Enquanto a pandemia não passa, as cidades brasileiras buscam jeitos de manter a atratividade
As cidades brasileiras foram colocadas à prova na pandemia, assim como
ocorreu em todos os países atingidos pela crise gerada pela covid-19. Muitas
experimentaram quarentenas rígidas. Viram o desemprego disparar e os negócios
fechar as portas. Vivem agora o temor de uma segunda onda de transmissão e o
risco de ser obrigadas a restringir novamente parte das atividades do comércio
e do setor de serviços.
O governo do estado de São Paulo já reduziu a capacidade de atendimento de
lojas de rua, shoppings e restaurantes da capital e de outras regiões na
segunda-feira 30 de novembro. No mesmo dia, no Rio Grande do Sul, cidades como
Porto Alegre, Pelotas e Novo Hamburgo proibiram a circulação de pessoas em
locais públicos, como parques e centros de diversão à beira de rios. Belo
Horizonte fala em um novo lockdown. Muitas outras estudam reeditar normas para
conter o avanço da doença, novamente.
É fato também que, em meio a uma das piores crises sanitárias de que se
tem notícia, alguns municípios conseguiram se destacar e continuam crescendo.
Em Camaçari, na Bahia, o saldo de empregos ficou positivo em 1.000 vagas em
setembro, tornando o mercado de trabalho na
cidade semelhante ao do início do ano, antes da pandemia. Em Florianópolis, a
arrecadação do imposto sobre serviços (ISS) deve aumentar cerca de 4%, em boa
medida a reboque da expansão do setor de tecnologia, enquanto a maioria dos
municípios sofre com a queda de receita provocada pela crise do coronavírus.
Juazeiro, polo produtor de frutas na Bahia, deve se beneficiar do aumento
das exportações. Essas cidades conseguiram sobressair num momento especialmente
difícil da economia não apenas porque apresentaram bons indicadores de
gestão, emprego ou
infraestrutura. Elas deram um passo adiante. “A gestão pública foi hábil em
identificar as principais vocações locais e em construir fortalezas ao redor
disso”, diz David Kállas, coordenador do Centro de Estudos em Negócios do
Insper.
Além de Florianópolis, Juazeiro e Camaçari, São Paulo e sua vizinha
Barueri foram as primeiras colocadas no ranking 2020 das melhores cidades para
fazer negócio, elaborado pela consultoria Urban Systems com exclusividade para
EXAME. No ano que tudo mudou, o levantamento criado em 2014 também teve de
mudar. Com a maior parte do país afetada pela covid-19, foram criados
indicadores que levam em conta o impacto da doença, como o número total de
infectados e a taxa de letalidade, além de questões relativas aos reflexos da
pandemia sobre a economia. Foram analisados dados de todos os 326 municípios
com mais de 100.000 habitantes do país.
A metodologia também foi reformulada para dar mais visibilidade aos pontos
fortes das cidades, que as tornaram mais resilientes à crise. Por isso, foram
criadas seis categorias: agropecuária, comércio, educação, indústria, mercado
imobiliário e serviços. “Assim, ficou mais fácil identificar as vocações de
cada município”, diz Willian Rigon, sócio e diretor de marketing da consultoria
Urban Systems, responsável pelo estudo, finalizado em outubro. “Ao analisar as
cidades vencedoras de cada categoria, percebe-se mais a somatória de esforços
feitos para que fosse possível construir fortalezas e pavimentar o caminho do
crescimento”, afirma.
Tome-se o exemplo de Florianópolis. A capital catarinense criou um dos
primeiros polos de inovação tecnológica do país, na década de 1980. Programas
desenvolvidos em conjunto com universidades e com a iniciativa privada fizeram
com que a cidade se tornasse um polo para novos negócios em serviços ancorados
em tecnologia da informação.
Com mais de 4.000 empresas do setor instaladas no município, algumas em
franca expansão, Florianópolis conseguiu criar empregos e deve fechar as contas
no azul neste ano, enquanto boa parte das cidades vem patinando economicamente.
Barueri, destaque no setor de comércio, conseguiu a proeza de aumentar em 7,2%
o número de estabelecimentos atacadistas.
Beneficiada pela presença de grandes grupos varejistas e centros de
distribuição de algumas das maiores empresas do setor no país, como o Mercado
Livre, a cidade conseguiu manter o índice de 1,57 emprego por habitante, um dos maiores do país, e um salário
médio de quase 4.000 reais, 37% mais do que a média nacional.
