"O ritmo de devastação é maior do que o ritmo de conhecimento", diz Francisco Farroñay, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), antes de fazer uma incisão na casca de uma enorme árvore e cheirar o seu interior.
Os temores desse jovem
botânico peruano se baseiam em duas realidades conflitantes: enquanto a maior
floresta do planeta é devastada pelo desmatamento e por incêndios provocados
para o agronegócio, a mineração e o tráfico ilegal de madeira, sua
biodiversidade infinita permanece sendo um grande mistério para a ciência.
"É uma luta contra o tempo", assinala Farroñay.
Para chegar a esse local
no sul do Amazonas, considerado o mais preservado dos nove da Amazônia Legal,
pode-se pegar um pequeno avião de Manaus, sobrevoar centenas de quilômetros de
manto verde com rios sinuosos até o município de Manicoré, de quase 50.000 km²,
e fazer um trajeto de cinco horas de lancha pelas águas negras do rio de mesmo
nome, em meio aos igapós.
Uma expedição organizada
pelo Greenpeace com 15 cientistas como Farroñay desembarcou no local no começo
de junho para fazer um inventário da fauna e da flora e atender a uma antiga
demanda das comunidades tradicionais que vivem às margens do rio: tornar-se uma
Região de Desenvolvimento Sustentável (RDS), categoria de unidade de
conservação que serve para coibir os crescentes crimes ambientais em seu
entorno.
Durante semanas,
especialistas em mamíferos, aves, anfíbios, répteis e peixes adentraram a selva
para colher amostras de plantas e detalhar o comportamento de animais, para o
que instalaram câmeras e microfones.
-
'Nunca iremos conhecer' -
Ironicamente, no papel de
jornal que uma botânica do grupo usa para prensar uma flor, pode-se ler a
manchete "Aumento da exploração de madeira no Amazonas", sobre uma
foto de dois caminhões deixando a floresta carregados com troncos enormes.
“A maioria das espécies de plantas da Amazônia
está distribuída por áreas reduzidas. Se desconhecemos 60% das espécies de
árvores, qualquer região desmatada elimina uma parte da biodiversidade que
nunca iremos conhecer”, ressalta o pesquisador do Inpa Alberto Vicentini.
Segundo um estudo do
Mapbiomas divulgado em setembro passado, a Amazônia perdeu 74,6 milhões de
hectares de vegetação original entre 1985 e 2020, uma área equivalente ao território
do Chile. O fenômeno se agravou durante o governo de Jair Bolsonaro, que
ambientalistas acusam de promover o desmatamento dessa floresta vital para
frear as mudanças climáticas, com suas políticas e a retórica em favor do
agronegócio, de fazer vista grossa para os infratores e de cortar recursos das
agências de controle ambiental, como o Ibama e o ICMBio.
Desde que Bolsonaro
assumiu o cargo, em 2019, o desmatamento médio anual na Amazônia brasileira
aumentou 75% em relação à década anterior, segundo cifras oficiais.
"Além disso, vivemos
um momento de negação da ciência, como vimos com a pandemia no Brasil, um
obscurantismo tremendo. As instituições de fomento à pesquisa no Brasil estão
sendo atacadas pelas políticas deste governo, as universidades estão sofrendo
muitos cortes", acrescenta Vicentini.
-
'Andando para trás' -
Em outro ponto do Rio
Manicoré, em cujas águas se refletem as copas das árvores alagadas nesta época
do ano, uma canoa adentra lentamente um igarapé, braço de água cristalina que
corre por dentro da mata fechada.
Desembarcam dela três
biólogos especialistas em peixes, que mergulham com pequenas redes para estudar
se os peixes dessas águas são diferentes daqueles do rio principal.
"Há lugares aonde
ninguém nunca foi, não se tem ideia do que existe. Sem recursos para pesquisar,
não temos as informações necessárias para explicar por que devemos
preservá-los", explica Lucía Rapp Py-Daniel, doutora em Ecologia e
Biologia Evolutiva.
A
pesquisa perde recursos há uma década.
Em maio, as duas
principais sociedades científicas do Brasil - a Academia Brasileira de Ciências
(ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) - alertaram
que haverá neste ano um corte de quase 3 bilhões de reais.
"Deveríamos acelerar
o ritmo de pesquisa para chegar a tempo, antes da destruição, mas estamos
andando para trás", lamenta Lucía.
AFP, Jordi Miro
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