à menor parcela da
população, que reside em metade dos municípios de porte médio, com mais de cem
mil habitantes. Nas grandes cidades, o serviço está limitado a apenas nove das
27 capitais.'
Com
olhos voltados para um terceiro mandato, o deputado Cândido garante que todos
devem ficar tranquilos, porque seu dinheiro terá 'total transparência do
uso".
Existem
35 partidos, dos quais 28 têm bancadas no Congresso. Muitos, talvez, não
devessem estar registrados na Justiça Eleitoral, mas na Junta Comercial. Prova
disso está na sala do prédio do TSE com mais de 1.000 volumes de processos à
espera de julgamento. Correspondem à prestação de contas dos partidos sobre
gastos de R$ 3,5 bilhões em
dinheiro
público nos últimos cinco anos, em nome da democracia.
Auditores
do TSE já recomendaram a rejeição das contas de 26 partidos, entre eles PT,
PMDB e PSDB. Entre os motivos, está o recorrente aluguel de jatos para
dirigentes com custo final até 150 vezes acima do valor da viagem em avião de
carreira.
Há
casos como o do antigo PTN (atual Podemos), da família Abreu, de São Paulo, que
se tornou recordista: 92% de suas contas foram rejeitadas. O PPS (antigo
Partido Comunista Brasileiro) teve 60% dos gastos vetados.
São
frequentes os relatos de dirigentes usando dinheiro público, o fundo
partidário, no pagamento de despesas privadas até em cassinos. Tempos atrás, um
deles se casou no cassino de Puntadel Leste, onde era freguês. O romance acabou
depois de uma noitada, embalada pelo romântico Julio Iglesias, quando o então
deputado do PR chegou à suíte e confessou à mulher que perdera US$ 500 mil (R$
1,5 milhão) na mesa de pôquer do Conrad.
Por
José Casado, em O Globo