Votação,
que afasta risco de apagão do governo, foi usada para aumentar poder de
parlamentares em emendas; texto vai à sanção
Após meses de
apreensão, o Congresso Nacional afastou o risco de apagão do governo ao aprovar
a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2021, mas usou a votação para
ampliar o poder do relator do Orçamento na destinação de recursos. O texto
final também busca retirar barreiras à execução de obras no ano que vem e
blinda 59 programas diferentes de qualquer tipo de bloqueio em caso de
frustração de receitas, o que pode dificultar a tarefa da equipe econômica na
gestão dos gastos.
A LDO precisava ser votada ainda este ano para evitar que o governo ficasse sem
base legal para executar todo tipo de gasto, inclusive pagamento de
aposentadorias, benefícios sociais e salários de servidores. É ela que permite
que a Economia execute o equivalente a 1/12 das despesas ao mês até que o
Orçamento seja aprovado - o que só deve ocorrer em 2021. Além das despesas
inadiáveis, o Legislativo liberou o governo para executar despesas apontadas
como prioridades e livres de bloqueios em 2021 antes da aprovação do Orçamento.
A LDO aprovada fixa a meta de resultado primário (ou seja, receitas com
arrecadação menos despesas antes do pagamento de juros) autorizando rombo de
até R$ 247 bilhões em 2021. Inicialmente, o governo mandou o texto com uma meta
flexível, que variava conforme a arrecadação, sob a justificativa de incerteza
diante dos efeitos do novo coronavírus na economia. No entanto, o Tribunal de Contas da União (TCU) alertou que a meta precisaria ser
fixa para não ferir a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF).
O rombo previsto para o ano que vem já inclui o gasto previsto com a campanha
de imunização da covid-19.
A meta flexível teria a vantagem de livrar a equipe econômica da obrigação de
fazer bloqueios no Orçamento para assegurar seu cumprimento. Agora, com a meta
fixa, essa missão volta ao script da atuação da Economia em 2021.
Restrições. O espaço para contingenciamentos, no entanto, está bastante
restrito. A LDO prevê para o ano que vem R$ 83,9 bilhões em despesas
discricionárias, que incluem custeio e investimentos e podem ser alvo da
tesourada. Por causa do aumento na inflação, o governo elevou para R$ 1.088 a
projeção de reajuste do salário mínimo no próximo ano, o que também tende a
pressionar as contas porque o piso é referência para pagamento de benefícios
sociais.
Além disso, o relator da LDO, senador Irajá Abreu (PSD-TO), blindou 59
programas de bloqueios, atendendo a um pedido de líderes partidários da Câmara
e do Senado. Os dispositivos podem ser vetados pelo presidente Jair Bolsonaro -
como ocorreu no ano passado, quando houve a mesma tentativa para os gastos de
2020. Os vetos foram, depois, derrubados pelo Legislativo, mas a pandemia e o
orçamento de guerra acabaram mudando completamente o cenário e as obrigações
fiscais do governo.
Entre as ações livres de cortes no próximo ano acrescentadas pelo relator estão
o programa habitacional Casa Verde Amarela, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
Básica (Fundeb) e o orçamento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa). O projeto encaminhado pelo Executivo também prevê algumas despesas
que não serão alvo de limitação, a maioria delas ligadas à área de defesa.
Em outra medida que dá poder ao Congresso, a LDO prevê que o relator do
Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC), poderá indicar a destinação
específica de uma fatia ainda a ser definida das despesas. Na prática, ele pode
cortar de um lugar e destinar para onde desejar. O expediente já foi usado
neste ano, quando o relator do Orçamento de 2020, deputado Domingos Neto
(PSD-CE), ficou responsável por definir o destino de R$ 30 bilhões, volume
maior que muitos ministérios.
O texto aprovado ontem permite que o relator e as comissões do Congresso
repassem recursos para programas e obras que não necessariamente são a
prioridade para o governo. Bittar é aliado do governo e também relator de
outras propostas de interesse do Palácio do Planalto e da equipe econômica,
como a PEC emergencial, que prevê gatilhos de contenção de gastos obrigatórios,
e o programa Casa Verde Amarela, que substitui o Minha Casa Minha Vida. Nos
bastidores, há a avaliação de que as emendas podem se tornar poder de barganha
em votações consideradas delicadas para o governo.
'Emendas sem carimbo'. O texto aprovado ainda autoriza as bancadas estaduais a
apresentarem emendas ao Orçamento para repasses diretos a prefeitos e governadores, possibilidade
atualmente prevista apenas para indicações individuais de deputados e senadores.
Batizada de "emenda sem carimbo", a transferência especial foi criada
pelo Congresso no ano passado. Somente em 2020, ano de eleições municipais, o
governo repassou um total de R$ 592,2 milhões em recursos diretos para
prefeitos e governadores. Esse tipo de transferência pode ser aplicado em
qualquer área e não há exigência legal de prestação de contas ao governo
federal, o que levanta críticas entre órgãos de controle. Até agora, por
exemplo, não houve um pente-fino sobre a aplicação desses valores. Com a
alteração na LDO, o volume deve aumentar ainda mais em 2021.
De acordo com o relator, senador Irajá Abreu (PSD-TO), o primeiro ano de
transferências especiais foi um "grande teste" e trouxe resultados
positivos para o País. A extensão do modelo para as emendas de bancada,
indicadas pelo conjunto de parlamentares de um mesmo Estado, vai beneficiar ainda
mais os redutos eleitorais, justificou. "Acho que assim nós iremos
contemplar todos os municípios, evitando que uma emenda de bancada, quando
alocada no orçamento da União e destinada a um Estado ou a vários mínimos, leve
dois anos para ser executada. O País e a população não podem esperar por tanto
tempo."
As alterações ainda passarão pelo crivo do presidente Jair Bolsonaro. Se houver
veto, os dispositivos poderão ser recuperados pelo Legislativo no futuro.
Restrição
R$ 83,9 bi é o valor que a LDO prevê para o ano que vem com despesas
discricionárias, que incluem custeio e investimentos e podem ser alvo de
eventuais contingenciamentos
Por Daniel Weterman Idiana Tomazelli, em O Estado de
S. Paulo
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