quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

CIDADES - À espera da normalidade

 


Enquanto a pandemia não passa, as cidades brasileiras buscam jeitos de manter a atratividade


As cidades brasileiras foram colocadas à prova na pandemia, assim como ocorreu em todos os países atingidos pela crise gerada pela covid-19. Muitas experimentaram quarentenas rígidas. Viram o desemprego disparar e os negócios fechar as portas. Vivem agora o temor de uma segunda onda de transmissão e o risco de ser obrigadas a restringir novamente parte das atividades do comércio e do setor de serviços.

O governo do estado de São Paulo já reduziu a capacidade de atendimento de lojas de rua, shoppings e restaurantes da capital e de outras regiões na segunda-feira 30 de novembro. No mesmo dia, no Rio Grande do Sul, cidades como Porto Alegre, Pelotas e Novo Hamburgo proibiram a circulação de pessoas em locais públicos, como parques e centros de diversão à beira de rios. Belo Horizonte fala em um novo lockdown. Muitas outras estudam reeditar normas para conter o avanço da doença, novamente.

É fato também que, em meio a uma das piores crises sanitárias de que se tem notícia, alguns municípios conseguiram se destacar e continuam crescendo. Em Camaçari, na Bahia, o saldo de empregos ficou positivo em 1.000 vagas em setembro, tornando o mercado de trabalho na cidade semelhante ao do início do ano, antes da pandemia. Em Florianópolis, a arrecadação do imposto sobre serviços (ISS) deve aumentar cerca de 4%, em boa medida a reboque da expansão do setor de tecnologia, enquanto a maioria dos municípios sofre com a queda de receita provocada pela crise do coronavírus.

Juazeiro, polo produtor de frutas na Bahia, deve se beneficiar do aumento das exportações. Essas cidades conseguiram sobressair num momento especialmente difícil da economia não apenas porque apresentaram bons indicadores de gestão, emprego ou infraestrutura. Elas deram um passo adiante. “A gestão pública foi hábil em identificar as principais vocações locais e em construir fortalezas ao redor disso”, diz David Kállas, coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper.

Além de Florianópolis, Juazeiro e Camaçari, São Paulo e sua vizinha Barueri foram as primeiras colocadas no ranking 2020 das melhores cidades para fazer negócio, elaborado pela consultoria Urban Systems com exclusividade para EXAME. No ano que tudo mudou, o levantamento criado em 2014 também teve de mudar. Com a maior parte do país afetada pela covid-19, foram criados indicadores que levam em conta o impacto da doen­ça, como o número total de infectados e a taxa de letalidade, além de questões relativas aos reflexos da pandemia sobre a economia. Foram analisados dados de todos os 326 municípios com mais de 100.000 habitantes do país.

A metodologia também foi reformulada para dar mais visibilidade aos pontos fortes das cidades, que as tornaram mais resilientes à crise. Por isso, foram criadas seis categorias: agropecuária, comércio, educação, indústria, mercado imobiliário e serviços. “Assim, ficou mais fácil identificar as vocações de cada município”, diz Willian Rigon, sócio e diretor de marketing da consultoria Urban Systems, responsável pelo estudo, finalizado em outubro. “Ao analisar as cidades vencedoras de cada categoria, percebe-se mais a somatória de esforços feitos para que fosse possível construir fortalezas e pavimentar o caminho do crescimento”, afirma.

Tome-se o exemplo de Florianópolis. A capital catarinense criou um dos primeiros polos de inovação tecnológica do país, na década de 1980. Programas desenvolvidos em conjunto com universidades e com a iniciativa privada fizeram com que a cidade se tornasse um polo para novos negócios em serviços ancorados em tecnologia da informação.

Com mais de 4.000 empresas do setor instaladas no município, algumas em franca expansão, Florianópolis conseguiu criar empregos e deve fechar as contas no azul neste ano, enquanto boa parte das cidades vem patinando economicamente. Barueri, destaque no setor de comércio, conseguiu a proeza de aumentar em 7,2% o número de estabelecimentos atacadistas.

Beneficiada pela presença de grandes grupos varejistas e centros de distribuição de algumas das maiores empresas do setor no país, como o Mercado Livre, a cidade conseguiu manter o índice de 1,57 emprego por habitante, um dos maiores do país, e um salário médio de quase 4.000 reais, 37% mais do que a média nacional.

