OS DIAS QUE VIRÃO
Risco Temer em nível máximo
Mercado terá hoje
dia de estresse agudo, porque tudo o que estava estabelecido no cenário, como
aprovação das reformas, cai em absoluta incerteza
Risco de queda de
Temer vai ao nível máximo. Há vários cenários possíveis para o desenrolar da
crise que estourou ontem com a divulgação das informações, apuradas pelo
jornalista Lauro Jardim, de que o empresário Joesley Batista gravou o próprio
presidente Michel Temer em diálogo suspeito. Um deles é o da renúncia do
presidente, outro é o de que o julgamento no TSE mude de tendência e casse toda
a chapa. A governabilidade como argumento para separar a chapa não se sustenta.
Uma gravação com a
voz do presidente em ato que pode ser entendido como obstrução de Justiça,
confirmada, tornaria mais fortes as evidências contra Temer do que até contra
os ex-presidentes Dilma e Lula. As revelações atingem em cheio também o PSDB
com a conversa entre Joesley e o senador Aécio Neves.
A JBS começou a ser
cercada por uma série de investigações em diversas áreas. As operações Sepsis,
Greenfield, Bullish apuravam dúvidas em relação aos negócios do grupo durante
os governos Lula e Dilma. Há claras suspeitas sobre os empréstimos concedidos
pelo FIFGTS, com a influência do então vice-presidente da Caixa, Fábio Cleto,
para a Eldorado, a empresa de celulose do grupo. Estão sendo investigadas as
relações entre a JBS e os fundos de pensão. Há relatórios do TCU e perícia da
Polícia Federal sustentando a Operação Bullish que investiga supostos
favorecimentos no BNDES.
Cercado de
evidências das relações promíscuas e nebulosas entre as empresas do grupo e os
órgão do governo, o grande temor do empresário Joesley Batista era acordar uma
madrugada com a ordem de prisão e sua casa invadida. Na semana passada, a
Bullish chegou a propor isso, e o juiz não concedeu. Joesley disse a
interlocutores que, diante do risco, ele estava com investimentos no Brasil em
compasso de espera.
O mercado hoje terá
um dia de estresse agudo, porque tudo o que estava estabelecido no cenário,
como a aprovação das reformas, cai em absoluta incerteza. O Brasil está diante
do risco de ter uma segunda queda de presidente num mesmo período, a chamada
dupla vacância. Isso leva a uma eleição indireta pelo Congresso, sem que as
regras para esta escolha tenham sido definidas.
MÍRIAM LEITÃO
Quem anda com porcos farelo come...
PSDB e PT, forjados
na luta contra a ditadura e na defesa de valores sociais e éticos, ao chegarem
ao poder, a partir de 2002, aliaramse a esta ratatuia
Corrupção, a
tragédia de uma geração. Eduardo Cunha sempre foi um salteador dos cofres
públicos. Duvideodó que alguém que milite no andar de cima da política
brasileira não soubesse desta verdade desde 2003, quando ele assumiu o primeiro
mandato de deputado federal. Portanto, quem acoitou Cunha em Brasília — Temer
foi só um deles — vendeu sua alma a um capo de uma organização criminosa.
Nesse sentido, as
informações trazidas à tona pelo repórter Lauro Jardim são, ao mesmo tempo,
bombásticas — afinal, estamos falando de um presidente da República — mas não
chegam a surpreender, convenhamos. Pois é assim que esta gente do PMDB e de
outras legendas da mesma laia toca a política brasileira há tempos.
Só que o mais grave
disso tudo, acho, é saber que o PSDB e o PT, dois partidos forjados na luta
contra a ditadura e na defesa de valores sociais e éticos elevados, ao chegarem
ao poder, a partir de 2002, aliaram-se a esta ratatuia.
Sempre se pode
dizer, com certa dose de razão, que, sem esta aliança com os safados, não se
governa o Brasil. Mas o que era para ser “Presidencialismo de coalizão" —
expressão criada pelo sociólogo Sérgio Abranches para explicar o fato de o
sistema político lotear o governo entre vários partidos — virou, como disse
certa feita, o jornalista Roberto Pompeu de Toledo, “Presidencialismo de
safadeza”.
Só que a Lava-Jato
tem mostrado é que muitos caciques petistas e tucanos — não são todos, claro —,
no convívio com a gangue, aderiram à rapinagem.
Esta é, a meu ver,
a nossa tragédia maior. A tragédia de uma geração, ou, como dizem os versos de
Belchior, o músico que o Brasil perdeu dia desses, “Minha dor é perceber/Que
apesar de termos/Feito tudo, tudo, tudo o que fizemos/Nós ainda somos os mesmos
e vivemos/Como os nossos pais.”
