A pandemia do novo coronavírus apresentou desafios não vistos há muitos anos em todas as partes do mundo. No Brasil, o enfrentamento da brutal covid-19 está sendo ainda mais difícil em consequência da negligência e ineficiência do governo. Em um momento em que vários países já delinearam como vão vacinar sua população assim que os primeiros imunizantes eficazes sejam aprovados, o governo brasileiro faz mistério. O Ministério da Saúde informou que só vai apresentar um plano quando uma ou mais vacinas forem registradas na Anvisa.
Reportagem do Financial Times publicada pelo Valor
(25/11) descreve as enormes instalações frigoríficas que estão surgindo nos
EUA, com equipamentos de baixíssima temperatura enfileirados, projetados para
receber a vacina contra a covid-19. A escala de prioridades para aplicação do
imunizante já foi estabelecida. Centenas de empresas, de transportadoras a
fornecedores de refrigeradores e produtos médicos, disputam contratos locais e
federais para entregar as doses, fornecer agulhas, seringas, frascos de vidro e
equipamentos de proteção para as pessoas que aplicarão as vacinas. Tudo isso
ocorre apesar de o país viver uma das transições presidenciais mais tumultuadas
já vistas.
O governo britânico afirmou que a distribuição da
vacina deve começar horas após a liberação da primeira vacina a ser aprovada
pela agência regulatória. Os médicos foram recomendados a ficar de prontidão
caso isso ocorra antes do Natal.
No Brasil, o Tribunal de Contas da União (TCU) havia, em agosto, dado prazo ao governo para apresentar o
plano de imunização até a terceira semana de novembro. Mas isso não aconteceu,
e o Planalto recorreu da decisão por meio da advocacia-Geral da União (AGU).
Embora o Brasil participe dos testes de pelo menos
cinco vacinas, pouco se sabe sobre distribuição para Estados e municípios,
quantidade de agulhas, seringas, necessidade de implantação de instalações e
equipamentos de armazenagem e escala de prioridades entre as várias faixas da
população.
O Ministério da Saúde tem apenas um rascunho; e antecipou que não há vacina
para toda a população. Anteriormente havia falado em um primeiro momento
imunizar o grupo de risco formado por profissionais da saúde, idosos e pessoas
com comorbidades. Mas os governadores estão ansiosos para conhecerem os
detalhes da logística do plano — que seria o ponto forte do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello —, como as
regras de distribuição e de armazenagem do imunizante, além da disponibilidade
de equipamentos e o treinamento das equipes de aplicação.
Fabricantes de equipamentos médicos ouvidos pelo
Valor informam que não receberam nenhuma encomenda ou sinalização por parte de
governos ou do SUS, o que pode trazer dificuldades em caso de aumento repentino
na demanda. A imunização contra o coronavírus terá que ser feita em paralelo
com as campanhas usuais de vacinação, que distribuem cerca de 300 milhões de
doses todos os anos.
Não é esse o único ponto falho do governo.
Há o caso inexplicável dos quase 7 milhões de
testes de covid-19 “esquecidos” em um galpão no aeroporto de Guarulhos (SP) e
já perto do vencimento. O estoque, que poderá ser inutilizado, é maior que os 5
milhões de exames PCR aplicados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) durante toda a
pandemia. Há informações de que outros lotes enfrentam o mesmo problema
elevando a 15 milhões o número de testes comprometidos. A saída improvisada foi
pedir uma ampliação do prazo de validade, que foi rejeitada pela Anvisa em
outras ocasiões.
Na contramão do recomendável em um momento do
recrudescimento do número de casos e provável segunda onda da pandemia, o
Ministério da Saúde acaba
de cortar o financiamento de 3.265 Centros de Atendimento para Enfrentamento à
covid-19, instituídos em maio a pedido das secretarias municipais de Saúde para ampliar o acesso ao
atendimento precoce das pessoas com sintomas. Outros 130 Centros Comunitários
de Referência para Enfrentamento da covid-19 também serão afetados. Sem verbas
federais, boa parte dessas unidades de saúde corre o risco de fechar, já que
dificilmente os municípios terão dinheiro para mantê-los.
Tudo indica que o
Ministério da Saúde receia
desgostar o presidente Jair Bolsonaro, que minimiza a importância da covid-19,
discute a eficiência das vacinas e já chamou de “maricas” quem adota medidas de
isolamento.
Valor Econômico
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