Infelizmente, essas cidades são exceção. Boa parte dos municípios brasileiros enfrenta problemas de caixa, com a queda recente de arrecadação. Isso é mais grave para 35% dos municípios brasileiros que não se sustentam financeiramente. Mais de 1.000 cidades correm o risco de romper o teto da Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece que elas devem gastar menos do que 54% da receita corrente líquida com pessoal.

Em junho, um socorro de 60 bilhões de reais foi liberado para os municípios e estados, e o governo estuda uma nova rodada de apoio. “Todas as cidades brasileiras recebem repasses do governo federal. As que vão melhor são aquelas que não se acomodaram e buscam inovar sempre”, diz Kállas. Os ensinamentos das melhores cidades para fazer negócio em 2020 são uma inspiração para todos os municípios — em tempos de pandemia ou não.


INDÚSTRIA

Antiga região de hippies, Camaçari, na Bahia, tornou-se um dos polos industriais mais dinâmicos do país

Há cinco anos, a Basf, uma das maiores indústrias químicas do mundo, investiu mais de 500 milhões de euros para criar uma de suas maiores plantas no complexo industrial de Camaçari, na Bahia. “Conforme a evolução da economia brasileira, pensamos em estudar novos investimentos no local”, diz Tânia Oberding, diretora industrial do complexo da Basf em Camaçari. Das 90 empresas que escolheram Camaçari, a 37 quilômetros de Salvador, para instalar suas unidades fabris, uma dezena chegou nos últimos anos. Outras quatro devem se juntar a esse grupo no médio prazo.

O polo industrial, responsável por 30% das exportações da Bahia e 22% do PIB da indústria de transformação do estado, vive um momento de franca expansão. “Uma série de atrativos, como a infraestrutura de dutos para escoamento das matérias-primas produzidas no local até o porto mais próximo, o de Aratu, vem atraindo mais investimentos”, afirma Mauro Pereira, superintendente do Comitê de Fomento Industrial de Camaçari.

Com um faturamento anual de mais de 60 bilhões de reais, o polo de Camaçari não precisou parar suas atividades por causa da crise do coronavírus. Boa parte das empresas optou pela implantação de quatro ou cinco turnos de trabalho, criando um fluxo menor de funcionários nas fábricas. Outras companhias escolheram a redução salarial e de jornada. Em setembro, quando a demanda por matérias-primas começou a esquentar no país, as indústrias em Camaçari criaram 239 novos postos de trabalho dos 1.000 gerados na cidade.

Atualmente, o complexo emprega cerca de 15.000 pessoas, cujo salário médio é de 5.200 reais por mês. O valor é 55% acima da média nacional, em razão da necessidade de mão de obra especializada. Criado em 1978, o complexo tem localização estratégica, perto do maior porto da região e da capital baiana. O desenvolvimento da infraestrutura tornou a região, que durante muitos anos foi conhecida como um reduto de hippies, ainda mais atraente.

Hoje, a cidade de cerca de 300.000 habitantes vive do sucesso do polo: 37% dos empregos formais são industriais e 10% da arrecadação vem das indústrias ali instaladas. Ainda assim, enfrenta imensos desafios sociais e urbanos: apenas 60% das ruas do município são asfaltadas e a rede de esgoto atende 20% da população.

Em agosto, a prefeitura da cidade lançou uma campanha para atrair novas empresas na cidade e impulsionar a retomada no pós-pandemia. Será oferecido um programa de incentivo fiscal e licenciamento simplificado para agilizar a implantação dos novos negócios. “Os benefícios de operar em Camaçari são incomparáveis”, diz Carlos Alfano, diretor industrial da Braskem na Bahia, empresa que recebeu incentivos estaduais na época da instalação do projeto. Com 1.100 funcionários no local, a Braskem investiu 450 milhões de reais na unidade fabril no ano passado e estuda uma nova fase de expansão.

A experiência em Camaçari vem animando o governo da Bahia a replicar a iniciativa em outras regiões. A ideia é construir outro polo industrial, voltado para o setor sucroalcooleiro, no oeste do estado. “Devemos repetir o modelo adotado em Camaçari, que combina boa infraestrutura com oferta de mão de obra e incentivos fiscais”, diz João Leão (PP), vice-governador e secretário de Desenvolvimento Econômico. “Tem tudo para dar certo.”

