Cerca de 4 mil indígenas de diferentes estados brasileiros
percorreram os dois lados da Esplanada dos Ministérios na última semana para
protestar contra a redução dos direitos dos povos, considerada por eles “a mais
grave e iminente ofensiva” dos últimos 30 anos. Planejado desde o início pelas
lideranças, em acordo com a Polícia Militar, a manifestação não registrou
nenhum incidente nas duas horas e meia de duração.
Durante o ato, os indígenas recusaram um convite para
participar de um encontro com representantes do governo federal, preferindo
apenas protocolar, na entrada de alguns ministérios, o documento final do
Acampamento Terra Livre, que está em sua 14ª edição. O texto contém um tom mais
político e de “denúncia” do que simplesmente elencar as reivindicações e
conclama, por exemplo, à “sociedade brasileira e à comunidade internacional”
para que se unam à luta dos povos originários pela defesa dos territórios tradicionais.
Com roupas típicas, faixas e entoando cânticos, os
manifestantes se dirigiram ao Congresso Nacional ocupando as seis faixas do
Eixo Monumental do lado da Catedral de Brasília. A primeira parada foi em
frente ao Palácio Itamaraty, ao lado do Ministério da Saúde, onde foi
protocolada uma das cópias do documento. Próximo ao gramado do Congresso, duas
grades de metal separavam os indígenas do acesso ao prédio onde ficam os
parlamentares.
Recado aos Três Poderes
Com recados aos Três Poderes, o texto cita o governo do
presidente Michel Temer que, segundo os signatários, tem promovido “graves
medidas para desmantelar as políticas públicas voltadas a atender nossos
povos”. A identificação, demarcação e proteção das terras indígenas continua
sendo uma das principais bandeiras, ao lado da melhoria dos sistemas de saúde e
educação dos indígenas. O sucateamento da Fundação Nacional do Índio (Funai)
também é criticado, assim como as “nomeações de notórios inimigos dos povos
indígenas para cargos de confiança”.
Ao Legislativo, o texto registra “repúdio” a medidas
violadoras de direitos que têm tramitado na Câmara e no Senado “sem qualquer
consulta ou debate junto a nossas instâncias representativas”. As seguintes
propostas e projetos de lei são rechaçadas: Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) 215/2000, que transmite ao Congresso Nacional o poder de demarcar terras
indígenas, PEC 187/2016, que permite atividades agropecuárias em territórios
indígenas, Projeto de Lei (PL) 1.610/1996, que trata da exploração de recursos
minerais em terras das comunidades, e o PL 3.729/2004, que regulamenta o
impacto ambiental de obras que degradam o meio ambiente.
A tese do marco temporal é a principal preocupação dos
povos indígenas no Judiciário. De acordo com a interpretação jurídica, as
terras tradicionais só poderiam ser consideradas como tal se estivessem sob
posse indígena quando a Constituição foi promulgada em 1988. O documento
classifica a tese de “nefasta” e diz que, se adotada, irá “aniquilar nosso
direito originário às terras tradicionais”, além de validar o “grave histórico”
de perseguição, matança e invasão dos territórios. No texto, os indígenas
também condenam decisões jurídicas que anulam terras “já consolidadas e
demarcadas definitivamente”.
Cem povos indígenas de diversas etnias estavam
representados na capital federal desde segunda-feira (24). “Denunciamos a mais
grave e iminente ofensiva aos direitos dos povos indígenas desde a Constituição
Federal de 1988, orquestrada pelos três Poderes da República em conluio com as
oligarquias econômicas nacionais e internacionais, com o objetivo de usurpar e
explorar nossos territórios tradicionais e destruir os bens naturais,
essenciais para a preservação da vida e o bem-estar da humanidade, bem como
devastar o patrimônio sociocultural que milenarmente preservamos”, diz trecho
do documento.
Protesto tranquilo
Diferentemente da última terça-feira (25), quando outra
marcha na Esplanada provocou conflitos entre policiais militares e indígenas, o
protesto desta tarde foi tranquilo. No gramado central do Congresso, enquanto
aguardavam o retorno de algumas lideranças do Ministério da Justiça, as
diferentes comunidades aproveitaram o tempo para se confraternizar.
De braços dados, cantando e batendo os pés no chão, os
indígenas corriam de um lado para outro e pediam a demarcação dos seus
territórios. O retorno ao acampamento, no Teatro Nacional, também foi marcado
por diferentes cânticos indígenas. Do carro de som, lideranças se revesavam
puxando músicas e gritos de guerra como “Demarcação Já”, “Diga ao Povo que
Avance”, e “Pisa Ligeiro, Quem Não Pode com a Formiga, Não Assanha o
Formigueiro!”.
Além dos ministérios da Educação e Saúde, os indígenas
protocolaram o documento no Palácio do Planalto. Diferentes comissões também
foram recebidas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber, Dias
Toffoli, Marco Aurélio Mello e Luís Roberto Barroso. Em encontro nessa
quarta-feira (26), a presidente do STF, Cármen Lúcia, prometeu retomar o
julgamento de uma ação contra a mineradora Vale . No Palácio da Justiça, uma reunião que estava marcada com o
ministro Osmar Serraglio e o chefe da Casa Civil, ministro Eliseu Padilha, foi
negada pelos indígenas.
“No atual momento, nós aceitarmos um pedido de audiência,
é legitimarmos tudo que eles estão fazendo contra nós: a criminalização de
nossas lideranças e o genocídio que vem acontecendo com nossos povos. Nós
tirarmos uma foto com eles, nos sentarmos, tomar um café, beber uma água e eles
não atenderem nossos objetivos, dizer nos receberam e que está tudo bem?
Preferimos simplesmente só protocolar o documento e sairmos”, explicou Kretã
Kaingang, do Paraná.
Novos protestos
De acordo com as lideranças, não há um prazo específico
para resposta às reivindicações, mas a necessidade dos povos indígenas é para
que sejam cumpridas o mais rápido possível. Ana Terra Yawalapiti, que mora no
Alto Xingu, não descartou o retorno dos indígenas a Brasília caso os pleitos
não sejam cumpridos.
“Nós vamos voltar. A gente vai cobrar e viremos fora da
época [anual] do Acampamento Terra Livre para fazer nossos protestos. Senão
nunca teremos resultados. Eu não vou parar [de reivindicar] enquanto eles não
derem nenhum sinal de resposta para nós”, disse a liderança, após protocolar o
documento.
Para o coordenador-geral do Movimento Unido dos Povos e
Organizações Indígenas da Bahia, Kâhu-Pataxó, a mobilização dessa vez foi mais
bem organizada porque, durante as negociações, houve entendimento das
diferentes etnias indígenas.
“Foi muito tranquilo, conseguimos fazer um diálogo muito
bom com a polícia. As dificuldades que a gente sempre tem é porque não estamos
trabalhando com índios, estamos falando com povos indígenas. Então precisa-se
de fato discutir muito bem algumas coisas com o pessoal para estar claro para
as lideranças na hora de fazer a movimentação. A variedade de cultura e modos
de organização é bem diferente. O que você acha que para o seu povo é uma coisa
comum, para outro não é. É algo que se torna até uma questão de dogma para
aquela etnia. Então temos que sempre ter muito cuidado porque vivemos num país
pluriétnico”, disse.
Por Paulo Victor
Chagas, da Agência Brasil
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