O encenador
britânico Peter Brook, que morreu no sábado, dia 2, aos 97 anos, afirmou a
especificidade do teatro como arte da síntese, concretizada por meio de poucos
elementos, sem concessões a atrativos visuais espetaculares.
Essa característica marcou
muitas montagens, que trouxeram cenografia reduzida e impactaram pelo vigor
autoral de suas direções e pela qualidade das interpretações. Ciente da
importância de estimular a imaginação do espectador, Brook defendeu o conceito
de espaço vazio, despido de adereços dispersivos.
O público brasileiro teve a
oportunidade de assistir a vários espetáculos de Brook, mostrados em festivais
de teatro espalhados pelo país. Vale evocar algumas montagens. Em “A tragédia
de Hamlet”, transposição da peça de William Shakespeare, o diretor quebrou
estereótipos ao convidar um ator negro, William Nadylam, para interpretar o
protagonista. Em “O grande inquisidor”, extraído de “Os irmãos Karamazov”,
livro de Dostoiévski, colocou em cena Bruce Myers acumulando a função de
narrador e o papel do inquisidor num diálogo com Jesus sobre fé. Em
“Fragments”, se debruçou, com habitual contenção de recursos técnicos, sobre
peças curtas de Samuel Beckett — “Ato sem palavras II”, “Balanço” e “Ir e vir”.
Em “O terno”, adaptação do conto do escritor sul-africano Can Themba, confirmou
sua fidelidade a um teatro minimalista voltado para as presenças dos atores
(Cherise Adams-Burnett, Jared McNeill e Ery Nzaramba). Em “Tierno Bokar”,
trabalho sobre o líder espiritual africano baseado no livro “Vida e
ensinamentos de Tierno Bokar — O sábio de Bandiagara”, do etnógrafo e filósofo
malinês Amadou Hampaté Bâ, não enveredou por efeitos cênicos, concentrando a
força da montagem nas atuações (especialmente, de Sotigui Kouyaté) e na
expressividade da música. O público conferiu outro espetáculo de Brook — a
versão para a ópera “A flauta mágica” (com título alterado para “Uma flauta
mágica”), em que manteve a mesma refinada simplicidade como princípio
artístico.
A adesão de Peter Brook a um
teatro desvinculado de qualquer suntuosidade norteou a condução do Centro
Internacional de Pesquisa Teatral, companhia pela qual passaram atores de
diferentes nacionalidades. Também foi fundamental a experiência de Brook e dos
integrantes da companhia na África, na metade inicial da década de 1970, quando
percorreram diversas regiões realizando apresentações com elementos sintéticos
(um tapete para definir a área de atuação) e estabelecendo uma conexão com os
espectadores que não podia depender do texto, na medida em que não havia um
idioma comum entre elenco e plateia. Uma viagem que simbolizou uma abertura ao
inesperado. Não se deve esquecer da descoberta do Théâtre des Bouffes du Nord,
em Paris, essencial para a trajetória de Brook, indicação da produtora
Micheline Rozan. Foi graças a Rozan, inclusive, que Brook conheceu aquela que
viria a ser sua grande colaboradora artística: Marie-Hélène Estienne. Ao longo
dos anos, atores e atrizes notáveis trabalharam com Brook, como Yoshi Oida,
Glenda Jackson, Maurice Benichou e o já citado Kouyaté.
Além de toda a produção
teatral, Peter Brook se projetou no cinema. Cabe fazer uma primeira menção a “O
Mahabharata” (1989), monumental poema épico indiano que o encenador transportou
para o palco e para a tela. Brook ainda adaptou para o cinema peças como “Rei
Lear” (1970), de William Shakespeare, e “A perseguição e o assassinato de
Jean-Paul Marat desempenhados pelos loucos do asilo de Charenton sob a direção
do Marquês de Sade” (1967), de Peter Weiss, e livros como “Moderato cantabile”
(1960), de Marguerite Duras, “O senhor das moscas” (1963), de William Golding,
e “Encontro com homens notáveis” (1979), de George Gurdjieff. E, para
“desvendar” um artista fascinante como Peter Brook, nada melhor que o
documentário “Brook by Brook” (2002), dirigido por seu filho, Simon Brook.
O Globo, Daniel Schenker
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