AGRONEGÓCIO

No sertão baiano, Juazeiro domou o clima e o solo para criar um bem-sucedido polo de fruticultura



Em 1983, quando o produtor rural Suemi Koshiyama se mudou de Mogi das Cruzes, região produtora de frutas e hortaliças de São Paulo, para Juazeiro, na Bahia, era difícil até encontrar lojas que vendessem adubo ali. A maioria das estradas era de terra e muitas pessoas usavam jegues para locomoção. “A cidade está irreconhecível”, diz. Com os investimentos em agricultura, que começaram com o projeto de captação das águas do Rio São Francisco, o município de 150.000 habitantes se transformou.

O negócio de Koshiyama, a Special Fruit, cresceu junto com o desenvolvimento local. Hoje, o paulista é um dos maiores produtores de manga e uva do Brasil. Na área de 1.200 hectares, são colhidas cerca de 20.000 toneladas de frutas por ano. A despeito da crise, o faturamento deve chegar a 250 milhões de reais, 25% mais do que em 2019.

Boa parte da fruticultura no sertão baiano é voltada para exportação. “Com o câmbio favorável, o faturamento vai crescer para todos os produtores neste ano”, diz. A combinação de valorização da moeda com aumento da produtividade fará com que a fruticultura na região fature 4,5 bilhões de reais, 21,5% mais do que em 2019.

Primeira colocada no setor de agropecuária do ranking 2020 das 100 melhores cidades para fazer negócio, Juazeiro descobriu há quatro décadas sua vocação para o agronegócio. Políticas públicas em parceria com instituições como a Embrapa proporcionaram um dos maiores programas de irrigação do país. E o desenvolvimento de variedades de frutas adaptadas ao solo da região e técnicas novas de plantio ajudaram a trazer alto potencial agrícola à caatinga. Não é para menos que a segunda no ranking de agro é a pernambucana Petrolina, na divisa entre os dois estados.

A região se tornou uma aposta também para empresas como a gaúcha Miolo. A vinícola concentra a produção de espumantes, um de seus carros-chefes, nos 200 hectares em que colhe 400.000 quilos de uvas por ano. Em 2021, a Miolo pretende expandir a área. “O clima local e as técnicas de cultivo, baseadas em irrigação por gotejamento, permitem a colheita de duas safras de uvas por ano”, diz Adriano Miolo, superintendente da empresa e neto do fundador. “Neste ano, foi importante montar rapidamente estratégias para não ficar refém da pandemia.”

Desde o início da pandemia, Juazeiro registrou 5.300 casos de covid-19. Os empresários locais e o poder público desenharam políticas de prevenção ao vírus. Para garantir o distanciamento social, houve aumento da frota de ônibus que levam os 30.000 trabalhadores do centro da cidade à zona rural. A saúde dos trabalhadores passou a ser monitorada de perto, com testagem e afastamento dos que têm sintomas da doença.

Nas fazendas, não se vê gente sem máscara. “Sem esses cuidados, não conseguiríamos expandir a produção na pandemia”, diz Guilherme Coelho, proprietário rural da região e presidente da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas).

COMÉRCIO

Mesmo na pandemia, o varejo e o atacado continuaram a crescer em Barueri

Entre janeiro e agosto, no auge da pandemia, o município paulista de Barueri, com 277.000 habitantes, perdeu apenas 137 empregos. A cidade manteve a média de 1,57 vaga de trabalho por habitante economicamente ativo. Trata-se de um recorde entre as cidades com mais de 100.000 habitantes. Nem a capital paulista, sua vizinha e responsável por 10,6% do PIB nacional, com 0,6 vaga por morador, apresentou resultado semelhante. Com mais postos de trabalho do que profissionais disponíveis para preenchê-los (o que atrai gente das cidades vizinhas), o mercado de trabalho em Barueri não sofreu derrotas durante os reveses econômicos deste ano.

A média salarial da cidade, de quase 4.000 reais, continua uma das mais altas do país. Nada disso aconteceu à toa. Há 15 anos a cidade se empenha em desburocratizar a condução dos negócios locais — o que garantiu destaque ao município em edições anteriores do ranking da Urban Systems. Desde 2005 os alvarás para o funcionamento de novos estabelecimentos podem ser obtidos de forma online.

Depois da grave crise econômica que atingiu o país entre 2014 e 2017, a cidade também investiu em programas de recolocação profissional, como um banco de empregos que conta com milhares de currículos cadastrados. O município também direcionou esforços a programas gratuitos de qualificação profissional.

