A operacionalização
dos pagamentos de propina do grupo J&F era de responsabilidade do executivo
Ricardo Saud, conforme delação dele próprio feita à Procuradoria-Geral da
República (PGR). Nas conversas com os procuradores, o executivo detalhou os
destinatários do dinheiro, a forma de entrega e juntou documentos na intenção
de corroborar o que dizia.
Em um dos vídeos
gravados pelos investigadores, ao falar dos pagamentos para partidos políticos
que apoiavam a chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer à Presidência da
República, em 2014, Saud diz: 'No final, nós vamos ter tratado com mais de 100
escritórios de advocacia, todas notas falsas.' O envolvimento dos escritórios é
detalhado em dezenas de páginas dos anexos da delação.
No anexo 25 da
delação, Saud explica a distribuição dos subornos dos esquemas do BNDES e dos
fundos de pensão. Segundo o ele, 'Joesley Batista atualizava [o ex-ministro]
Guido Mantega de tempos em tempos sobre o saldo das propinas que ambos
ajustaram, por conta da liberação de financiamentos para o Grupo J&F pelo
BNDES e pelos fundos PETROS e FUNCEF'.
Saud informou aos
procuradores que Mantega 'passou a utilizar as propinas em julho de 2014,
quando, em reuniões quase semanais com Joesley Batista, passou a determinar
como seriam feitos os pagamentos'. O destino do dinheiro, frisa o delator, na
maior parte das vezes foi para abastecer cofres de campanhas eleitorais.
A dissimulação do
dinheiro, afirmou Saud, era feita por meio de doações oficiais, entrega em
dinheiro vivo e também 'de forma oculta, por meio do pagamento, pelas empresas
do Grupo JF, de despesas de campanha contra notas fiscais avulsas emitidas por
terceiros, a exemplo de empresas de publicidade, gráficas e escritórios de
advocacia, o que permitia que as despesas não fossem declaradas'.
Ao longo da PET
7003, de seus anexos e apensos, os executivos da JBS citam diversos
escritórios, na condição de recebedores de propinas destinadas a políticos.
Procurados, todos negaram estar envolvidos o esquema.
Veja alguns
exemplos abaixo, com trechos da delação dos executivos da JBS e documentos
apresentados por eles:
'Pagamentos de R$
3.6 milhões a FERNANDO PIMENTEL enquanto Ministro do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio, através do Escritório Andrade, Antunes e Henrique Advogados, em
Belo Horizonte/MG;'
'Repasse mensal de
300 mil, enquanto Pimentel era Ministro do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio, de 06.08.2013 a 29.10.014, feito por meio do Escritório Andrade,
Antunes e Henrique Advogados, em Belo Horizonte/MG. O pagamento era feito
mensalmente pela EMPRESA contra nota fiscal emitida pelo referido escritório,
no valor de 300 mil, sem que o escritório prestasse qualquer serviço à
EMPRESA.'
*
'Deputado Federal
Gabriel Guimarães (PT/MG) - 200 mil em 03.09.2014, por meio do pagamento de
nota fiscal avulsa emitida por Andrade Antunes e Henriques Sociedade de
Advogados'
*
'O mesmo colaborador,
Ricardo Saud, relata, em seu Termo ele Depoimento n. 15, o pagamento, com o
propósito de ter os interesses do grupo empresarial J&F favorecidos no
âmbito do Ministério da Justiça, de vantagens indevidas a Marco Aurélio
Carvalho, por intermédio de contrato fictício celebrado com o seu próprio
escritório de advocacia.'
'Ricardo Saud
conheceu Marco Aurélio no ano de 2011. O mesmo se dizia muito próximo do então
Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, e que poderia ajudar muito em
demandas do grupo JF na área de atuação do Ministro. Com essa proposta foi
contratado o Escritório de Marco Aurélio, sem a devida prestação de serviços
advocatícios, sendo o pagamento efetuado através de notas de conteúdo e datas
ideologicamente falsos, sendo pago durante 18 meses, conforme planilha anexa. O
Advogado Marco Aurélio pediu prorrogação do contrato que não foi atendido pelo
grupo JF. O então Ministro José Eduardo Cardozo sempre atendeu com muita
cordialidade a JB e a RS, embora não seja possível identificar ato de ofício
específico em favor do grupo, como contrapartida aos valores pagos ao referido
escritório.'
*
'Jader Barbalho:
8,980 milhões Propina dissimulada como doação oficial: 1 milhão em 17.10.2014
para o PMDB (diretório estadual), carimbado para Jader; 1 milhão em 22.10.2014
para o PMDB (diretório estadual), carimbado para Jader.