ANCELMO GOIS
Turbulência no Planalto era prenúncio de bomba
Nos últimos dias,
Temer abriu saco de bondades, o que pode ter sido aposta para melhorar
popularidade ou iminência de denúncia
Temer já sabia que
seria vítima de um petardo. Há 15 dias, um sussurro começou a rondar a
Esplanada dos Ministérios: uma bomba cairia sobre o presidente Michel Temer.
Começou a surgir então todo o tipo de especulação, mas nenhuma na dimensão
relatada ontem pelo colunista Lauro Jardim.
Os primeiros sinais
de que algo de grave estava por acontecer vieram de alguns gabinetes do próprio
Supremo Tribunal Federal. Pareciam mais insinuações do que informações.
Cochichos aqui e acolá: reuniões permanentes entre a presidente do Supremo, a
ministra Cármen Lúcia, e o relator da LavaJato, Edson Fachin, quebravam a
rotina da Corte. Discretíssima, a presidente do STF permanecia, como é de seu
costume, fechada em copas. Como ninguém é de ferro, certo dia, ela deixou
escapar para um colega: “Não estou conseguindo dormir”. Nada mais foi dito,
nada mais foi-lhe perguntado. E, se fosse, Cármen Lúcia certamente não responderia.
Finalmente, na
última sexta-feira, um ministro de Estado desabafou que sabia que estava vindo
um petardo na direção do Palácio do Planalto e que, como o presidente da
República, que também já tinha conhecimento disso, desconhecia o conteúdo e de
onde viria essa bomba.
— Estamos tateando
no escuro — disse o ministro, acrescentando que o próprio presidente Temer não
tinha ainda a dimensão do estrago que isso causaria ao governo. Mas sabia que,
de pronto, poderia comprometer as votações da reforma em curso.
Um observador da
movimentação do governo reparou que o presidente Temer, nos últimos dias,
começou a investir pesado na conquista do apoio dos chamados setores
representativos da sociedade, anunciando sacos de bondades para diversos
setores produtivos. Especulava-se que, com isso, tentava sair do um dígito de
popularidade, mas, agora, com a revelação de Lauro Jardim, percebe-se que ele
já estava procurando boias no escuro, com a luz da lanterna dos afogados.
JORGE BASTOS MORENO
O governo Temer foi ao chão
Lava-Jato exibe o
fim de um ciclo do sistema político. Michel Temer era um presidente impopular,
com dois terços de rejeição do eleitorado, amparado por uma base parlamentar
majoritária, com fidelidade de até 80% em votações a favor do governo. O que
podia parecer sólido virou líquido às 19h30m de ontem, quando os repórteres
Lauro Jardim e Guilherme Amado revelaram na edição eletrônica do GLOBO a
informação de que o dono do grupo JBS havia documentado o presidente da
República em março — em pleno exercício do mandato — dando aval à compra do
silêncio de uma testemunha, Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos
Deputados, atualmente preso em Curitiba.
Desde então, a
Constituição passou a ser o segundo texto com maior audiência de leitura,
dentro e fora do Congresso. “Vagando os cargos de presidente e vice-presidente
da República”, diz o Artigo 81 da Carta, “far-se-á eleição noventa dias depois
de aberta a última vaga". Há dois parágrafos complementares. O primeiro
prevê: “Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a
eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo
Congresso Nacional, na forma da lei”. O segundo acrescenta: “Em qualquer dos
casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores”.
A liquefação
absoluta da política brasileira impede qualquer tipo de previsão. No entanto,
ontem à noite em Brasília, nenhum político brasileiro mostrou coragem em
defender a eleição indireta, caso se configure o crime de obstrução de justiça
aparentemente cometido pelo presidente dois meses atrás. Ao contrário,
convergiase para a aprovação de emenda convocando eleição direta em 90 dias, a
partir de uma eventual renúncia de Temer, algo que até assessores passaram a
considerar provável.
O Brasil acorda
hoje na seguinte situação: depois de 32 anos de redemocratização, tem cinco
ex-presidentes vivos (José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso,
Lula e Dilma), todos sob investigação. Dos quatro presidentes eleitos pelo voto
direto no período, dois foram depostos por impeachment. Temer já era um
presidente “sub judice", cuja permanência no poder seria decidida na
Justiça, a partir do próximo 6 de junho. Agora, ele pode ser investigado por
obstrução de justiça. A autorização depende do plenário do Supremo e poderá ser
pedida pela procuradoria-geral.
Já nem importa o
desfecho da crise. A LavaJato exibe o fim de um ciclo do sistema político e
eleitoral brasileiro. Novidade relevante é que, desta vez, ninguém foi visto
batendo na porta dos quartéis.
JOSÉ CASADO
Aumenta o preço da recuperação
Recuperação da
economia terá preço mais alto. Diante de acontecimentos inesperados e
bombásticos como a revelação do envolvimento direto do presidente Michel Temer
em esquema de propina para calar o exdeputado Eduardo Cunha, é natural que só
se possa especular a respeito de seus impactos sobre a evolução da economia.
