Entre os séculos 18 e 19, o italiano Antonio Canova, um dos mais estupendos escultores de todos os tempos, autor de obras-primas como "Eros e Psiquê", foi também um diplomata de grandes êxitos para a proteção do patrimônio cultural italiano contra os saques napoleônicos. Antes dele, entre os séculos 16 e 17, os excepcionais pintores Peter Paul Rubens, flamengo, e Diego Velázquez, espanhol, também foram diplomatas destacados.
Promover estrelas das artes
a embaixadores trazia muitas vantagens aos soberanos. Além da fama e talento
impressionarem e facilitarem o trânsito do diplomata na corte anfitriã - basta
lembrar que Canova chegou a fazer um busto de Napoleão -, as habilidades
artísticas do embaixador-artista ainda poderiam ser úteis para retratar uma
possível pretendente para um monarca distante - num tempo em que os casamentos
eram por conveniência e por procuração - ou para rabiscar um mapa
clandestinamente.
De um outro ponto de vista,
a diplomacia também sempre chamou a atenção de artistas e seus mecenas, de modo
que, ao longo da história da arte, pinturas icônicas também tiveram por alvo e
foco agentes ou temas diplomáticos. Recorde-se, por exemplo, "Os
Embaixadores" (1533), de Hans Holbein, e "O Juramento do Tratado de
Münster" (1648), de Gerard ter Borch, considerados verdadeiros marcos para
o nascimento da diplomacia moderna.
No Brasil, o cenário não é
muito diferente: diplomacia e artes dialogam de maneira intensa. No monumental
"O Itamaraty na Cultura Brasileira", volume organizado por Alberto da
Costa e Silva e editado por Paulo Roberto de Almeida, dois intelectuais que
honram o corpo diplomático nacional, há indicações preciosas de diplomatas
pintores do passado, como Araújo Porto-Alegre, Sotero Cosme, Navarro da Costa e
Alvim Menge. Os embaixadores Romeo Zero, morto em 2015, e o recém falecido
Sérgio Telles somam-se a nomes contemporâneos como Elim Dutra e Joaquim Arnaldo
de Paiva Oliveira, que mantiveram, na atualidade do Itamaraty, o diálogo entre
canetas e pincéis, linhas e letras, com obras em importantes acervos nacionais
e estrangeiros.
No âmbito das artes visuais,
o Ministério das Relações Exteriores não tem em seus quadros apenas artistas.
Mecenas, colecionadores, críticos e curadores também compõem o serviço exterior
brasileiro. Um exemplo eloquente é Gilberto Chateaubriand, falecido neste mês
de julho de 2022, aos 97 anos, cuja coleção de arte brasileira, de cerca de
8.000 itens, está cedida em comodato ao Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
desde 1993. Gilberto, aliás, é filho do paraibano Assis Chateaubriand,
ex-embaixador em Londres, jornalista, advogado, político, empresário e mecenas,
que fundou e dá nome ao Museu de Arte de São Paulo (MASP).
Outro caso emblemático foi
Mário Calábria, que, como embaixador na velha República Democrática Alemã,
construiu e promoveu uma ampla rede de amizades com artistas da Alemanha
Oriental. Em 2020, sua respeitável coleção de arte foi leiloada com estrondoso
sucesso pela casa de leilões Grisebach, de Berlim. Calábria, que foi secretário
do diplomata e escritor mineiro João Guimarães Rosa na Embaixada do Brasil na
Alemanha, deixou um legado importante de acesso gratuito ao público e que está,
desde 2021, sob a guarda e gestão do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da
Universidade de São Paulo. Trata-se de um acervo de quase 5.000 documentos
colecionados ao longo da vida pelo diplomata, consistente em cartas trocadas
durante 70 anos entre diplomatas, políticos, historiadores e artistas, além de
210 livros com dedicatórias, fotografias e documentos. Esses documentos estavam
guardados na Embaixada do Brasil na Alemanha e agora são a Coleção Mário
Calábria do IEB/USP.
Além disso, há artistas
incríveis cuja ligação com a diplomacia brasileira decorreu do casamento. As
mais conhecidas são Clarice Lispector (que, além de tudo, também foi pintora),
que fora casada com o diplomata Maury Gurgel Valente de 1943 a 1959, com quem
teve seus dois filhos, Pedro e Paulo Gurgel Valente; e a escultora Maria
Martins, casada com o embaixador Carlos Martins Pereira e Souza. Além de seu
reconhecimento como artista plástica no âmbito mundial, as peças de Maria
Martins ocupam espaços de acesso público da capital federal, como a grande
escultura "Rito dos Ritmos" instalada nos jardins do Palácio da
Alvorada; e as esculturas "A Mulher e a sua sombra" e "Canto da
Noite", abrigadas no Itamaraty.