Esse conjunto de fatores, aliado à estratégia de manter uma das alíquotas mais baixas do imposto sobre serviço (ISS) do estado de São Paulo, ao redor de 2% a 3%, tem se revelado essencial para a atração de investimentos no comércio. Cortada pelo rodoanel, que conecta dez rodovias, Barueri se tornou sede de grandes empresas varejistas, como Walmart, e de centros de distribuição de mercadorias, entre eles o do Mercado Livre, empresa mais valiosa da América Latina.

“Estamos colhendo os resultados de um planejamento estratégico adotado tempos atrás”, diz Rubens Furlan (PSDB), prefeito de Barueri, reeleito nas eleições municipais deste ano. No primeiro semestre, em meio à fase mais grave da pandemia, Barueri registrou um aumento de 1% no número de lojas do comércio varejista e de 7,2% no de atacadistas.

SERVIÇOS

Com uma força de trabalho qualificada, Florianópolis se destaca pelas empresas de tecnologia e pelo ecossistema de inovação

A Pixeon, fabricante de softwares de gestão de hospitais, clínicas e laboratórios de Florianópolis, havia tempos estudava entrar no segmento de telemedicina. Aí veio a pandemia de covid-19 e a empresa criada em 2002 e controlada pelo fundo americano Riverwood decidiu transformar o plano em ação: no final de setembro, a Pixeon comprou a startup paulista Boa Consulta, especializada em telemedicina, com 1 milhão de pacientes cadastrados e 58.000 profissionais de saúde.

A investida na nova área exigiu a abertura de dezenas de postos de trabalho para dar conta da alta demanda. A expectativa é fechar 2020 com um faturamento de 95 milhões de reais, 16% mais do que em 2019. “A Pixeon está longe de ser a única empresa de Florianópolis a ter uma boa performance mesmo em um período difícil, como o que estamos vivendo agora”, diz Iomani Engelmann, cofundador da empresa e diretor de marketing.

“Várias outras companhias de TI sediadas na cidade não sentiram os efeitos da crise.” Com mais de 4.000 empresas de tecnologia e inovação instaladas em Florianópolis, o setor representa 14% do PIB da cidade, de acordo com dados da prefeitura. Isso criou um colchão na crise. A arrecadação do imposto sobre serviços, por exemplo, deve ter um aumento de cerca de 4,5% neste ano. “As contas vão fechar no azul, em grande parte graças ao bom desempenho do setor de tecnologia da informação, nosso principal motor do crescimento”, diz o prefeito Gean Loureiro (DEM), reeleito no primeiro turno.

Empresas de tecnologia e uma força de trabalho qualificada andam juntas. Cerca de 50% dos postos de trabalho na capital catarinense são ocupados por profissionais com curso superior. A média do país é de apenas 22%. Com isso, a média salarial é alta na cidade: 4.875 reais por mês, diante de 2.900 reais no restante do país.

Esse caminho vem sendo pavimentado há algumas décadas. Em 1986, a cidade criou uma das primeiras incubadoras de empresas de tecnologia do país. Ao mesmo tempo, a Universidade Federal de Santa Catarina ampliou o centro de formação em tecnologia e começou a direcionar os melhores alunos para as companhias do setor. “Em uma época em que mal se falava de tecnologia, Florianópolis começou a atrair profissionais da área e se tornou um dos maiores polos do setor no Brasil”, diz Engelmann. “Em 2020, em que fomos abatidos por uma crise inédita no mundo, foi isso o que nos salvou.”

Sem uma política clara para conter a propagação de covid-19, no entanto, esse ponto forte da cidade talvez não seria suficiente. E Florianópolis decidiu usar a inovação para ajudar no combate à pandemia. Uma das principais iniciativas foi o rastreamento dos moradores. O serviço chamado de Covidômetro permite que os habitantes da cidade façam check-in pelos lugares por onde passam.

Uma vez cadastrado na plataforma, o cidadão aponta a câmera do celular para um adesivo com QR Code instalado no transporte público ou em estabelecimentos comerciais. Por meio do cruzamento de dados com a vigilância sanitária, o morador é avisado, por SMS, se a área tem uma alta, média ou baixa concentração de casos. Caso a pessoa tenha passado por uma região com maior incidência de covid, é orientada a fazer o exame para detecção do novo coronavírus. Essas e outras iniciativas permitiram que a capital catarinense tivesse um dos índices de letalidade mais baixos do país, de 0,79%.

A empresa encarregada pelo desenvolvimento da tecnologia foi a Smart Tracking, também de Florianópolis. Com uma filial em Portugal e outra nos Estados Unidos, a startup deve crescer 600% neste ano, alcançando um faturamento de 4,5 milhões de reais. “Estamos criando empregos e ajudando a cidade a lidar com a pandemia, o que é fundamental para a economia”, diz Jucelha Carvalho, presidente da Smart Tracking. “Isso mostra quanto Florianópolis acertou ao apostar em sua maior vocação.”

