O Museu de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha, será obrigado a devolver ao Brasil o fóssil do dinossauro Ubirajara jubatus, retirado ilegalmente do país por pesquisadores estrangeiros.
A decisão foi do Conselho de
Ministros da região de Baden-Württemberg, que acatou, na manhã desta
terça-feira (19), um pedido feito pela ministra da Ciência, Theresia Bauer. De
acordo com uma avaliação do ministério, existem dúvidas sérias sobre a
legalidade da aquisição do fóssil e de sua importação pela Alemanha.
Haverá ainda uma
investigação sobre outros exemplares brasileiros em posse do museu. A
expectativa é de que eles também possam ser repatriados.
Segundo reportagem do jornal
alemão Badische Neueste Nachrichten, o ministério da ciência alemão se irritou
com a "má-conduta científica inaceitável do museu", que gerou danos
reputacionais sérios à instituição e ao país.
Nos últimos 18 meses, desde
que a espécie foi apresentada em um artigo científico pela primeira vez, a
imagem exótica do Ubirajara jubatus, com penas abundantes e quatro hastes
"penduradas" nos ombros, tornou-se o símbolo da luta contra o tráfico
internacional de fósseis.
A comunidade científica
brasileira se mobilizou de forma inédita por meio da campanha virtual
#UbirajaraBelongstoBR (Ubirajara pertence ao Brasil) para denunciar as diversas
irregularidades envolvendo a saída do fóssil do território brasileiro.
Uma das idealizadoras e
principais vozes do movimento, Aline Ghilardi, professora da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, considera que o anúncio é uma vitória para a
ciência dos países em desenvolvimento.
"Nós mandamos uma
mensagem muito poderosa, que está ecoando mesmo em outras regiões do
mundo", afirma.
"A gente gritou para o
mundo e disse que é possível fazer uma ciência diferente, descentralizada,
baseada em princípios éticos. As colaborações [com estrangeiros] são muito
bem-vindas, mas desde que os benefícios sejam simétricos, em que todas as
partes recebam os benefícios", completa.
Assinado por três
pesquisadores estrangeiros, o artigo científico que descreveu o Ubirajara
jubatus desrespeitava diversos pontos da legislação do Brasil, que estabelece,
desde 1942, que os fósseis são patrimônio nacional. Eles têm venda proibida e,
para que saiam do país, é necessária uma autorização formal.
Embora tenham afirmado
inicialmente que o fóssil saiu do Brasil com a devida autorização em 1995, os
autores do trabalho não conseguiram apresentar a documentação adequada. Ao
longo do imbróglio, apresentaram outras justificativas conflitantes que
acabaram por não se sustentar.
Turbinado pela pressão nas
redes sociais, o caso gerou grande atenção na comunidade acadêmica e na
imprensa internacional. Diante do risco de danos reputacionais, universidades,
museus e revistas científicas passaram a revisar algumas de suas condutas,
exigindo maior rigor com a comprovação de origem dos materiais.
O próprio Museu de História
Natural de Karlsruhe acabou também forçado a mudar de posicionamento, afirmando
agora que leva muito a sério a questão da origem das peças de seu acervo.
Inicialmente, no entanto, a
instituição se recusou a devolver o fóssil ao Brasil, dizendo que o material
era propriedade do Estado alemão.
Diretor do museu até
janeiro, quando se aposentou, o paleontólogo Eberhard "Dino" Frey é
um dos autores do artigo do Ubirajara jubatus. Seu sucessor, que já anunciou
que está de saída do cargo, Norbert Lenz, também assinou o trabalho.
As autoridades alemãs ainda
não disseram quando o material será enviado de volta ao Brasil e nem em que
circunstâncias isso irá acontecer. O destino do dinossauro, dentro do
território brasileiro, também não foi definido.
Ainda que as negociações
tenham sido feitas com a participação do Museu de Paleontologia Plácido Cidade
Nuvens, em Santana do Cariri (CE), região onde o dinossauro viveu há cerca de
110 milhões de anos, reportagens na imprensa alemã afirmam que o fóssil pode
ser encaminhado ao Museu Nacional, no Rio de Janeiro.
A mudança acendeu um novo
debate entre os paleontólogos, que destacam que instituições da região Sudeste
acabam concentrando muitos dos exemplares mais valiosos, ainda que eles sejam
oriundos do Nordeste brasileiro.
Diretor do museu do Cariri,
Allyson Pinheiro descartou a existência de uma disputa e ressaltou o longo
histórico de colaborações entre as duas instituições. O paleontólogo destacou,
porém, o grande potencial transformador que a ciência tem para a região do
Crato.
"Os holótipos
[exemplares de referência] são a parte mais importante de um museu. Além do
significado científico, eles têm um enorme potencial de atrair turismo, de
fazer girar a economia. Com um dinossauro tão especial, como é o caso desse,
que representou toda uma causa, isso é ainda maior", afirma.
Apesar do entusiasmo, Pinheiro
ainda é cauteloso nas comemorações. "Estou muito feliz, mas o jogo só
acaba quando termina, quando o fóssil estiver no Brasil. Nossa experiência com
repatriações é de que este é um processo lento e burocrático, mesmo quando
feito de forma consensual."
Folhapress
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