Pagamentos
feitos em contratos sem licitação são
alvos de TCU e Ministério
Público
Brasília -
Apesar da crônica falta de recursos para educação, pelo menos R$ 332 milhões de
dinheiro público que deveria ter sido aplicado na manutenção e desenvolvimento da educação
básica acabaram destinados a escritórios de advocacia contratados por
prefeituras em vários estados.
O TCU (Tribunal de Contas da União) já
identificou, em um conjunto de auditorias, pagamentos indevidos de honorários
que somam R$ 254,6 milhões. No entendimento da corte, o dinheiro deveria ter
sido destinado à educação básica, não a advogados.
Mais de cem tomadas de contas especiais foram instauradas para tentar reaver o
dinheiro, 68 somente neste mês - esses processos buscam mapear o destino dos
recursos para, no fim, tentar garantir seu uso na educação.
O valor apontado pelo TCU se
refere a gastos até 2018. A Folha apurou que pelo menos R$ 61 milhões da
educação básica se destinaram a advogados em 2019 e mais R$ 16 milhões até
setembro deste ano, o que eleva os honorários indevidos a R$ 332 milhões.
Um único escritório é responsável por mais da metade dessa bolada, R$ 188
milhões.
TCU, PGR (Procuradoria-Geral da
República) e decisões judiciais diversas, inclusive do STJ (Superior Tribunal
de Justiça) e do STF (Supremo Tribunal Federal), já sacramentaram o
entendimento de que os pagamentos são ilegais. Investigações apontam a existência
de fraude, em razão da
deliberada dispensa de licitação para
a contratação dos escritórios.
O caso teve início no final dos anos 90 e envolve as bilionárias cifras do
antigo Fundef, hoje Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), a principal fonte de
financiamento da educação no Brasil.
O Ministério Público Federal
moveu em 1999 ação apontando erro de cálculo do repasse das verbas do Fundef a estados e municípios, o que
levou à condenação da União, em caráter definitivo, 16 anos depois, em 2015.
De acordo com cálculo atualizado para 2017, o passivo devido a governos e
prefeituras chegava a R$ 95 bilhões. Já foram emitido s mais de R$ 9 bilhões em
precatórios (o reconhecimento oficial da dívida, pelo Estado) para pagamento.
Mesmo antes da condenação da União, municípios do Norte e Nordeste,
principalmente, firmaram contratos sem licitação com escritórios de advocacia para mover ações
paralelas à do Ministério Público,
embora baseadas nela, com vistas a receber a sua fatia. Na maioria foi
estabelecido como honorários advocatícios uma taxa de sucesso em torno de 20%
do valor a ser recebido.
Em outubro deste ano o TCU concluiu
uma mega- auditoria que durou dois anos e envolveu mais de 300 municípios de 12
estados brasileiros, 11 deles de Nordeste e Norte: Maranhão, Piauí, Ceará,
Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia, Pará,
Amazonas e Minas Gerais. O acórdão aprovado, relatado pelo ministro Walton
Alencar, fala em risco de desvio bilionário do dinheiro da educação.
Entre as principais irregularidades apontadas
está o direcionamento de verba da educação para atividade estranha à área -
"O pagamento de honorários de advogado com verbas constitucionalmente
gravadas com finalidade específica é ilegal, imoral e inconstitucional" -
e a dispensa de licitação,
situação só permitida em situações excepcionalíssimas, em que é inviável haver
concorrência pública.
A recomendação sempre foi para as prefeituras receberem as verbas por meio de
ações movidas pelo Ministério Público ou
por órgãos jurídicos próprios das cidades, sem gasto com honorários.
A fixação dos valores aos advogados também foi um ponto ressaltado, já que
estão bem acima da realidade das pequenas prefeituras e do preço de mercado, em
alguns casos superando em 2.000% os valores cobrados normalmente.
"Em uma estimativa conservadora, pequeno grupo de advogados poderá desviar
cerca de R$ 14 bilhões da totalidade dos recursos dos precatórios do
Fundef", escreveu Walton Alencar no acórdão.