Essas especulações levam a dois cenários: num deles, ocorre substituição de
Temer; no outro, o presidente tenta resistir no cargo.
Se prevalecer a
primeira hipótese, cresce o risco de que as reformas estruturais em curso
percam timing e se arrastem até o encontro de uma solução institucional mínima
para o vazio que se estabeleceria, aumentando o preço da recuperação. Na outra
possibilidade, aumentaria muito o custo pago — já alto — para manter o apoio
parlamentar ao governo, sob a forma da abertura de mais torneiras de dinheiro
público, exceções e privilégios para grupos de interesse.
Em qualquer dessas
situações, a economia, ainda fragilizada, sentiria os abalos do terremoto
político com epicentro no Palácio do Planalto e passaria por solavancos que, no
curto prazo, tenderiam a dificultar ainda mais o esboço de recuperação que vem
se exibindo. Investidores poderiam se assustar, o que se refletiria em
movimentos de baixa nos pregões da Bolsa e altas nas cotações do dólar, com
pressões adversas sobre preços e dívidas.
No médio prazo, a
tendência é a de acomodação, talvez com níveis de atividade econômica um pouco
mais baixos do que o projetado. É preciso lembrar que, fora sua influência nas
expectativas, e apesar do clima de “tudo ou nada” que muitos tentaram fazer
prevalecer, os benefícios concretos das reformas jamais seriam imediatos.
Também não é certo
que essas expectativas estivessem, de fato, na base dos fundamentos do
despencamento da inflação e da corrida para baixa da taxa básica de juros —
estes, sim, vetores importantes na construção de um ambiente mais favorável à
recuperação da economia.
Claro que as
expectativas têm o seu papel, mas o que está operando, preponderantemente, para
que inflação e juros mostrem comportamento favorável é a recessão econômica
ainda profunda, a ausência de choques de oferta, principalmente em alimentos, e
o encerramento do processo de ajuste dos preços. Isso não deve mudar, qualquer
que seja o desfecho da crise.
JOSÉ PAULO KUPFER
Fora da Constituição, nada!
Há na Constituição
dois artigos que se aplicam à situação que o presidente Michel Temer começou a
viver desde o início da noite de ontem: se ele renunciar, o Congresso elegerá
em 30 dias um novo presidente (artigo 81, inciso 1). Do contrário, ele poderá
responder a processo de impeachment, se assim quiser o Congresso (artigo 85,
incisos 2 e 5).
Nos dois casos, o
sucessor de Temer deverá ser brasileiro nato, com 35 anos ou mais de idade. Uma
vez eleito, o novo presidente completará o mandato que já foi de Dilma e que
caiu no colo de Temer. Pelo voto direto, em outubro do próximo ano, os
brasileiros elegeriam o próximo presidente para um mandato de quatro anos.
É o que diz a
Constituição. Mas não há nada nela que impeça o Congresso de emendá-la e
convocar eleições diretas para a escolha do substituto de Temer. Deputados
começaram ontem mesmo a se debruçar sobre a Proposta de Emenda à Constituição
apresentada por Miro Teixeira (Rede-RJ). Ela prevê eleições diretas.
Ninguém se
arriscava no Congresso, Palácio do Planalto e sede dos tribunais superiores a
prever o que deverá acontecer. Como reagirá hoje o mercado financeiro? Como
reagirão as redes sociais? E o que mais se teme: o ronco das ruas se fará
ouvir? Somente uma coisa parecia certa: Temer perdeu as mínimas condições para
continuar no cargo.
Como um presidente
de rala popularidade como a dele conseguirá se arrastar pelos próximos 17 meses
depois de ser acusado de crime de responsabilidade? Porque é disso que se
trata. Se pedaladas fiscais derrubaram Dilma, por que Temer não cairá se
pedalou a moral, os bons costumes e a probidade administrativa?
Comprometido com
uma agenda de reformas impopulares que enfrentam forte resistência no Congresso
e fora dele, como Temer conseguirá que elas sejam aprovadas? No próximo dia 6
de junho, a impugnação da chapa Dilma-Temer que disputou e ganhou as eleições
de 2014 começará a ser julgada pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Até o início desta
semana, tudo indicava que a impugnação seria recusada por cinco votos contra
dois. A gravação da conversa de Temer com o dono do grupo JBS poderá influir no
resultado do julgamento. Talvez se encontre aí a saída menos traumática para a
crise política que se agrava. Uma vez impugnada a chapa, Temer renunciaria em
sinal de respeito à Justiça.
Terá grandeza para
isso? Ou será forçado a renunciar antes?
RICARDO NOBLAT
O Globo
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