Intimidação e
insegurança
O governo Temer
impôs R$ 40 bilhões em novas multas às empresas protagonistas do caso
Lava-Jato. A iniciativa foi da AdvocaciaGeral da União, órgão de assessoria do
presidente da República.
As sanções têm um
efeito prático, a intimidação dos executivos que confessam ou pretendem revelar
seus crimes e parceiros políticos - acham procuradores federais e advogados
dessas empresas, num raro consenso.
O volume de
dinheiro cobrado pelo governo é suficiente para ameaçar a sobrevivência
financeira de Odebrecht, Camargo Correa, OAS, Queiroz Galvão, UTC e Engevix.
Numa comparação,
supera em quatro vezes o valor que a Odebrecht, a maior empreiteira, se
comprometeu a pagar, nos próximos 23 anos, no acordo com o Ministério Público
Federal do Brasil, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, e a
Procuradoria-Geral da Suíça.
Semana passada, o
governo apresentou à Justiça a sexta ação de improbidade contra esse grupo de
empresas, responsável por fraudes e corrupção em negócios da Petrobras
realizados nas administrações Lula e Dilma.
As sanções incluem
sete pessoas físicas, entre elas os principais dirigentes da Odebrecht e três
ex-diretores da empresa estatal, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco e Renato
Duque, que negocia uma delação premiada.
A Advocacia-Geral
da União justifica: 'A vontade da empresa é materializada pela vontade daquelas
pessoas físicas que tomam as decisões. A pessoa física é o fio condutor da
vontade da empresa'. Acrescenta: 'Neste contexto, os administradores também
devem responder pelas decisões que tomaram no comando.'
A argumentação
contém uma novidade. O governo aderiu à lógica de que entidades (privadas ou
públicas) devem ser tratadas como pessoas físicas, e seus dirigentes devem
responder pela condução da vontade da empresa, fundação ou autarquia. Se
aplicada à galáxia do setor público, pode revolucionar o manejo dos contratos
de compras governamentais.
Essencial, porém, é
a interferência política que pauta a silenciosa disputa de poder dentro do
Estado brasileiro pela influência no rumo do caso Lava-Jato. Ela nasceu dentro
do Palácio do Planalto há 20 meses.
Em novembro de
2015, Emilio Odebrecht levou ao governo Dilma o texto-base de uma Medida
Provisória que instituía o acordo de leniência sem colaboração dos executivos.
Desejava atenuar penas e perdas, oferecendo em troca a contenção de danos ao
governo e aos sócios políticos. Dilma assinou a MP 703, que acabou sepultada
pela reação pública.
Odebrecht, então,
se rendeu. Listou R$ 10 bilhões em subornos em 12 países. Destacou pagamentos
no Brasil a um terço dos ministros e senadores, metade dos governadores
estaduais e duas centenas de deputados, prefeitos e vereadores.
Agora, sob Temer,
assiste-se a um alinhamento de órgãos auxiliares do Executivo e do Legislativo
(Advocacia-Geral e Tribunal de Contas da União) em confronto com o Ministério
Público Federal, para pressionar empresas, cujos dirigentes encontram-se em confissão
e delação dos associados políticos.
Além de deixar réus
intimidados, esse conflito dentro do Estado produz insegurança sobre os acordos
de leniência já assinados no Brasil, na Suíça e nos Estados Unidos.
Por José Casado, em
O Globo
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A expressão latina “castigat mores ridendo” que, numa tradução livre poderia significar “rindo se corrige a moral” é uma locução que parece ter sido moldada para justificar a peça teatral “O juiz”.
No texto, o autor utiliza a comédia para desvelar a farsa em que acabou se constituindo o poder judiciário num país imaginário denominado Banânia que, evidentemente, nenhuma semelhança guarda com o Brasil de hoje e, muito menos, com a porção latina do continente americano.
A farsa, no teatro grego antigo, ao contrário do que muitos apregoam, não é uma forma dramática nova e sim uma variação da comédia. Apenas acentua as situações onde predominam o ridículo e o cômico, exatamente os eixos estruturantes sobre os quais Antônio Carlos desenvolveu a trama. Por sua vez, a palavra “comédia” é originária do grego “komoidia”, e seu sentido lato é folia, divertimento. A comédia grega está ligada ao inusitado, ao pitoresco, ao excêntrico. É franca e, mesmo, obscena. A confusão - de não poucos - é identificá-la tão somente com o sorriso fácil e a alegria despretensiosa. Porque pode despertar reações tão opostas como o desprezo e a arrogância.
A partir da idade média, com a Commedia dell’Arte, o gênero passou a se constituir no preferido dos artistas para conduzir a crítica política e social, de modo a manterem-se protegidos da censura e da repressão governamental.
Na peça “O juiz”, Antônio Carlos aborda questões latentes em autores como Aristóteles (Política), John Locke (Segundo Tratado do Governo Civil), e Montesquieu (O Espírito das Leis) e que alavancaram o estado moderno e a democracia contemporânea para denunciar – com muito humor e irreverência – a (i) propalada independência dos poderes, (ii) o sistema de freios e contrapesos e (iii) a nefasta prevalência do judiciário quando os demais poderes, executivo e legislativo, estão deliberadamente fragilizados. Uma das personagens da peça chega a se sublevar contra um dos principais ensinamentos de Rui Barbosa: “A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”.
Assim é que, na trama teatral, uma múmia ressuscita de seu milenar sarcófago para transformar um índio no presidente da mais alta corte judiciária do país. O terrível plano é instituir uma ‘república’ onde tão somente as corporações e os partidários do poder tenham vez. Nas palavras do presidente do Supremo Tribunal Nacional, o cacique indígena Morubixaba, um dos protagonistas da peça, “O império que estamos estruturando está acima de tudo e de todos. E aqui, no reino deste novo universo do trabalhadorismo, preside um juiz que potestade alguma poderá corromper, além, naturalmente, de todas as associações, sindicatos, corporações, grupos de interesses e organizações civis, políticas e populares comprometidos com os altos interesses de nosso projeto ideológico popular-progressista-desenvolvimentista, a mais nova vertente do messianismo sebastianista”.
Fatos e episódios ridículos e burlescos são enfocados desnudando a história das autoridades caudilhescas do continente. Cenas e quadros - de intenso humor e fina ironia – personificam a essência da sátira, num jogo dramático que corrobora a tese de que a melhor maneira de modificar a realidade é revelar o quanto ela é absurda, kafkiana, e rir, gargalhar, divertir-se com a situação, pois que, assim, os costumes políticos e sociais estarão sendo ‘castigados’.
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