Notas fiscais: 2
milhões em 02.09.2014 - CB Consultoria Empresarial (NF 046); 2 milhões em
09.09.2014- Henvil Transportes Ltda (NF 115); 2 milhões em 01.10.2014 - Bentes
e Bentes Advogados Associados (NF 0296)'
*
'Henrique Eduardo
Alves: 3 milhões Propina dissimulada como doação oficial: 1 milhão em
05.09.2014 para o PMDB Naciooal, carimbado para Henrique Eduardo Alves Notas
fiscais: 176 mil em 25.08.2014- Consultoria e Pesquisa Técnica Ltda. (NF 161};
380 mil em 26.08.2014 - IBOPE - Inteligência, Pesquisa e Consultoria (NF
14491}; 1 milhão em 27.08.2014 - Alves, Andrade e Oliveira Advogados (NF 1579);
380 mil em 15.10.2014 - Consultoria e Pesquisa Técnica Ltda. (NF 14545).'
*
'PROS: 10,5 milhões
Edinho Silva
orientou Eurípedes Júnior, então presidente do partido, a procurar Ricardo
Saud. Ricardo Saud fez com ele, então, reunião em Brasília, na sede do PROS,
depois mais duas reuniões no Aeroporto de Brasília e finalmente uma última reunião
sede da J&F, para ajustar a forma de pagamento.
Eurípedes Júnior
sabia que o dinheiro advinha de corrupção porque fora enviado à JF pelo PT e
porque nunca discutiu com Ricardo Saud questões de plataforma política ou
ideológica.
Propina paga na
forma de doação oficial para o diretório nacional: 3 milhões em 03.10.2014.
Propina paga por
meio do pagamento de notas fiscais avulsas (doações não contabilizadas): 1,3
milhão em 04.09.2014 pagos à sociedade Advocacia Machado Filho (NF 510); 2
milhões em 04.09.2014 pagos à Holanda Videomaker Produtora (NF 152); 2,5
milhões em 10.09.2014 pagos à TPL3 Transportes e Logística (NFs 23 a 27); 1, 7
milhão em 10.09.2014 pagos à sociedade João Leite Advocacia (NF 202).'
*
'Nas eleições de
2014 para o governo do Estado do Rio Grande do Norte, Robson Faria tinha como
principal adversário Henrique Eduardo Alves, contra qual disputou, inclusive,
segundo turno. Em paralelo, seu filho, Fabio Faria, concorria à reeleição para
a Câmara dos Deputados.
Robson Faria e seu
filho, Deputado Federal Fabio Faria, procuraram JB no período da eleição, com
pedido de dinheiro, que alegavam ser para a campanha de Robson ao governo
potiguar e de Fabio a deputado federal. Robson e Fabio jantaram com JB em duas
ocasiões, uma das quais na própria residência ele JB, quando também estava
presente Ricardo Saud. Saud reciebeu Fabio, ademais, em seu escritório na
antiga sede da J&F, mais de cinco vezes.
No jantar ocorrido
na residência de JB, este e Saud negociaram o pagamento de cinco milhões com
Robson e Fabio, mas incluíram contrapartida: solicitaram a privatização da
companhia de água e esgoto do Estado do Rio Grande do Norte, bem como terem
conhecimento prévio do edital respectivo para que pudessem pedir alterações, conforme
suas vantagens competitivas. Robson e Fabio aquiesceram.
A prática do ato de
ofício não foi adiante porque o Grupo J&F perdeu o interesse na área de
água e esgoto. Os valores resultantes dessas tratativas não se confundem com os
que Robson Faria recebeu por determinação de Gilberto Kassab, conforme capítulo
anterior.
Propinas
Propina dissimulada
na forma de doação oficial: 1 milhão em 03.10.2014 ao PSD Nacional, carimbado
para Robson Faria; 1 milhão em 17.10.2014 ao PSD Nacional, carimbado para Robson
Faria.
Propina paga por
meio de _nota avulsa: 2 milhões em 09.09.2014, pagos à empresa E A Pereira
Comunicação Estratégica (NF 036) - despesa de campanha de Robson Faria.
Propina paga por
meio de dinheiro em espécie: 957.054,56, obtidos junto ao Supermercado Boa
Esperança, em Natal/RN, pagos a Fabio Faria, que buscou o dinheiro no
supermercado; e mais 1.982.2~04 entregue por André Gustavo a Fabio Faria; e;
1.200.000,00 Pagos através de Notas Frias emitidas pelo Escritório Erick
Pereira Advogados - NF 001?
