Campanhas do ministério
da Saúde promovem
abertura econômica e colocam cloroquina como protagonista
Desde que assumiu o
Ministério da Saúde, há
mais de seis meses, o general Eduardo Pazuello gastou ao menos R$ 88 milhões em
propagandas ligadas à Covid-19.
Mas em vez de informações sobre distanciamento social e ventilação em locais
fechados, as mensagens exaltam os feitos do governo, a reabertura do comércio e
até a força do agronegócio.
"O que temos visto nas propagandas é assustador. É o negacionismo como
política pública, porque diminui o tamanho do problema. Não deixa claro para a
população que estamos em uma pandemia e que isso é grave', afirma o médico José
David Urbaez, da Sociedade Brasileira de Infectologia.
'Se a informação não é clara, a população fica perdida e acha que não vai pegar
a doença', diz a médica Gulnar Azevedo e Silva, presidente da Abrasco
(Associação Brasileira de Saúde Coletiva).
A verba gasta em publicidade por Pazuello -suficiente para pagar uma parcela de
auxílio de R$ 300 a 293 mil pessoas- é mais alta do que a gasta pelos seus
antecessores, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.
No total, o ministério já gastou R$ 162,4 milhões em publicidade sobre a
pandemia.
Um terço dos R$ 88 milhões gastos por Pazuello -ou R$ 30 milhões - foi dedicado
à campanha sobre o agronegócio e à reabertura dos comércios, segundo apurou a
Repórter Brasil e confirmou o ministério. O comercial foi veiculado em rádio,
TV, internet e locais como unidades de saúde em julho e agosto, quando mais de
mil pessoas morriam por dia de Covid-19.
'Em meio à mais grave crise da história, um setor foi fundamental para o país.
Enquanto muitos tiveram que parar, o agro brasileiro continuou trabalhando',
diz o narrador da propaganda, que traz também o depoimento de uma caminhoneira.
'Vamos voltar, gente, vamos seguir em frente. Só que um cuidando do outro.'
Embora as pessoas retratadas usem máscaras, não há informações sobre cuidados
que poderiam ser adotados para o retorno seguro das atividades.
Questionado, o Ministério da Saúde disse
que a campanha 'refere-se ao processo de retomada das atividades no Brasil e
que, sendo o agronegócio um setor de grande importância para a população, foi
demonstrado que não houve a interrupção das atividades'.
A pasta afirmou que os vídeos demonstram cuidados efetivos, 'como uso de
máscaras, luvas, aparelhos de medição de temperatura e álcool em gel'.
Para a pesquisadora Janara Sousa, do Laboratório de Educação, Informação e
Comunicação em Saúde da
UnB, abordar o agro foge da pauta do ministério, que deveria focar em saúde.
"Que tipo de informação o ministério pode promover sobre o agro?".
Para Nadja Piauitinga, do grupo de comunicação e saúde da Abrasco, a pasta pode
até ser questionada pelos órgãos de controle por executar campanha sem perfil
de utilidade pública.
O Tribunal de Contas da União está
de olho nas ações de comunicação do ministério. Em outubro, o ministro Benjamin Zymler determinou à
pasta a elaboração de um plano de comunicação, já que 'o controle da doença
depende em grande medida das condutas dos indivíduos'. A Saúde informou que o documento
está em atualização.
Utilidade pública
Campanhas como as citadas acima são exemplo de mau uso do dinheiro público,
segundo especialistas ouvidos pela Repórter Brasil. Isso porque o orçamento
para comunicação do Ministério da Saúde,
um dos maiores do governo, deve ser usado em propagandas de utilidade pública,
segundo instrução normativa da Secom, para 'alertar a população para a adoção
de comportamentos que gerem benefícios individuais e/ou coletivos'.
No entanto, em outra campanha da gestão Pazuello -batizada de 'O cuidado
continua' e que consumiu ao menos R$ 35 milhões-, o governo faz apenas
autopromoção, ao destacar a distribuição de verbas, medicamentos e ventiladores
em diferentes estados.
'Dizer que está mandando dinheiro não é utilidade pública, é propaganda
institucional, e não ajuda em nada no combate à pandemia', critica Piauitinga.
Outro problema das propagandas é, segundo Piauitinga, o fato de elas
"defenderem, nas entrelinhas, a cloroquina" -mesmo com pesquisas
apontando que seu uso pode causar danos à saúde. Em maio, o ministério incluiu
a medicação no protocolo do SUS para casos leves.
Com a "agenda cloroquina" de Pazuello, medidas como o distanciamento,
que apareciam com frequência nas gestões de Mandetta e Teich, ficaram em
segundo plano. Na campanha 'Coronavírus, tratamento precoce', o ministério
orienta os cidadãos a começar rapidamente o tratamento.
Para Urbaez, a mensagem faz as pessoas acreditarem na ilusão de que existem
remédios contra a Covid-19. Ele diz que a campanha deveria orientar cidadãos
com suspeita ou diagnóstico positivo a se isolarem. "Ninguém com sintomas
deveria sair de casa, porque esse é um elemento importante de disseminação.'
O Ministério da Saúde disse
que o objetivo da campanha é 'salvar vidas até a chegada da vacina'. 'Os
pacientes devem procurar um serviço de saúde assim que sentirem os primeiros
sintomas.'
Questionada sobre a falta de mensagens a respeito do distanciamento social, a
pasta disse que 'os estados e os municípios são os entes com competência e
autonomia para definir medidas de distanciamento social desde abril, conforme
decisão do Supremo Tribunal Federal'.
"No caso de uma pandemia, informação significa vida ou morte. Mas o país
se perdeu na falta de uma liderança', diz Suylan Midlej, professora de
políticas públicas da UnB. A comunicação é um dos pilares para o controle da
pandemia, avalia Urbaez. "É tão importante quanto o isolamento e a
testagem."
Por Diego Junqueira, na Folha Online
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