Infelizmente, essas cidades são exceção. Boa parte dos municípios
brasileiros enfrenta problemas de caixa, com a queda recente de arrecadação. Isso
é mais grave para 35% dos municípios brasileiros que não se sustentam
financeiramente. Mais de 1.000 cidades correm o risco de romper o teto da Lei de Responsabilidade Fiscal, que
estabelece que elas devem gastar menos do que 54% da receita corrente líquida
com pessoal.
Em junho, um socorro de 60 bilhões de reais foi liberado para os
municípios e estados, e o governo estuda uma nova rodada de apoio. “Todas as
cidades brasileiras recebem repasses do
governo federal. As que vão melhor são aquelas que não se acomodaram e buscam
inovar sempre”, diz Kállas. Os ensinamentos das melhores cidades para fazer
negócio em 2020 são uma inspiração para todos os municípios — em tempos de
pandemia ou não.
INDÚSTRIA
Antiga região de hippies, Camaçari, na Bahia, tornou-se um dos polos
industriais mais dinâmicos do país
Há cinco anos, a Basf, uma das maiores indústrias químicas do mundo,
investiu mais de 500 milhões de euros para criar uma de suas maiores plantas no
complexo industrial de Camaçari, na Bahia. “Conforme a evolução da economia
brasileira, pensamos em estudar novos investimentos no local”, diz Tânia
Oberding, diretora industrial do complexo da Basf em Camaçari. Das 90 empresas
que escolheram Camaçari, a 37 quilômetros de Salvador, para instalar suas
unidades fabris, uma dezena chegou nos últimos anos. Outras quatro devem se
juntar a esse grupo no médio prazo.
O polo industrial, responsável por 30% das exportações da Bahia e 22% do
PIB da indústria de transformação do estado, vive um momento de franca
expansão. “Uma série de atrativos, como a infraestrutura de dutos para
escoamento das matérias-primas produzidas no local até o porto mais próximo, o de Aratu,
vem atraindo mais investimentos”, afirma Mauro Pereira, superintendente do
Comitê de Fomento Industrial de Camaçari.
Com um faturamento anual de mais de 60 bilhões de reais, o polo de
Camaçari não precisou parar suas atividades por causa da crise do coronavírus.
Boa parte das empresas optou pela implantação de quatro ou cinco turnos
de trabalho, criando um
fluxo menor de funcionários nas fábricas. Outras companhias escolheram a
redução salarial e de jornada. Em setembro, quando a demanda por
matérias-primas começou a esquentar no país, as indústrias em Camaçari criaram
239 novos postos de trabalho dos
1.000 gerados na cidade.
Atualmente, o complexo emprega cerca de 15.000 pessoas, cujo salário médio
é de 5.200 reais por mês. O valor é 55% acima da média nacional, em razão da
necessidade de mão de obra especializada. Criado em 1978, o complexo tem
localização estratégica, perto do maior porto da região e da capital baiana. O desenvolvimento da infraestrutura
tornou a região, que durante muitos anos foi conhecida como um reduto de
hippies, ainda mais atraente.
Hoje, a cidade de cerca de 300.000 habitantes vive do sucesso do polo: 37%
dos empregos formais são industriais e 10% da arrecadação vem das indústrias
ali instaladas. Ainda assim, enfrenta imensos desafios sociais e urbanos:
apenas 60% das ruas do município são asfaltadas e a rede de esgoto atende 20%
da população.
Em agosto, a prefeitura da cidade lançou uma campanha para atrair novas
empresas na cidade e impulsionar a retomada no pós-pandemia. Será oferecido um
programa de incentivo fiscal e licenciamento simplificado para agilizar a
implantação dos novos negócios. “Os benefícios de operar em Camaçari são
incomparáveis”, diz Carlos Alfano, diretor industrial da Braskem na Bahia,
empresa que recebeu incentivos estaduais na época da instalação do projeto. Com
1.100 funcionários no local, a Braskem investiu 450 milhões de reais na unidade
fabril no ano passado e estuda uma nova fase de expansão.
A experiência em Camaçari vem animando o governo da Bahia a replicar a
iniciativa em outras regiões. A ideia é construir outro polo industrial,
voltado para o setor sucroalcooleiro, no oeste do estado. “Devemos repetir o
modelo adotado em Camaçari, que combina boa infraestrutura com oferta de mão de
obra e incentivos fiscais”, diz João Leão (PP), vice-governador e secretário
de Desenvolvimento Econômico.
“Tem tudo para dar certo.”
