sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

A inépcia documentada

 


Desde o início da pandemia de covid-19, o Tribunal de Contas da União (TCU) tem produzido uma série de relatórios de acompanhamento das ações do governo federal para enfrentar a emergência sanitária e seus desdobramentos sociais e econômicos.

 

Ao lado dos registros da imprensa, dos anais do Congresso, dos livros já publicados e dos que ainda serão escritos, esses documentos do TCU constituem o registro histórico da mais absoluta inépcia do presidente Jair Bolsonaro para lidar com uma tragédia que já matou quase 190 mil de seus compatriotas.

A leitura atenta desses relatórios elaborados pela Corte de Contas não deixa dúvida de que, além da mais severa crise sanitária desde 1918, a Nação se vê às voltas com o mais despreparado presidente da República na história recente do País. Bolsonaro, logo de saída, desdenhou da gravidade da covid-19 - nada mais do que uma "gripezinha". O que se viu a partir de então foi um funesto desdobramento do misto de negação, arrogância e incompetência do presidente nas ações de seu governo para combater a pandemia.

No mais recente relatório de acompanhamento do TCU, divulgado há dias, o ministro Benjamin Zymler diz claramente que, ao analisar documentos e ações do governo federal, é incapaz de enxergar "um planejamento do Ministério da Saúde minimamente detalhado para o combate à pande- mia". Trata-se do quarto relatório elaborado pela Corte de Contas. O quarto. O mundo se aproxima do décimo mês de pandemia, com evidentes sinais de crescimento descontrolado do número de casos e mortes. E o Ministério da Saúde, no entendimento do ministro e de qualquer pessoa razoavelmente informada, ainda não foi capaz de elaborar um plano de combate à pandemia "minimamente detalhado".

Em julho, convém lembrar, o TCU já havia "sugerido" ao Ministério da Saúde algumas ações para "correção de rumos" no enfrentamento da pandemia (ver editorial A tragédia dentro da tragédia, publicado em 24/7/2020). Ao que tudo indica, no geral, foi ignorado.

Diante do absurdo que é a falta de um plano estruturado para lidar com a crise do novo coronavírus a esta altura dos acontecimentos, o ministro Zymler registrou o óbvio por escrito, asseverando que "o planejamento governamental é importante para a execução de qualquer política pública, mesmo aquelas relacionadas ao enfrentamento de uma situação de emergência". Seria de constranger qualquer governante minimamente cioso de suas responsabilidades, mas é de Bolsonaro que se trata.

O apequenamento do Ministério da Saúde e a gestão errática da crise sanitária após a demissão do ministro Luiz Henrique Mandetta resultam da abordagem mesquinha da pandemia por Bolsonaro, que a vê mais como uma oportunidade de fazer campanha política e inflamar seus apoiadores radicais do que como um gravíssimo problema de saúde pública a merecer a ação firme do presidente da República. Isto não está dito nos relatórios do TCU, mas é o que deles se depreende.

Caso Bolsonaro estivesse determinado no propósito de resguardar a saúde dos brasileiros, não haveria, por exemplo, milhões de kits de testes para covid-19 apodrecendo nos galpões do governo federal em Guarulhos. Cerca de 17 milhões dos 20 milhões de máscaras adquiridas pelo governo em março já teriam sido enviadas para hospitais e postos de saúde País afora. Tampouco faltariam sedativos fundamentais para a intubação dos pacientes mais graves. Por fim, não haveria descompasso entre a compra de milhões de seringas e agulhas e as tratativas para aquisição de vacinas para a população, como apontado pelo TCU no relatório mais recente.

Os relatórios do TCU deixam claro que os efeitos da pandemia poderiam ter sido bem menos graves caso o governo federal - em particular o Ministério da Saúde - exercesse o papel de coordenação dos esforços nacionais para enfrentamento da crise. Ao ignorar essa responsabilidade, deixa o País à própria sorte.

Ao menos o descaso está documentado.

Relatórios do TCU são o registro histórico da inépcia de Bolsonaro para lidar com pandemia.

O Estado de S. Paulo  


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