Delações mostram
que nove dos 12 estádios construídos ou reformados para 2014 foram alvo de
criminosos
A Operação Lava
Jato também chegou às arenas construídas ou reformadas para a Copa do Mundo de
2014. Delações de ex-executivos das construtoras Odebrecht, divulgadas
recentemente, e da Andrade Gutierrez citam nove dos 12 estádios utilizados como
“palco’’ de crimes como cartel, pagamento de propinas e também caixa 2. Apenas
os particulares BeiraRio e Arena da Baixada se “salvaram’’. A Arena Pantanal
não foi mencionada nessas delações, mas também já foi alvo de denúncias.
A corrupção rendeu
aos acusados de ter se beneficiado de tal filão, políticos e autoridades, pelo
menos R$120,9 milhões. O cálculo é bastante conservador. Foi feito com base em
quantias e porcentagens citados em depoimentos - várias menções não vieram
seguidas de cifras.
O valor pode ser até
considerado pequeno diante dos R$ 8,3 bilhões que custaram as arenas, de acordo
com a versão final da Matriz de Responsabilidades e, principalmente, do oceano
de dinheiro roubado em outras ações ilegais desvendadas pela Lava Jato.
Confirma, porém, que corruptos e corruptores não perdem oportunidade.
“Parafraseando Milton Nascimento (compositor), o corrupto vai aonde o dinheiro
está. E, por ocasião da Copa, estava nas arenas e nas obras de mobilidade
necessárias para o evento’’, diz Gil Castelo Branco, secretário-geral da ONG
Contas Abertas.
Palco da final do
Mundial, o Maracanã é o campeão da Copa da propina. De acordo com relatos
feitos pelo ex-presidente da Construtora Odebrecht, Benedito Barbosa Junior, ao
Ministério Público Federal, só o ex-governador do Rio Sergio Cabral recebeu R$
6,3 milhões em pagamentos ilegais relacionados às obras. Procurada, a defesa de
Cabral, preso desde novembro em Bangu acusado de vários crimes, disse que “a
nossa manifestação está sendo somente nos autos do processo penal’’.
Outra acusação
atinge o presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio, Jonas Lopes.
Segundo o ex-diretor da Odebrecht Leandro Azevedo, Lopes teria recebido R$ 1
milhão em fevereiro de 2014 para aprovar o edital de concessão do Maracanã. O
acordo seria de R$ 4 milhões, mas as outras três parcelas não foram pagas
porque estourou a Lava Jato. Ao Estado, a defesa de Lopes e de seu filho, Jonas
Lopes de Carvalho Neto (a quem o repasse teria sido entregue), disse que ambos
“celebraram acordo de cooperação junto ao Ministério Público Federal e, sob os
termos desse acordo e suas nuances, estão legalmente impedidos de realizar
quaisquer comentários’’.
Dois
ex-governadores do Amazonas, atuais senadores, Eduardo Braga (PMDB) e Omar Aziz
(PSD) foram acusados de recebimento de propinas por dois ex-executivos da
Andrade Gutierrez. Clóvis Primo e Rogério Nora de Sá disseram que a Braga foram
destinados 10% do valor da obra (saiu por R$ 660,5 milhões) e a Aziz, 5%.
Ambos negaram, por
meio de nota. “A delação é mentirosa. Esclareço mais uma vez que não participei
da gestão de nenhum obra para a Copa de 2014. Sai do governo do Estado em março
de 2010’’, afirmou Braga. Aziz garantiu que resistiu a pressão da AG por
aditivos na obra da arena e que o governo “seguiu rigorosamente os valores
orientados pelos órgãos de controle e fiscalização’’. “Ninguém tem mais
interesse do que eu na conclusão deste inquérito.’’
Outro senador,
Agripino Maia (DEM-RN), teve inquérito para investigá-lo autorizado pelo
ministro Luis Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), por suspeita
de ter recebido propina para ajudar na liberação de recursos do BNDES para a
Arena das Dunas, em Natal. Maia, presidente do Democratas, rebate: “Tenho
certeza de que as investigações vão terminar pela conclusão óbvia: que força
teria eu, líder da oposição na época, para liberar dinheiro do BNDES, cidadela
impenetrável do PT?’’
As construtoras
reiteram que estão colaborando com a Justiça para o esclarecimento dos fatos.
“A Odebrecht já reconheceu seus erros, pediu desculpas públicas, assinou
acordos de leniência... e está comprometida a combater e a não tolerar a
corrupção’’, pontuou a Odebrecht, por meio de nota. “A Andrade Gutierrez
informa que segue colaborando com as investigações e reforça seu compromisso
público de esclarecer e corrigir todos os fatos irregulares ocorridos no
passado.’’/COLABOROU MARCIO DOLZAN
PARA LEMBRAR
Teixeira prometeu estádios privados
Em 2007, quando o
Brasil foi confirmado pela Fifa como sede do Mundial de 2014, o então
presidente da CBF, Ricardo Teixeira, encheu os pulmões: “A lógica de uma Copa
é, e deve ser, privada, com investidores privados assumindo os riscos e
disputando as oportunidades desse grande empreendimento”, disse, mirando
especialmente as arenas. A realidade foi totalmente oposta: apenas 16,9% dos R$
8,383 bilhões consumidos oficialmente com estádio vieram de Recursos Públicos.
