Logo após assumir
a presidência da Câmara dos Deputados, em 2005, Severino Cavalcanti (PP-PE)
cobrou da então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, a indicação de um
nome escolhido por ele para uma diretoria da Petrobras. E especificou: queria a
'que fura poço e acha petróleo', a poderosa diretoria de Exploração e Produção,
a mais importante da estatal quando se trata dos seus investimentos.
A frase entrou para o
folclore da política brasileira uma década antes de a Operação Lava-Jato
detonar um escândalo de corrupção justamente a partir de uma diretoria ocupada
por um indicado do PP de Cavalcanti, o mesmo partido do atual presidente da
Câmara, Arthur Lira (AL).
Sob constante pressão dos
políticos, executivos que atuam ou já atuaram na Petrobras não têm dúvidas:
parlamentares e governantes continuam empenhados em tentar influenciar os
investimentos bilionários da maior estatal brasileira.
Alta rotatividade: veja os
presidentes da Petrobras no governo Bolsonaro
1 de 5
Roberto Castello Branco:
Demitido em fevereiro de 2021, após o quarto aumento de combustíveis
2 de 5
Joaquim Silva e Luna:
Demitido em março. Mesmo com reajustes mais esporádicos, desagradou ao cumprir
política de preços
3 de 5
José Mauro Coelho: renunciou
após forte pressão do presidente e do Congresso. Ele havia sido demitido após
40 dias
4 de 5
Fernando Borges: diretor de
Produção Diretor de Exploração e Produção foi nomeado interino até aprovação do
indicado
5 de 5
Caio Paes de Andrade:
Secretário de Desburocratização de Guedes foi aprovado pelo Conselho por 7 a 3
Nos últimos dias, O GLOBO
ouviu ex-dirigentes e atuais integrantes do alto escalão da Petrobras, que
aceitaram conversar sobre a ingerência política na estatal sob anonimato.
O diagnóstico comum é o de
que, por trás do alegado interesse de evitar que preços de combustíveis subam,
políticos pretendem ampliar a influência na empresa e recuperar espaços
perdidos após a Lei das Estatais - marco legal que instituiu, em 2016, regras
de controle para evitar ingerência política em empresas públicas - e o reforço
da governança interna, resultantes da Lava-Jato.
Para um ex-diretor, a
estrutura atual da companhia torna mais fácil administrá-la 'de dentro para
fora', porque os executivos têm todas as ferramentas necessárias para entregar
bons resultados aos acionistas - sobretudo ao governo, o maior deles - a partir
de decisões impessoais, seguindo regras de governança. Mas gerir a empresa 'de
fora para dentro', diz o ex-diretor, é muito difícil. Isso porque, na visão
dele, os políticos se acham 'donos da Petrobras'.
Três trocas em três anos
Foi sob a alegação de que é
necessário interromper a escalada dos preços dos combustíveis, que alimenta a
inflação e deteriora sua popularidade no ano eleitoral, que o presidente Jair
Bolsonaro trocou o comando da Petrobras três vezes em três anos e meio de
mandato.
Caio Paes de Andrade foi, na
semana passada, o quarto a assumir o cargo no governo Bolsonaro, que chegou a
sugerir ao Congresso a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
para investigar diretores da estatal e seu ex-presidente José Mauro Ferreira
Coelho - escolhido pelo próprio Bolsonaro e que ficou dois meses no cargo, sob
pressão do Planalto e do Congresso.
A Petrobras vem de um forte
processo de consolidação de governança e controle, iniciado após a empresa ser
varrida pelas revelações da Lava-Jato, iniciada em 2014. Na época, as contas da
empresa sofriam também com a interferência do governo de Dilma Rousseff nos
preços dos combustíveis e prejuízos de investimentos malsucedidos.
A dívida, que chegou a cerca
de US$ 160 bilhões em 2014, foi reduzida a US$ 60 bilhões, hoje. Os ganhos de
eficiência com a nova governança são destacados por analistas de mercado.
