Em todo o mundo democrático se celebra no dia 9 de
dezembro a luta contra o flagelo da corrupção, que vitima os povos de grande parte dos países
emergentes e subdesenvolvidos.
A corrupção é
um crime humanitário, se assim podemos chamá-lo, pois toda a sociedade é vítima
do desvio dos recursos escassos do Estado, praticado pelos governantes,
servidores e seus comparsas.
Ressalte-se um ponto importante. Não são apenas as milionárias propinas que
causam danos imensos à sociedade. O principal efeito da corrupção é o desperdício
completo dos recursos públicos alocados
para as atividades governamentais envolvidas no esquema. Para se ter uma ideia
desse desperdício, o relatório de dezembro de 2019 do Tribunal de Contas da União registrou
14 mil obras públicas paralisadas, abandonadas e irrecuperáveis, de um total de
30 mil financiadas com recursos federais. Praticamente a metade das obras
públicas no Brasil foi abandonada. Quantas delas se originam dos esquemas de corrupção? Provavelmente, todas. O
prejuízo foi calculado naquele ano em R$ 144 bilhões.
De uma obra com alocação de R$ 100 milhões, os políticos e servidores
envolvidos surrupiam, em geral, 10% do valor contratado. Mas o prejuízo para os
cofres públicos continua sendo de 100%, porque a obra respectiva nunca será
terminada, é abandonada ou é imprestável.
A corrupção é um mal
que devasta praticamente todos os recursos disponíveis para obras e serviços de
infraestrutura. E esses recursos em si são esquálidos - 8% do orçamento, na
medida em que os restantes 92% são desperdiçados no custeio da máquina pública,
nos nababescos proventos e aposentadorias do setor público e nas despesas com
os patéticos e disfuncionais serviços públicos.
Não bastasse essa corrupção crônica,
tivemos uma novidade em 2020: a apropriação criminosa por certos governadores,
senadores, deputados, prefeitos e vereadores dos recursos destinados à
importação de materiais e insumos para o combate à covid19. Não hesitaram um minuto
os nossos representantes na prática desse execrável delito, superfaturando o
preço de respiradores e de insumos, permitindo, em muitos casos, a importação
de material imprestável, inadequado, vencido e com outras mazelas. Não fosse
essa conduta abominável dos nossos homens públicos, muitas vidas poderiam ter
sido salvas nos primeiros meses da pandemia.
Por todas essas razões é que, apesar de a corrupção sistêmica ter sido cada vez mais exposta pela
Operação Lava Jato a partir de 2015, o Brasil não melhora a sua nota no ranking
mundial de percepção da corrupção,
produzido pela Transparência Internacional.
Dentre 180 países, estávamos na 106.a posição em 2018 e também em 2019. Ficamos
na companhia da Albânia, da Mongólia, da Costa do Marfim, da Argélia e da
Macedônia. Estão mais bem situados nessa degradante lista o Egito, o Peru, a
Tailândia, o Kosovo, o Panamá e a Bósnia.
A propósito, o relatório da Transparência Internacional sobre o Brasil
publicado no início de 2020 descreve a falta de qualquer implementação de
medidas anticorrupção pelo governo federal, prometidas durante a campanha
eleitoral de 2018. Já para o Congresso Nacional, esse relatório anotou as
infames Leis do Abuso de Autoridade e da Minirreforma Eleitoral - esta última
criou a obrigação do próprio Estado de pagar multas e honorários dos advogados
de políticos incursos em processos de corrupção. Inclui-se nesse melancólico relato da Transparência
Internacional a desidratação do Pacote Anticorrupção, nele incluído o jabuti do
"juiz de garantias", em boa hora abortado pelo ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Luiz Fux. Também o aparelhamento do Ministério Público Federal em
favor dos corruptos de todo o gênero, promovido pelo procurador-geral da
República, foi relatado em pormenores pela Transparência Internacional.
O Supremo Tribunal Federal também não foi poupado das severas críticas do
relatório, notadamente quanto às manobras para suspender as atividades do Coaf
e o envio dos processos-crime dos políticos corruptos não protegidos pelo foro
privilegiado para a alçada da Justiça Eleitoral. Outras medidas pró-corrupção e pró-corruptos foram
relatadas, todas visando, ao mesmo tempo, a esvaziar os trabalhos da Lava Jato.
Impressionante como nenhum dado positivo de combate à corrupção foi relatado pela
Transparência Internacional a crédito dos Poderes constituídos. Ao contrário,
2019 foi o que poderia ser chamado de "ano da leniência e do combate à Lava Jato".
O relatório da Transparência Internacional sobre 2020, infelizmente, não deverá
ser melhor: deve até piorar no tocante à conduta das autoridades
governamentais, do Congresso e do STF. Quanto a esta última instituição,
esperase que a presidência do ministro Luiz Fux reverta a triste história dos
últimos anos daquela Corte, restaurando a sua legitimidade perante o povo
brasileiro.
"2019 foi o que poderia ser chamado de 'ano da leniência e do combate à Lava
Jato "
Por Modesto Carvalhosa, em O Estado de S. Paulo
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