O gasto com as
arenas, aliás, subiu com velocidade de foguete. O primeiro cálculo, advindo de
um levantamento técnico feito para Fifa e concluído em 30 de outubro de 2007,
foi de R$ 2,6 bilhões. Ainda não havia sido batido o martelo sobre o número de
sedes. Mas a conta final ficou 3 vezes maior.
Mané Garrincha, fonte inesgotável de propina
Segundo delações, Arruda recebeu repasses mesmo após
deixar governo e Agnelo pediu doações ao PT; exgovernadores negam
Estádio com
orçamento mais alto da Copa – oficialmente custou R$ 1.403,3 milhão, mas é voz
comum que pode ter saído por quase R$ 2 bilhões – o Mané Garrincha, em
Brasília, que se tornou o mais famoso elefante branco pósMundial, também teria
rendido dinheiro de propina a dois ex-governadores, de acordo com delatores
então vinculados à Andrade Gutierrez, que comandou as obras.
Clóvis Primo
relatou acordo feito em 2009 para pagamento de 1% do valor da obra a José
Roberto Arruda e que os repasses continuaram mesmo após ele ser afastado do
cargo. O advogado do ex-governador, Paulo Emílio Cata Preta, disse estranhar a
acusação, “uma vez que não houve execução financeira dessa obra no governo
Arruda. Estamos seguros de que não há qualquer hipótese de corroboração dessas
declarações.’’
Rogério Nora de Sá
disse que Agnelo Queiroz (2011 a 2014) pediu pagamentos para o PT e que não
havia valor determinado. “O exgovernador nega qualquer recebimento de doação da
campanha dele e para qualquer campanha de forma irregular’’, disse o advogado
Paulo Machado Guimarães. “E ele jamais autorizou quem quer que seja a receber
vantagem, doação ou contribuição ilícita’’.
Suspeitas rondam a construção da Arena Corinthians
Dois deputados federais, entre eles o expresidente do
clube Andrés Sanchez, são alvo de investigação no STF sobre recebimento de
propina
Construída ao custo
oficial de R$ 1.080 bilhão, a Arena Corinthians também está envolvida em
suspeitas de corrupção. Inquérito que tramita sob segredo de Justiça no Supremo
Tribunal Federal (STF) investiga “possível prática criminosa associada à
construção da Arena Corinthians” com base em delações de cinco executivos
ligados à Odebrecht, entre eles o dono da empresa, Emílio, e seu filho e
herdeiro, Marcelo. É apurado suposto recebimento ilegal por parte do
ex-presidente do clube e atual deputado federal, Andrés Sanchez (PT). Outro
inquérito, também no STF, investiga se o também deputado petista Vicente
Cândido teria recebido dinheiro para ajudar a destravar o financiamento do
estádio.
Não há detalhes da
investigação sobre Andrés, presidente do Corinthians entre 2007 e 2011. Mas há
a suspeita de ligação com a prisão, em março de 2016, do vice-presidente do
clube, André Luiz de Oliveira, o André Negão, depois que seu nome apareceu numa
planilha da Odebrecht sob o codinome ‘Timão’ e ao lado da palavra ‘Alface’. Ele
teria recebido R$ 500 mil em propinas, cujo destinatário seria Sanchez, para
sua campanha a deputado.
O advogado de
Andrés Sanchez, João dos Santos Gomes Filho, rebate. Diz que a construtora não
faz qualquer afirmação de pagamentos ao ex-presidente do Corinthians e que
André Negão, em depoimento à Polícia Federal - foi preso em flagrante por porte
ilegal de armas, durante a Operação Xepa, fase da Lava Jato - negou ter
solicitado ou recebido qualquer valor em nome ou a favor de Andrés.
“Nossa posição é de
que não há qualquer elemento probatório que sustente um nexo causal mínimo entre
o valor apontado (R$ 500 mil) e o seu suposto repasse ao deputado Andrés
Sanchez’’, disse Gomes Filho.
À época da
denúncia, Andrés, em conversa com a reportagem do Estado, afirmou: “Não é
verdade que houve propina na Arena Corinthians para mim ou quem quer que seja.
O Corinthians é vítima”.
Em relação a
Vicente Cândido, o inquérito apura se ele teria recebido R$ 50 mil para sua
campanha para, em troca, “buscar apoio parlamentar na busca de solução para o
financiamento do estádio do Corinthians’’. O depoimento foi de Alexandrino
Alencar, exdiretor da Odebrecht.
Cândido, que também
é diretor de relações internacionais da CBF, informou por meio de nota que
ainda não recebeu nenhuma notificação da Justiça (sobre o inquérito) e não teve
acesso aos autos do processo. “Vale ressaltar que os acusadores ainda precisarão
provar o que disseram. Neste sentido, tenho certeza de minha idoneidade e me
coloco a disposição para quaisquer esclarecimentos à justiça.’’