Com a sua extensa rede de
representações diplomáticas e consulares, o Itamaraty age no apoio e na
promoção de eventos, mostras e residências de artistas brasileiros,
concretizando o que se convencionou chamar de "diplomacia cultural",
o instrumento de política cultural e de política externa que, ao revelar a alma
da nação, cria soft power, ou seja, influência e atração.
Durante a 2ª Guerra Mundial,
por exemplo, o governo brasileiro não apenas enviou 25 mil pracinhas para lutar
ao lado dos aliados na Itália, mas despachou também para Londres, em 1944,
enquanto a cidade ainda ardia em meio a duros bombardeios dos nazistas, 168
quadros, de 70 artistas modernistas, além de 162 fotos da arquitetura
brasileira. As obras, presenteadas ao governo inglês, foram expostas na Royal
Academy of Arts e em outros espaços nobres e, em seguida, vendidas, com a renda
revertida para a Royal Air Force (RAF). Apesar do risco das bombas, a mostra
foi um estrondoso sucesso. Mais de 100 mil pessoas compareceram - um pouco como
agora, as pessoas estavam ansiosas por cultura e por sair de casa.
Os chamados "presentes
de Estado" ou "presentes protocolares" constituem outro vetor da
"diplomacia cultural". Em visita a outras nações, chefes de Estado
costumam presentear o anfitrião com algo que remeta à sua cultura. O anfitrião
retribui com um presente de seu país. A troca de presentes é um gesto milenar
de cortesia e hospitalidade. De acordo com a Lei 8.394/1991 e o Decreto
4.344/2002, que regulamentam a questão, os objetos recebidos em cerimônias
oficiais de troca de presentes com chefes de Estado e de governo são
considerados patrimônio da União. Há acórdão do TCU sobre o tema também.
Uma outra vertente da
diplomacia cultural atua na obtenção e doação de obras de artes para organismos
internacionais, como parte da política de influência e promoção da cultura
brasileira em âmbito mundial. Nesse campo, um dos episódios mais emblemáticos foi
a doação, pelo governo brasileiro, dos gigantescos painéis "Guerra e
Paz" de Cândido Portinari à Organização das Nações Unidas, em 1957. As
obras foram alocadas no hall de entrada da Assembleia Geral, o espaço mais
nobre da sede da ONU em Nova York. Em 24 de outubro de 2020, data em que o
mundo inteiro celebrou os 75 anos da ONU, o ramo brasileiro da International
Law Association convidou o filho de Portinari, o professor e engenheiro João
Cândido Portinari para fazer uma comovente conferência sobre aquelas
obras-primas, num evento que constou do calendário global das comemorações. A
conferência ainda pode ser assistida online.
Todas essas iniciativas da
Diplomacia Cultural são importantes por muitas razões, que ultrapassam a mera
propaganda nacional. Elas permitem uma visão positiva de um povo e podem
carrear receitas diretas e indiretas, claro, mas sobretudo favorecem uma maior
cooperação entre nações; previnem e mitigam conflitos; promovem o
reconhecimento do patrimônio e da diversidade culturais, e encontram pontos de
contato entre pessoas diferentes, difundindo as noções de tolerância,
fraternidade, alteridade e confiança mútua. Enfim, quando diplomacia e cultura
dialogam, se prolonga, enraíza e difunde uma atmosfera de paz - algo tão
importante em nossos dias. Como bem diz o Preâmbulo da Constituição da Unesco,
de 16 de novembro de 1945, "uma vez que as guerras se iniciam nas mentes
das pessoas, é nas mentes das pessoas que deve ser construída a defesa da
paz".
Inês Virgínia Soares
Marcílio Franca, Marcílio Toscano Franca
Inês Virgínia Soares é
desembargadora federal no TRF da 3ª. Região (SP). Doutora em direito pela
PUC-SP, com pós-doutorado no Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de
São Paulo (NEV-USP). Especialista em direito sanitário pela UnB (Universidade
de Brasília). Autora do livro "Direito ao(do) Patrimônio Cultural
Brasileiro" (Ed. Forum).
Marcílio Franca é professor
visitante da Universidade de Pisa (Itália). Tem pós-doutorado no Instituto
Universitário Europeu (Florença, Itália). Membro do Comitê Jurídico da
International Art Market Studies Association. É árbitro da Court of Arbitration
for Art (Rotterdam, Holanda), da Organização Mundial de Propriedade Intelectual
(WIPO) e do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul. Professor da UFPB
(Universidade Federal da Paraíba).
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