EDUCAÇÃO E IMÓVEIS

São Paulo tem o maior número de estudantes universitários do Brasil e o mercado imobiliário mais dinâmico do país. E ambos estão se reinventando na pandemia

Poucas cidades brasileiras foram tão afetadas pela pandemia como São Paulo. Com mais de 400.000 infectados e 14.000 mortes até o fim de novembro, a capital paulista enfrenta a segunda onda de transmissão de covid-19 e o recrudescimento das regras de abertura da atividade econômica. Na segunda-feira 30 de novembro, o governo do estado de São Paulo colocou a capital e outras regiões na chamada fase amarela da quarentena, que, entre outras medidas, reduz a capacidade de atendimento do comércio de rua, shoppings e restaurantes a 40% (antes era de 60%).

“Não há espaço para o discurso alarmista de que teremos novo lockdown nem de que a pandemia acabou”, disse o prefeito reeleito Bruno Covas (PSDB). A atual crise econômica, que já impôs o fechamento de 100.000 postos de trabalho no mercado formal, pode ampliar o desemprego na maior cidade do país. Mas São Paulo também vem testemunhando mudanças intensas em diversas frentes por causa da crise sanitária.

Duas áreas são destacadas pelo ranking Melhores Cidades para Fazer Negócios, da Urban Systems: educação e mercado imobiliário. Na cidade que concentra o maior número de estudantes universitários do país e o mais dinâmico mercado imobiliário do Brasil, 2020 foi um ano de aprendizados que devem perdurar após a pandemia.

Universidades e faculdades na cidade concentram 15% das matrículas do ensino superior do país. Com a pandemia, todas tiveram de adotar rapidamente o ensino à distância — apenas 18% dos alunos estudavam remotamente antes da covid-19. Com quase 10.000 alunos de graduação e pós-graduação, a escola de negócios Insper teve de criar um modelo online em dez dias em março.

Desde então, a gestão do Insper acompanha diariamente as 140 aulas diárias que a instituição oferece para monitorar o aprendizado dos alunos. “Descobrimos problemas causados na pandemia e outros que existiam antes mesmo da quarentena”, diz Marcos Lisboa, presidente da instituição. Apenas parte das atividades voltou ao modelo presencial com a flexibilização das atividades do setor de ensino em outubro.

Mesmo na pandemia, o Insper lançou um novo curso, o de direito, que há dois anos vinha sendo planejado. Sem clareza de quando a rotina poderá ser retomada, a escola avalia o que pode ser incorporado no pós-pandemia. “Há aulas e atividades que precisam ser presenciais, pois a interação leva à inovação. Mas há outras que permitem o ensino à distância sem prejuízo. Existe espaço para um modelo híbrido na educação”, diz Lisboa.

Desafios semelhantes enfrenta o setor imobiliário, que sofreu um baque forte nos primeiros meses da quarentena. Mas a adesão ao home office obrigou as famílias a repensar o espaço doméstico, no qual era preciso comportar também espaços para o trabalho remoto. “Em setembro, vimos uma explosão na demanda residencial na capital. Dos imóveis de luxo aos da classe média, o mercado está se movimentando”, diz Marcelo Pessoa, presidente da Locke Engenharia, que começa 2021 com nove empreendimentos em construção.

Em outubro, 5.542 novos imóveis foram comercializados, um aumento de 38% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Os juros em seu patamar mais baixo no país têm incentivado o investimento no setor imobiliário da cidade, onde falta moradia. Estima-se haver uma demanda de 200.000 novos domicílios para famílias com renda de até 4.000 reais. Outras 150.000 unidades para aquelas com renda superior a esse valor.

Por outro lado, as mudanças de comportamento geradas pela pandemia têm afetado o mercado corporativo, no qual há escritórios sendo devolvidos e alta taxa de vacância nas torres comerciais. “Há muitas inovações no espaço urbano que devem sair da pandemia. Edifícios com estacionamentos vazios podem ser direcionados para atividades mais produtivas e inovadoras”, diz Tomas Alvim, coordenador do Laboratório Arq Futuro de Cidades do Insper. De um jeito ou de outro, a cidade vai se adaptar.

Por Carla Aranha e Fabiane Stefano, na Revista Exame  


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