Em sua delação,
Marcelo Odebrecht disse que a construção da Arena Corinthians foi um pedido do
ex-presidente Lula a seu pai, Emílio, e que ele tocou a obra a contragosto.
“Teve um momento que tentei desistir”, afirmou. “Foi logo após saber que a
obra, que era para ser um estádio para 30 mil pessoas, virou um projeto para a
Copa... Você entra no atoleiro e não sabe como sair depois.”
CARTEL
Outro crime
envolvendo arenas da Copa foi o estabelecimento de cartel. De acordo com
exexecutivos da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, as empresas e consórcios que
executaram as obras do Mané Garrincha e das arenas Pernambuco, Castelão e Fonte
Nova foram decididas pelo cartel das construtores. O Mineirão só não entrou no
“pacote’’ porque, depois de acertado que a reforma seria feita pela Andrade, o
projeto foi transformado em PPP. Há um inquérito administrativo no Cade sobre a
denúncia e alguns depoentes teriam colocado dúvida sobre a existência efetiva
do cartel.
TRÊS PERGUNTAS PARA GIL CASTELO BRANCO, SECRETÁRIO
GERAL DA ONG CONTAS ABERTAS
1. Qual o nível de surpresa em relação à corrupção
ligada aos estádios da Copa?
Era até previsível,
num país com a tradição de corrupção em obras públicas como o Brasil. A
surpresa foi termos descoberto que isso acontecia de forma sistematizada, com
um cartel extremamente organizado. Minha sensação é que onde se for pesquisar,
em obras públicas, vai se encontrar irregularidade.
2. Acredita ser possível recuperar parte desse
dinheiro?
Nós fomos enganados
diversas vezes. Desde o anúncio da Copa em que se dizia para a sociedade que as
obras seriam realizadas em sua maior parte com recursos privados. E não havia
necessidade que tivéssemos tantas sedes. Isso ampliado por interesses
políticos, o que gerou diversos elefantes brancos. Nesse sentido esse dinheiro
é irrecuperável porque em vez de se aplicar em áreas mais importantes, saúde,
educação, segurança pública, se aplicou na construção de equipamentos públicos
praticamente inúteis.
3. Também houve falha no controle desses gastos...
Ficou revelada a
absoluta falência dos sistemas de controle, porque nós tínhamos tribunais de
contas dos Estados, em alguns casos de município, como no Rio de janeiro,
controles internos dentro do executivo. Inúmeras outras entidades de controle,
como a CVM para empresas que tinham ações no mercado, o TCU. Ninguém foi capaz
de detectar a tempo essas irregularidades, essa corrupção deslavada.
Cartolas que organizaram a Copa também têm 'negócios'
investigados
Joseph Blatter, Jérôme Valcke e Marco Polo del Nero
estão entre os investigados
Jamil Chade,
correspondente em Genebra, O Estado de S.Paulo
As suspeitas de
corrupção e irregularidades envolvendo a Copa de 2014 no Brasil ultrapassam
fronteiras. A Fifa investiga o fato de o ex-presidente Joseph Blatter e o
exsecretário-geral Jérôme Valcke terem contratos para receber quase R$ 100
milhões em prêmios e bônus pela realização do último Mundial. A suspeita é de
que os pagamentos sejam ilegais e que possam se configurar como propinas.
Os contratos que
também estão sendo investigados pelo FBI e pela Justiça da Suíça apontam para
suspeitas relativas aos critérios estabelecidos para justificar os pagamentos.
O que surpreende a Fifa é que os valores foram autorizados em contratos
assinados pelos próprios beneficiários, sem qualquer consulta.
Blatter tinha
contratos de US$ 12 milhões por sua contribuição para realizar a Copa no
Brasil. Valcke recebeu mais US$ 10 milhões.
Valcke foi afastado
do futebol por dez anos depois de o Estado e outros nove jornais internacionais
revelarem que o francês fechou acordos para ficar com parte dos lucros da
revenda de ingressos para a Copa de 2014, num esquema com ágio de mais de 200%
nos valores das entradas e que teria envolvido mais de 2 milhões de euros (R$
8,6 milhões) apenas para o bolso dele.
As suspeitas também
pairam sobre a relação entre a Fifa e os dirigentes brasileiro. O relatório
paralelo preparado pelos senadores na CPI do Futebol aponta para suspeitas em
relação aos contratos da preparação do Brasil para a Copa do Mundo de 2014. O
centro das investigações é Comitê Organizador Local (COL), que foi presidido
por Ricardo Teixeira, José Maria Marin e, mais recentemente, por Marco Polo del
Nero.
No total, a Fifa
repassou ao COL, que sempre evitou ser fiscalizado pelo governo, US$ 453
milhões. “O sigilo bancário do COL revela uma série de pagamentos a empresas
que precisam ser melhor investigados, em função do histórico e das conexões
dessas empresas e seus acionistas com o COL, a CBF e seus dirigentes,
especialmente, quanto a eventuais ajustes, combinações ou qualquer outro
expediente voltado ao recebimento de vantagens indevidas decorrentes de
contratações direcionadas”, alertou o documento.
Por Almir Leite, em
O Estado de São Paulo