AGRONEGÓCIO
No sertão baiano, Juazeiro domou o clima e o solo para criar um
bem-sucedido polo de fruticultura
Em 1983, quando o produtor rural Suemi Koshiyama se mudou de Mogi das
Cruzes, região produtora de frutas e hortaliças de São Paulo, para Juazeiro, na
Bahia, era difícil até encontrar lojas que vendessem adubo ali. A maioria das
estradas era de terra e muitas pessoas usavam jegues para locomoção. “A cidade
está irreconhecível”, diz. Com os investimentos em agricultura, que começaram
com o projeto de captação das águas do Rio São Francisco, o município de
150.000 habitantes se transformou.
O negócio de Koshiyama, a Special Fruit, cresceu junto com o desenvolvimento local. Hoje, o
paulista é um dos maiores produtores de manga e uva do Brasil. Na área de 1.200
hectares, são colhidas cerca de 20.000 toneladas de frutas por ano. A despeito
da crise, o faturamento deve chegar a 250 milhões de reais, 25% mais do que em
2019.
Boa parte da fruticultura no sertão baiano é voltada para exportação. “Com
o câmbio favorável, o faturamento vai crescer para todos os produtores neste
ano”, diz. A combinação de valorização da moeda com aumento da produtividade
fará com que a fruticultura na região fature 4,5 bilhões de reais, 21,5% mais
do que em 2019.
Primeira colocada no setor de agropecuária do ranking 2020 das 100
melhores cidades para fazer negócio, Juazeiro descobriu há quatro décadas sua
vocação para o agronegócio. Políticas públicas em parceria com instituições
como a Embrapa proporcionaram um dos maiores programas de irrigação do país. E
o desenvolvimento de
variedades de frutas adaptadas ao solo da região e técnicas novas de plantio
ajudaram a trazer alto potencial agrícola à caatinga. Não é para menos que a
segunda no ranking de agro é a pernambucana Petrolina, na divisa entre os dois
estados.
A região se tornou uma aposta também para empresas como a gaúcha Miolo. A
vinícola concentra a produção de espumantes, um de seus carros-chefes, nos 200
hectares em que colhe 400.000 quilos de uvas por ano. Em 2021, a Miolo pretende
expandir a área. “O clima local e as técnicas de cultivo, baseadas em irrigação
por gotejamento, permitem a colheita de duas safras de uvas por ano”, diz
Adriano Miolo, superintendente da empresa e neto do fundador. “Neste ano, foi
importante montar rapidamente estratégias para não ficar refém da pandemia.”
Desde o início da pandemia, Juazeiro registrou 5.300 casos de covid-19. Os
empresários locais e o poder público desenharam políticas de prevenção ao
vírus. Para garantir o distanciamento social, houve aumento da frota de ônibus
que levam os 30.000 trabalhadores do centro da cidade à zona rural. A saúde dos
trabalhadores passou a ser monitorada de perto, com testagem e afastamento dos
que têm sintomas da doença.
Nas fazendas, não se vê gente sem máscara. “Sem esses cuidados, não conseguiríamos
expandir a produção na pandemia”, diz Guilherme Coelho, proprietário rural da
região e presidente da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de
Frutas e Derivados (Abrafrutas).
COMÉRCIO
Mesmo na pandemia, o varejo e o atacado continuaram a crescer em Barueri
Entre janeiro e agosto, no auge da pandemia, o município paulista de
Barueri, com 277.000 habitantes, perdeu apenas 137 empregos. A cidade manteve a
média de 1,57 vaga de trabalho por
habitante economicamente ativo. Trata-se de um recorde entre as cidades com
mais de 100.000 habitantes. Nem a capital paulista, sua vizinha e responsável
por 10,6% do PIB nacional, com 0,6 vaga por morador, apresentou resultado
semelhante. Com mais postos de trabalho do
que profissionais disponíveis para preenchê-los (o que atrai gente das cidades
vizinhas), o mercado de trabalho em
Barueri não sofreu derrotas durante os reveses econômicos deste ano.
A média salarial da cidade, de quase 4.000 reais, continua uma das mais
altas do país. Nada disso aconteceu à toa. Há 15 anos a cidade se empenha em
desburocratizar a condução dos negócios locais — o que garantiu destaque ao
município em edições anteriores do ranking da Urban Systems. Desde 2005 os
alvarás para o funcionamento de novos estabelecimentos podem ser obtidos de
forma online.
Depois da grave crise econômica que atingiu o país entre 2014 e 2017, a
cidade também investiu em programas de recolocação profissional, como um banco
de empregos que conta com milhares de currículos cadastrados. O município
também direcionou esforços a programas gratuitos de qualificação profissional.
Esse conjunto de fatores, aliado à estratégia de manter uma das alíquotas
mais baixas do imposto sobre serviço (ISS) do estado de São Paulo, ao redor de
2% a 3%, tem se revelado essencial para a atração de investimentos no comércio.