*
'Vital do Rêgo: 6 milhões
Notas fiscais: 1
milhão em 02.09.2014 - Makplan Comunicação Ltda (NF 2525); 2 milhões em
02.09.2014 - Advocacia Rubens Ferreira (recibo 1/02); 2 milhões em 02.09.2014
-Advocacia Rubens Ferreira (recibo 2/02)'
Outros lados
Procurado, o
advogado Marco Aurélio de Carvalho afirmou que: 'O depoimento do diretor é
absolutório. Não houve, e nem poderia haver, atribuição de qualquer conduta
ilícita ou ao menos inadequada. Creio que trata-se de engano que será
facilmente esclarecido. Houve e há farta prestação de serviços na área
tributária e consultiva. Com emissão de notas fiscais e recolhimento de
tributos. No mais, as despesas ressarcidas, bem como a existência de novas
ações judiciais em curso, comprovam a inequívoca prestação de serviços e a
lisura da Contratação, bem como a confiança em minhas qualidades éticas e
técnicas. A empresa é muito grande, fato pelo qual talvez o engano se
justifique. De toda sorte, sigo à disposição para todo e qualquer
esclarecimento'.
O ex-ministro da
Justiça Eduardo Cardozo declarou: 'Apesar de não ter sido acusado da pratica de
nenhum ato ilícito, Marco Aurélio Carvalho me mostrou a documentação da sua
prestação de serviços, para que não pairasse nenhuma dúvida sobre a sua atuação
profissional. E se eu já tinha antes a convicção da lisura do seu
comportamento, as provas são suficientes para atestar a sua mais absoluta
idoneidade e o equívoco da acusação, mesmo para quem não o conheça'.
O advogado João
Leite disse que, 'em relação ao contrato, sem sombra de dúvida o mesmo ocorreu,
e os serviços contratados foram executados da forma acordada. Já em relação de
que se tratava de dinheiro de corrupção, tomei conhecimento nesta oportunidade.
Coloco-me ao seu inteiro dispor para os esclarecimentos que julgar
necessários'.
O advogado Milton
Lopes Machado Filho disse que 'não estou sabendo de nada, só o que vi pela TV.
Tenho contato com casos trabalhistas e só'.
Os escritórios
Bentes e Bentes Advogados Associados; Alves, Andrade e Oliveira Advogados e Erick
Pereira Advogados foram procurados, mas não se posicionaram sobre o assunto.
Os representantes
dos escritórios Andrade, Antunes e Henrique Advogados e Advocacia Rubens
Ferreira não foram encontrados para comentar.
Quanto aos
políticos, o governador Fernando Pimentel (PT-MG) diz que está sendo 'acusado
mais uma vez de forma leviana e mentirosa. O acusador não apresenta provas para
sustentar sua versão. Eu não tenho e nunca tive, em tempo algum, qualquer
ligação com esse escritório de advocacia'.
O prefeito de
Araraquara Edinho Silva (PT-SP), coordenador da campanha presidencial de Dilma
Rousseff em 2014, disse que: 'esteve por diversas vezes com o empresário
Joesley Batista, e com Ricardo Saud, solicitando doações para a campanha, já
que essa era sua função, mas todas ocorreram de forma lícita, seguindo
rigorosamente a legislação eleitoral. Todas as doações estão declaradas ao
Tribunal Superior Eleitoral'.
O senador Jader
Barbalho (PMDB-PA) afirma: 'Jamais pedi ou autorizei qualquer partido ou pessoa
a pedir dinheiro para decidir meu voto, e desafio esse bandido internacional,
dono da JBS, a provar, de qualquer forma, que eu recebi algum dinheiro dele,
por doação oficial ou não'
Henrique Eduardo
Alves (PMDB-RN), por meio de seu advogado, nega as acusações e diz que 'todas
as doações de campanha foram declaradas à Justiça Eleitoral'.
O governador
Robinson Faria (PSD-RN) e o deputado federal Fábio Faria (PSD-RN) 'consideram
absurdas as declarações do delator que chama de propina contribuições
eleitorais lícitas, com o claro objetivo de se livrar de crimes graves
praticados'.
O ministro do TCU
Vital do Rêgo afirma que: 'em 2014, quando disputou o governo da Paraíba, Vital
do Rêgo recebeu doações legais do Grupo JBS. Elas estão na prestação de contas
já analisada e aprovada pela Justiça. O ministro Vital desconhece os fatos
narrados pelo delator e está à disposição das autoridades para os
esclarecimentos necessários'.
O ex-ministro da
Fazenda Guido Mantega e o deputado federal Gabriel Guimarães (PT-MG) não
responderam até a publicação desta reportagem.
Eurípedes Júnior,
presidente do PROS, não foi encontrado pela reportagem.
Por Laura Diniz
Luís Viviani Alexandre Leoratti - Jota/SP
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