A pandemia exacerba a desigualdade educacional no Brasil. Mas há saídas: investimento no professor e alternativas às limitações tecnológicas regionais
A pandemia tornou a
educação à distância um imperativo. Conseguiram avançar nessa seara os países
que dispunham de infraestrutura educacional tanto em seus sistemas públicos e
privados como também em sua própria sociedade, organizada para dar amparo aos alunos
em casa. O Brasil não faz parte desse grupo. A falta de estrutura das redes de
ensino locais — somada à imensa desigualdade social do país — deixou mais de
4,9 milhões de estudantes do ensino fundamental e médio sem atividades
escolares durante todo o ano. O resultado foi um ano quase perdido, em que até
mesmo os sistemas que conseguiram implementar métodos de ensino não presenciais
fracassaram ao não cumprirem a meta mínima de tempo de aluno em aula por dia. A
educação do futuro — e um futuro que já começa no ano que vem — terá de
apresentar novos formatos para conseguir absorver os alunos de forma presencial
e virtual, enquanto a vacina não for uma realidade para a maioria dos
brasileiros.
Um estudo coordenado pela
Fundação Getulio Vargas (FGV) durante a quarentena mostra um quadro considerado
inaceitável: os pesquisadores constataram que a 13,5% dos estudantes de 6 a 15
anos não foi ofertada nenhuma atividade escolar. A análise por estrato de renda
é ainda mais desigual. Alunos mais pobres foram 633% mais afetados do que os
mais ricos, prejudicados pela falta de infraestrutura em casa. No ensino
fundamental, 4,43 milhões de crianças e adolescentes não têm acesso à internet.
No ensino médio, quase 1 milhão de alunos também são 100% desconectados.
No Reino Unido, um dos
países em que a eficácia da educação remota foi maior, um estudo do Institute
for Fiscal Studies feito com com 5.500 famílias com crianças entre 4 e 15 anos
mostrou que o tempo dedicado à atividade escolar caiu para todos — de 6,6 para
4,4 horas por dia, em média. No Brasil, nem os mais ricos chegam perto desses
patamares. O levantamento da FGV mostrou que no Acre um aluno em atividade
remota fica 1,23 hora estudando virtualmente, enquanto em Brasília, o melhor
entre os entes federados, um estudante passa três horas diárias em aula. Bem
abaixo dos parâmetros ingleses e insuficiente para atender ao mínimo de
horas-aula que um aluno deve estudar, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estipula quatro
horas diárias.
Cleiton Augusto Cruz
integra o grupo limitado de alunos que conseguiram receber algum conteúdo
durante o ano. Aos 16 anos, passou os quatro últimos estudando em escola
pública em Goiânia, Goiás. Com o sonho de conseguir cursar Direito, está há
nove meses sem pôr os pés na escola. “A pressão é dobrada porque faltou muito
conteúdo neste ano”, afirmou, ao se lembrar do desafio do vestibular em 2021.
Com o ensino remoto, ele teve dificuldades para manter sua dedicação à escola.
“Eu tinha para mim que aprender não dependia do professor ou do colégio, que
quem fazia o aprendizado era o aluno. Hoje percebo que não é bem assim”, disse.
O estudante tem internet em casa e revezou com a irmã mais nova o uso do
computador da mãe. Para ele, pior do que a barreira tecnológica foi a
metodológica. Seus professores passavam conteúdos por grupos de WhatsApp, mas
eram apenas listas de tarefas, indicação de leituras ou vídeos, sem interação.
“Toda a animação da sala, a ambição do conhecimento, nem que fosse para saber
mais que o outro, nada disso eu consegui encontrar no remoto”, contou.
Apesar da preocupação por
não ter rendido como gostaria, Cruz reconheceu que havia colegas em situação
pior. “Alguns não têm Wi-Fi em casa, então viam as mensagens só eventualmente.
Tem colega que me disse que preferia repetir de ano”, relatou. Assim como o
jovem, Helena Tesserolli, de 9 anos, tem o perfil de uma estudante dedicada e
participativa. Ela precisou dividir os recursos tecnológicos da casa com seus
irmãos — embora já tenha seu próprio celular. Aluna do quarto ano da rede
municipal de Jaguariúna, São Paulo, ela conseguiu ter um ano estimulante. Fez
projetos a pedido da professora — e um deles até por curiosidade própria, uma
fonte d’água que não precisa de energia
elétrica. “Para mostrar o que fiz, eu gravava vídeos e mandava para a
professora. Minha irmã ou minha mãe filmavam”, contou.
Para Claudia Costin,
diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV,
dadas as “profundas” desigualdades educacionais que já existiam no país antes
da pandemia, as ações das redes de ensino foram até mesmo surpreendentes.
“Muito cedo se constatou que uma resposta com base na conectividade não seria
suficiente. Mesmo sem nenhuma coordenação do governo federal, estados e
municípios adotaram abordagens combinando diferentes mídias, para chegar ao
maior número de estudantes possível”, afirmou.
O Paraná foi o maior
exemplo de sucesso em termos de conectividade: 95% dos alunos de ensino médio
entraram constantemente na plataforma educacional lançada pela rede estadual em
abril. Com o passar dos meses, o serviço foi ganhando novas funcionalidades e
cursos extracurriculares, como aulas de programação. Na rede estadual do Rio de
Janeiro, as aulas on-line também começaram em abril, mas até o mês de outubro
411 mil estudantes — 58% do total — não tinham acessado nenhuma atividade
acadêmica.
Algumas redes municipais e
estaduais tentaram minimizar a falta de conectividade por meio de dois modelos.