Cortada pelo rodoanel, que conecta dez rodovias, Barueri se tornou sede de grandes empresas varejistas,
como Walmart, e de centros de distribuição de mercadorias, entre eles o do
Mercado Livre, empresa mais valiosa da América Latina.
“Estamos colhendo os resultados de um planejamento estratégico adotado
tempos atrás”, diz Rubens Furlan (PSDB), prefeito de Barueri, reeleito nas
eleições municipais deste ano. No primeiro semestre, em meio à fase mais grave
da pandemia, Barueri registrou um aumento de 1% no número de lojas do comércio
varejista e de 7,2% no de atacadistas.
SERVIÇOS
Com uma força de trabalho qualificada,
Florianópolis se destaca pelas empresas de tecnologia e pelo ecossistema de
inovação
A Pixeon, fabricante de softwares de gestão de hospitais, clínicas e
laboratórios de Florianópolis, havia tempos estudava entrar no segmento de
telemedicina. Aí veio a pandemia de covid-19 e a empresa criada em 2002 e
controlada pelo fundo americano Riverwood decidiu transformar o plano em ação:
no final de setembro, a Pixeon comprou a startup paulista Boa Consulta,
especializada em telemedicina, com 1 milhão de pacientes cadastrados e 58.000
profissionais de saúde.
A investida na nova área exigiu a abertura de dezenas de postos de trabalho para dar conta da alta
demanda. A expectativa é fechar 2020 com um faturamento de 95 milhões de reais,
16% mais do que em 2019. “A Pixeon está longe de ser a única empresa de
Florianópolis a ter uma boa performance mesmo em um período difícil, como o que
estamos vivendo agora”, diz Iomani Engelmann, cofundador da empresa e diretor
de marketing.
“Várias outras companhias de TI sediadas na cidade não sentiram os efeitos
da crise.” Com mais de 4.000 empresas de tecnologia e inovação instaladas em
Florianópolis, o setor representa 14% do PIB da cidade, de acordo com dados da
prefeitura. Isso criou um colchão na crise. A arrecadação do imposto sobre
serviços, por exemplo, deve ter um aumento de cerca de 4,5% neste ano. “As
contas vão fechar no azul, em grande parte graças ao bom desempenho do setor de
tecnologia da informação, nosso principal motor do crescimento”, diz o prefeito
Gean Loureiro (DEM), reeleito no primeiro turno.
Empresas de tecnologia e uma força de trabalho qualificada andam juntas. Cerca de 50% dos postos
de trabalho na capital
catarinense são ocupados por profissionais com curso superior. A média do país
é de apenas 22%. Com isso, a média salarial é alta na cidade: 4.875 reais por
mês, diante de 2.900 reais no restante do país.
Esse caminho vem sendo pavimentado há algumas décadas. Em 1986, a cidade
criou uma das primeiras incubadoras de empresas de tecnologia do país. Ao mesmo
tempo, a Universidade Federal de Santa Catarina ampliou o centro de formação em
tecnologia e começou a direcionar os melhores alunos para as companhias do
setor. “Em uma época em que mal se falava de tecnologia, Florianópolis começou
a atrair profissionais da área e se tornou um dos maiores polos do setor no
Brasil”, diz Engelmann. “Em 2020, em que fomos abatidos por uma crise inédita
no mundo, foi isso o que nos salvou.”
Sem uma política clara para conter a propagação de covid-19, no entanto,
esse ponto forte da cidade talvez não seria suficiente. E Florianópolis decidiu
usar a inovação para ajudar no combate à pandemia. Uma das principais
iniciativas foi o rastreamento dos moradores. O serviço chamado de Covidômetro
permite que os habitantes da cidade façam check-in pelos lugares por onde
passam.
Uma vez cadastrado na plataforma, o cidadão aponta a câmera do celular
para um adesivo com QR Code instalado no transporte público ou em
estabelecimentos comerciais. Por meio do cruzamento de dados com a vigilância
sanitária, o morador é avisado, por SMS, se a área tem uma alta, média ou baixa
concentração de casos. Caso a pessoa tenha passado por uma região com maior
incidência de covid, é orientada a fazer o exame para detecção do novo
coronavírus. Essas e outras iniciativas permitiram que a capital catarinense
tivesse um dos índices de letalidade mais baixos do país, de 0,79%.
A empresa encarregada pelo desenvolvimento da
tecnologia foi a Smart Tracking, também de Florianópolis. Com uma filial em
Portugal e outra nos Estados Unidos, a startup deve crescer 600% neste ano,
alcançando um faturamento de 4,5 milhões de reais. “Estamos criando empregos e
ajudando a cidade a lidar com a pandemia, o que é fundamental para a economia”,
diz Jucelha Carvalho, presidente da Smart Tracking. “Isso mostra quanto
Florianópolis acertou ao apostar em sua maior vocação.”
