Integrantes do
Judiciário e do Ministério Público representam 79,2% das autoridades com foro
especial por prerrogativa de função no País, segundo estudo realizado pela
Consultoria Legislativa do Senado. O documento aponta que cerca de 55 mil
autoridades têm o chamado foro privilegiado – dos quais 38,5 mil na esfera
federal e 16,5 mil na estadual. O tema tem sido motivo de embate entre o
Judiciário e o Congresso, que analisa proposta para acabar com a medida. Pela
regra atual, autoridades devem ser julgadas por instância superiores. O
presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDBCE), afirmou ontem que a proposta
que mantém o foro apenas para chefes dos Três Poderes será votada hoje.
A PEC foi aprovada
em primeiro turno por unanimidade no dia 27 de abril. Para o relator da
proposta na Casa, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), é “indiferente” saber
quais autoridades são mais beneficiadas com a prerrogativa. “A questão não é
quem tem mais o foro, se são os políticos ou o Judiciário, a questão é o fim do
foro”, disse. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB),
Jayme de Oliveira, defende o fim da prerrogativa para parlamentares, que são
julgados apenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas têm ressalvas sobre a
extinção do foro para membros do Judiciário, julgados por autoridades
superiores.
“Dentro da
estrutura do Judiciário, o juiz ser julgado por um superior já é algo bastante
rigoroso”, disse. Jayme afirmou que a AMB ainda não decidiu se vai apoiar ou
não a proposta que acaba com o foro por completo e que a instituição só deve se
posicionar quando a matéria seguir para a Câmara dos Deputados. “Nós sempre
defendemos o fim do foro privilegiado, que julga parlamentares, porque
entendemos que o Supremo deve ficar com as grandes questões.” Já o presidente
da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso, disse que
a entidade defende o fim do foro privilegiado para todos. “O grande problema
hoje é no STF, porque o Supremo está sobrecarregado com as ações penais por
prerrogativa de foro, basta ver as últimas delações.
Mas nós, da Ajufe,
votamos no sentido de que
termine para todos,
porque se vai acabar o privilégio para uns, por que manter para outros?”,
questionou. A opinião é a mesma do presidente da Associação Nacional dos Procuradores
da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti. “Não faz sentido nem o nosso,
nem o de ninguém. O foro tem que acabar por uma questão principiológica de que
todos são iguais perante a lei”, disse Robalinho.
‘Suruba selecionada’.
No ano passado, o
atual líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), disse ao Estado que o
fim do foro deveria ser para “todo mundo”, e não uma “suruba selecionada”. A
afirma- ção de Jucá – investigado na Operação Lava Jato – foi uma reação à
discussão, no Supremo Tribunal Federal (STF), de restringir o foro privilegiado
a apenas crimes cometidos no atual mandato de políticos. A Corte deve voltar ao
tema no dia 31. O relator do caso no STF, ministro Luís Roberto Barroso,
entende que, no caso de fatos que ocorreram antes do mandato, a competência
para julgamento seria da primeira instância da Justiça. Segundo o ministro,
existem na Corte aproximadamente 500 processos contra parlamentares, sendo 357
inquéritos e 103 ações penais.
Estados
O estudo do Senado
concluiu que “há uma grande assimetria de tratamento” e “algumas perplexidades”
em situações identificadas principalmente na Constituição Estadual. Enquanto o
Distrito Federal, por exemplo, atribui foro especial a apenas 22 autoridades,
na Bahia, no Rio de Janeiro e Piauí esse número chega, respectivamente, a
4.880, 3.194 e 2.773. “Apenas três Estados já promovem uma distorção enorme na
distribuição numérica, já que possuem, juntos 10.847, quase o dobro da
quantidade de agentes com prerrogativa de foro do que todas as demais 24
unidades da Federação somadas (5.712)”, afirma o texto. Os consultores destacam
que o número de pessoas com a prerrogativa no Brasil cresceu com a
possibilidade de as constituições estaduais atribuírem foro a autoridades que
não possuem essa prerrogativa, como vereadores e bombeiros.
Em cinco Estados,
comandantes da Polícia Militar e dos Bombeiros também têm prerrogativa de foro:
Amazonas (2); Minas Gerais (2); Pernambuco (1); Piauí (1); e Tocantins (1).
Para os responsáveis pela pesquisa, João Trindade Filho e Frederico Retes Lima,
o número de pessoas com a prerrogativa atualmente é “exorbitante”,
principalmente por causa da “atribuição generalizada de foro especial a
categorias inteiras”, citando o caso dos magistrados e membros do MP, que representam
mais da metade do total.
Os consultores
ponderam que o fato de mais autoridades possuírem foro não significa que haja
mais processos contra elas. Apesar de evitarem fazer juízo de valor sobre o
tema, eles dizem que, levando em conta números absolutos apresentados,
“dificilmente será encontrado ordenamento jurídico tão pródigo na distribuição
dessa prerrogativa a autoridades”.
Por Julia Lindner,
em O Estado de São Paulo
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