Para ex-dirigentes da
Petrobras, a Lei das Estatais foi criada sob medida para proteger a companhia
do seu próprio controlador, a União, evitando interferência não só nos preços,
mas principalmente nas decisões sobre para onde vão os bilhões que a empresa
investe todos os anos. Para se ter uma ideia do que está em jogo, só entre 2022
e 2026 a Petrobras prevê investir US$ 68 bilhões (ou R$ 360 bilhões).
Não à toa, a Lei das
Estatais virou alvo de políticos insatisfeitos com a dificuldade de intervir na
Petrobras.
Diante da demora na troca de
comando da empresa, Arthur Lira defendeu mudança na Lei das Estatais por medida
provisória, com retomada imediata da influência política na Petrobras, que
chamou de 'criança mimada'. Bolsonaro avalizou a investida do Centrão, base do
governo no Congresso. A mudança na lei adormeceu, mas ainda não foi engavetada.
Entre executivos e
integrantes do Conselho de Administração da Petrobras, há o temor de que a
troca nas diretorias planejada por Paes de Andrade retome a antiga prática de
indicar afilhados políticos. Ainda assim, tomar decisões na cúpula da estatal
não é simples.
A empresa atualmente é
acompanhada por mais de 20 órgãos de controle nacionais e internacionais, do
Tribunal de Contas da União (TCU) à SEC (regulador do mercado de capitais dos
EUA, onde a Petrobras tem ações negociadas).
Ninguém decide sozinho
Na construção da nova
governança da Petrobras, foram criados mecanismos de controle de nomeações e de
decisões. Segundo gestores, ninguém decide nada sozinho. Além do Conselho de
Administração, há colegiados em toda a estrutura para a tomada de decisões
estratégicas. Por isso, não é possível segurar preços de combustíveis nas
refinarias da Petrobras apenas com a caneta do presidente da estatal.
Ciente disso, Bolsonaro
tentou diversas vezes indicar diretores alinhados a ele na Petrobras, mas os
insucessos contribuíram significativamente para sua indisposição com os três
presidentes da estatal que ele demitiu.
Na segunda-feira, o
ex-presidente da Petrobras Roberto Castello Branco admitiu, em conversa vazada
de um grupo no WhatsApp, que devolveu seu celular corporativo à estatal com
mensagens e áudios capazes de comprovar tentativas de Bolsonaro de indicar
nomes para cargos ou deter reajustes de combustíveis. Procurado, Castello
Branco não quis se manifestar.
R$ 1,2 trilhão desde 2016
Ex-diretores da Petrobras
também contam que Bolsonaro tentou fazer a empresa promover campanhas contra as
gestões petistas, o que sempre foi rechaçado dentro da estatal, sob o argumento
de que a empresa não pode fazer política. Procurado, o Planalto não quis
comentar.
Sabendo que não conseguirá
nada sozinho, Paes de Andrade deve tentar emplacar diretores e gerentes
alinhados ao Planalto. Ex-secretário do Ministério da Economia, ele assume a
estatal com a simpatia do Centrão depois de conquistar apoios importantes, como
o do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente.
Também tem o suporte do
ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida (outro ex-auxiliar do ministro
Paulo Guedes), que tem feito críticas aos altos lucros da Petrobras em meio à
alta internacional do petróleo, repassada ao preço dos combustíveis. Mas não
destaca que o governo fica com a maior parte dos ganhos, além de outras
receitas geradas pela estatal.
De 2016 até agora, a
Petrobras repassou ao setor público R$ 1,2 trilhão entre dividendos, royalties
e impostos. Para executivos que atuam na estatal, o discurso do governo
despreza os resultados das políticas corporativas desenvolvidas nos últimos
anos. Eles avaliam que o governo poderia usar esse dinheiro em políticas
públicas, e não forçar a Petrobras a fazer isso.
O Globo Online
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