EDUCAÇÃO E IMÓVEIS
São Paulo tem o maior número de estudantes universitários do Brasil e o
mercado imobiliário mais dinâmico do país. E ambos estão se reinventando na
pandemia
Poucas cidades brasileiras foram tão afetadas pela pandemia como São
Paulo. Com mais de 400.000 infectados e 14.000 mortes até o fim de novembro, a
capital paulista enfrenta a segunda onda de transmissão de covid-19 e o
recrudescimento das regras de abertura da atividade econômica. Na segunda-feira
30 de novembro, o governo do estado de São Paulo colocou a capital e outras
regiões na chamada fase amarela da quarentena, que, entre outras medidas, reduz
a capacidade de atendimento do comércio de rua, shoppings e restaurantes a 40%
(antes era de 60%).
“Não há espaço para o discurso alarmista de que teremos novo lockdown nem
de que a pandemia acabou”, disse o prefeito reeleito Bruno Covas (PSDB). A
atual crise econômica, que já impôs o fechamento de 100.000 postos de trabalho no mercado formal, pode
ampliar o desemprego na maior cidade do país. Mas São Paulo também vem
testemunhando mudanças intensas em diversas frentes por causa da crise
sanitária.
Duas áreas são destacadas pelo ranking Melhores Cidades para Fazer
Negócios, da Urban Systems: educação e mercado imobiliário. Na cidade que
concentra o maior número de estudantes universitários do país e o mais dinâmico
mercado imobiliário do Brasil, 2020 foi um ano de aprendizados que devem
perdurar após a pandemia.
Universidades e faculdades na cidade concentram 15% das matrículas do
ensino superior do país. Com a pandemia, todas tiveram de adotar rapidamente o
ensino à distância — apenas 18% dos alunos estudavam remotamente antes da
covid-19. Com quase 10.000 alunos de graduação e pós-graduação, a escola de
negócios Insper teve de criar um modelo online em dez dias em março.
Desde então, a gestão do Insper acompanha diariamente as 140 aulas diárias
que a instituição oferece para monitorar o aprendizado dos alunos. “Descobrimos
problemas causados na pandemia e outros que existiam antes mesmo da
quarentena”, diz Marcos Lisboa, presidente da instituição. Apenas parte das
atividades voltou ao modelo presencial com a flexibilização das atividades do
setor de ensino em outubro.
Mesmo na pandemia, o Insper lançou um novo curso, o de direito, que há
dois anos vinha sendo planejado. Sem clareza de quando a rotina poderá ser
retomada, a escola avalia o que pode ser incorporado no pós-pandemia. “Há aulas
e atividades que precisam ser presenciais, pois a interação leva à inovação.
Mas há outras que permitem o ensino à distância sem prejuízo. Existe espaço
para um modelo híbrido na educação”, diz Lisboa.
Desafios semelhantes enfrenta o setor imobiliário, que sofreu um baque
forte nos primeiros meses da quarentena. Mas a adesão ao home office obrigou as
famílias a repensar o espaço doméstico, no qual era preciso comportar também
espaços para o trabalho remoto.
“Em setembro, vimos uma explosão na demanda residencial na capital. Dos imóveis
de luxo aos da classe média, o mercado está se movimentando”, diz Marcelo
Pessoa, presidente da Locke Engenharia, que começa 2021 com nove
empreendimentos em construção.
Em outubro, 5.542 novos imóveis foram comercializados, um aumento de 38%
em relação ao mesmo mês do ano anterior. Os juros em seu patamar mais baixo no
país têm incentivado o investimento no setor imobiliário da cidade, onde falta
moradia. Estima-se haver uma demanda de 200.000 novos domicílios para famílias
com renda de até 4.000 reais. Outras 150.000 unidades para aquelas com renda
superior a esse valor.
Por outro lado, as mudanças de comportamento geradas pela pandemia têm
afetado o mercado corporativo, no qual há escritórios sendo devolvidos e alta
taxa de vacância nas torres comerciais. “Há muitas inovações no espaço urbano
que devem sair da pandemia. Edifícios com estacionamentos vazios podem ser
direcionados para atividades mais produtivas e inovadoras”, diz Tomas Alvim,
coordenador do Laboratório Arq Futuro de Cidades do Insper. De um jeito ou de
outro, a cidade vai se adaptar.
Por Carla Aranha e Fabiane Stefano, na Revista Exame
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