Um deles foi a distribuição de chips de internet para os estudantes. Outro,
usado pelo Paraná, foi organizar todos os conteúdos em um aplicativo que
consome “dados patrocinados”. Funciona como uma espécie de ligação a cobrar: o
estudante usa a banda, mas quem paga é o governo, dono do aplicativo. Ambos,
contudo, esbarram na necessidade de os estudantes terem aparelhos relativamente
novos e à disposição do uso escolar.
Apesar de reconhecer que
muitos alunos acabaram excluídos, Costin ressaltou que o esforço foi sem
precedentes. “Temos histórias de professores levando tarefas a cavalo para
alunos da zona rural, de visitação domiciliar para tirar dúvidas com docentes
indo de barco”, explicou a educadora. Ensino à distância não é sinônimo de aula
on-line. Há diferentes maneiras de estimular a aprendizagem de maneira remota
e, se bem estruturadas, as atividades educacionais podem cumprir mais do que
uma função puramente acadêmica. “Teve secretário estadual enviando materiais
impressos para redes municipais de cidades pequenas, que não tiveram condições
de fazer esses materiais, de redes que não eram sua responsabilidade”, contou.
Costin reforçou que, apesar
dos desafios de aprendizado, o ano trouxe aos alunos o desenvolvimento de outras aptidões. “Eles desenvolveram
habilidades socioemocionais, como se abrir para novas experiências, se adaptar,
ter persistência. Ainda que não seja na escola, estão aprendendo sobre vírus,
contaminação, sobre como adultos podem ser irresponsáveis”, afirmou. Para 2021,
sem certezas sobre como ficará o controle da pandemia, ela defendeu a
prioridade de os professores receberem as vacinas. E lembrou ainda que escola é
uma atividade tão essencial que, mesmo em meio a uma segunda onda muito forte,
os países da Europa optaram por manter as aulas.
Outro passo essencial para
o país é avançar na conectividade dos colégios públicos, já que muitas vezes
nem mesmo a escola dispõe de uma rede capacitada para uma aula on-line. “Nada
vai substituir o professor presencial, mas os professores hoje precisam usar as
novas tecnologias para melhorar o processo de ensino-aprendizagem“, afirmou
Mozart Neves Ramos, professor da Universidade de São Paulo (USP) e
ex-secretário estadual de Educação
de Pernambuco. Ele lembrou que o Brasil tem um fundo específico para a
universalização dos serviços de telecomunicação, o Fust. “Parte desses recursos
deveria ter sido usada para fazer a transição para a educação digital. O que
aconteceu é que os governos, pela área econômica, usaram o Fust para
superávit”, criticou. O Congresso chegou a votar um projeto de lei que previa
utilizar a verba para universalizar a banda larga em escolas públicas, mas o
presidente Jair Bolsonaro, por recomendação do Ministério da Economia, vetou.
No Congresso, há um projeto de lei que prevê a oferta de conexão emergencial
para 18 milhões de estudantes e 1,5 milhão de professores. O texto já foi
aprovado na Câmara e aguarda votação no Senado.
O consenso entre os
especialistas é que, sem uma perspectiva de fim da pandemia, o ensino híbrido,
ora virtual, ora presencial, se torne a regra — o que exigirá investimento e
preparo pedagógico. “Ele é importante para as pedagogias ativas, que centram o
processo na aprendizagem do aluno. Cada jovem poderia estudar pela manhã com
todos os colegas e, à tarde, mediado por tecnologias, se aprofundar em assuntos
mais pertinentes”, defendeu Ramos.
O modelo de
ensino-aprendizagem com apoio de tecnologias já conta com a aceitação em massa
dos professores. “Existem dois tipos de barreira: a hard, que é a falta de
internet e aparelhos. A outra, que é a soft, é que era o receio dos
professores. Antes da pandemia, muitos se perguntavam se valia a pena usar
tecnologias para ensinar, mas hoje eles querem”, afirmou Denis Mizne, diretor
executivo da Fundação Lemann. Após a a crise sanitária, uma pesquisa
encomendada pela fundação constatou que 73% dos educadores disseram que vão
utilizar mais tecnologia no ensino do que usavam antes. E só 3% disseram não se
sentir preparados para o uso de tecnologias.
Em Sobral, no Ceará,
município que tem um dos melhores resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), assim que as
aulas foram suspensas a Secretaria de Educação
investiu no aperfeiçoamento do corpo docente. Organizou um curso on-line sobre
como lidar com as ferramentas digitais e passou a fazer duas lives semanais com
professores por meio do canal do YouTube Tecnologias Digitais na Educação, que hoje tem mais de 62 mil
inscritos. O aperfeiçoamento do ensino remoto foi além da internet. Na cidade,
36% dos alunos, sobretudo nos distritos rurais, não têm acesso a conexão e
computadores e tablets. Para esses, os professores foram orientados a enviar
atividades impressas semanalmente.
Um trabalho de articulação nas políticas educacionais poderia ser
liderado pelo Ministério da Educação,
na avaliação de Alexandre Schneider, presidente do Instituto Singularidades e
ex-secretário municipal de educação de São Paulo. Contudo, diante da atual
conduta do governo em relação ao problema como um todo, ele é cético quanto à
possibilidade de essa liderança se concretizar. “As idas e vindas do governo
federal e a falta de comunicação geraram muita insegurança para a retomada”,
disse. Entre as funções que podem ser lideradas no âmbito federal está a
confecção de um programa de transição digital na educação. Para isso, seria
necessário desenhar um plano de recepção dos professores e estabelecer os
parâmetros de um currículo híbrido. “Para ter um plano de aulas híbridas, o
professor precisa de formação para entender o que deve ser trabalhado presencialmente
e o que funciona bem à distância”, explicou ele. A tecnologia é imprescindível,
mas a boa pedagogia também.
Por Luciana Alvarez, na Revista Época
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