Em outubro de 2018, o STJ decidiu que os recursos da educação básica não podem
remunerar escritórios de advocacia. Em janeiro do ano seguinte, o então
presidente do STF, ministro Dias Toffoli, suspendeu decisões que autorizavam
escritórios a receberem esses honorários. Depois, Toffoli atendeu a um recurso
do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e disse que sua
decisão não incluía execuções de ações individuais.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, contestou e lembrou em um agravo
em setembro que o plenário do STF j á decidiu serem inconstitucionais fatias do
fundo da educação para honorários. Essa posição é a mesma externada pela então
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, no final de 2018. Centenas de
pareceres, em casos individuais, foram proferidos pela PGR a favor da vedação
do dinheiro aos escritórios.
Mesmo assim, advogados continuam sendo beneficiários de fatias do Fundeb em
2019 e em 2020. É o que mostram dados reunidos pelo Conselho da Justiça Federal
e liberados pelo TCU num
painel para consulta pública.
Isso ocorre em razão de decisões de juízes e tribunais estaduais favoráveis aos
processos movidos pelas prefeituras em parceria com advogados.
Um único escritório, o João Azêdo e Brasileiro Sociedade de Advogados, foi
contratado por mais de cem municípios que têm direito a receber bilhões de
reais do Fundeb. O painel do TCU registra
pagamentos de honorários de R$ 188 milhões ao escritório, entre 2016 e 2020.
Tomadas de contas do TCU pedem
a devolução de parte desse dinheiro.
A Folha, o advogado João Ulisses Azêdo disse que os dados são
"falaciosos" e que se referem a precatórios expedidos, mas não
necessariamente pagos. "É a única coisa que vou dizer nas tomadas de
contas: não recebemos nada."
O Ceará é o estado que mais direcionou dinheiro do Fundeb a advogados, o TCU, em um total de quase R$ 100
milhões. Prefeitos firmaram um convênio com a Aprece, a associação de
municípios, que contratou a Smart Consultoria e Representações e a PGA
Assessoria Técnica Jurídica.
Essas duas empresas subcontrataram escritórios de advocacia, alguns ligados a
elas próprias, para moverem as ações em nome das prefeituras. Os honorários de
20% foram divididos entre os advogados (17%) e a Aprece (3%).
O relatório de auditoria do TCU aponta
o pagamento de "quantias verdadeiramente extravagantes", em
"forte agressão a princípios constitucionais básicos, como os da
razoabilidade e moralidade".
Destinatário de honorários de R$ 25 milhões, de acordo com o TCU, o advogado Zuellington Queiroga
Freire, que figura como sócio-proprietário da Smart Consultoria, afirmou apenas
que a o entendimento jurídico da época em que os pagamentos foram feitos não
apontava restrições.
O advogado Thales Catunda de Castro figura como beneficiário de R$ 7 milhões,
relativos a 16 precatórios. Ele disse que todo o dinheiro recebido foi regular,
autorizado pela Justiça, e condizente com o serviço prestado.
"Trabalhamos com total boa fé nesse processo, demoramos 14, 15 anos para
receber algum valor, pagos por meio de decisão judicial."
Thales afirma que as ações foram protocoladas em 2004 e que durante vários anos
não houve interpretação de que os precatórios estavam vinculados ao Fundeb,
mas, sim, representavam dívida devida aos municípios, sem ligação específica
com a educação.
Ele ressalta ainda que os valores recebidos foram justos porque se referem a um
grupo de advogados que trabalhou para dezenas de municípios por mais de 15 anos.
José Irineu de Carvalho, consultor econômico e financeiro da Aprece, afirmou
que o percentual da entidade foi retirado dos honorários dos advogados e que
mdo foi feito de forma legal, sendo que os primeiros questionamentos só
começaram a ocorrer 12 anos após o ingresso das ações. "Sem as ações, os
municípios não teriam recebido nada. Sem os advogados, não haveria os recursos."
Por Ranier Bragon e Vinicius Sassine, na Folha de S.
Paulo
- - - -
No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Coleção As mais belas lendas dos índios da Amazônia” e acesse os 24 livros da coleção. Ou clique aqui.
O autor:
No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Antônio Carlos dos Santos" e acesse dezenas de obras do autor. Ou clique aqui.
-----------
|
Clique aqui para saber mais. |
|
Click here to learn more. |
|
Para saber mais, clique aqui. |