A auditora fiscal Alyne Bautista passou oito dias presa por decisão da Justiça do Rio Grande do Norte sob a acusação de desobediência de ordem judicial, abuso de autoridade e ameaça.
Alyne é
autora de denúncias de supostos atos de corrupção do juiz estadual e empresário
Jarbas Bezerra e da sócia dele, a servidora pública Lígia Limeira, em um
contrato entre a empresa em que são donos e o governo do estado.
A
defesa da auditora afirma que ela é vítima de uma perseguição judicial.
A
prisão foi decretada preventivamente pela juíza Ada Galvão no último dia 14. A
magistrada considerou a medida necessária para a garantia da ordem pública e
integridade física e moral das vítimas".
Na mesma decisão, concedeu um mandado de busca para apreender
celulares e notebooks da auditora.
Alyne
foi solta na última quinta-feira (22) após um habeas corpus aceito pelo
desembargador Gilson Barbosa, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.
Ele considerou que não houve fundamentos que justificassem as alegações feitas
para a prisão e disse que a juíza Ada não agiu corretamente.
Na
decisão, o desembargador Barbosa afirma ainda que a presença de um magistrado
no caso, o juiz Jarbas Bezerra, não significa
abalo da ordem social por si só. Os mandados contra Alyne foram cumpridos pela Polícia Civil após o registro
de queixa-crime por Bezerra.
Segundo
o juiz, a auditora estaria realizando denúncias caluniosas contra ele nas redes
sociais, descumprindo uma decisão judicial da Vara Cível que a impede de fazer
as acusações desde maio de 2020, e o ameaçando.
Em
decorrência do inquérito que apurou a queixa, a Promotoria de Justiça acusou a
auditora em março por abuso de autoridade. Outras sete ações tramitam na
Justiça Cível e Criminal contra Alyne, além da que foi presa. O juiz Bezerra
alega ser vítima de crimes contra a honra, denúncia caluniosa, injúria e
difamação.
À
reportagem o juiz disse que o número de denúncias contra a auditora fiscal se
justifica pelos diferentes crimes que, em tese, ela cometeu.
As
denúncias da auditora contra o juiz são por supostos atos de corrupção em um
contrato feito sem licitação no valor de R$ 3,8 milhões em 2019 entre a empresa
em que Bezerra é sócio, o Centro Brasileiro de Educação e Cidadania (Cebec), e
a Secretaria da Educação do Rio Grande do Norte.
O
contrato é para a compra de cartilhas de cidadania e capacitação de
profissionais para o Programa Brasileiro de Educação Cidadã (Probec), criado
pela própria Cebec e instituído na secretaria desde 2016.
As
acusações contra o juiz foram recebidas por Corregedoria de Justiça do Rio
Grande do Norte, CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Ministério Público e TCE
(Tribunal de Contas do Estado), que apuram o caso.
A
investigação mais avançada é a do TCE, que encontrou indícios de
irregularidades para a dispensa de licitação do contrato e de influência do
juiz na elaboração da lei que criou o Setembro Cidadão em 2013. O Setembro
Cidadão é uma ação que faz parte do Probec e, consequentemente, da empresa do
magistrado.
O
contrato entre o governo estadual e a Cebec foi suspenso em junho do ano
passado por uma cautelar do TCE até a conclusão do processo.
Já
havia uma indicação interna para a suspensão desde janeiro, da
Controladoria-Geral do Estado (Control). A Control recomendou a medida durante
uma auditoria fiscal para apurar os valores contidos no contrato. Segundo o controlador-geral,
Pedro Lopes, Alyne não fez parte desta auditoria.
A
Secretaria da Educação afirmou que o contrato investigado com a Cebec, assinado
em 2019, foi uma renovação de contratos anteriores. A empresa já havia sido
contratada para prestar os serviços do Probec duas vezes, em 2016 e 2018, na
gestão de Robinson Faria (PSD), de 2015 a 2018.
Procurada,
a gestão atual, da governadora Fátima Bezerra (PT), afirmou que a renovação do
contrato aconteceu porque o estado é obrigado, por lei, a incluir conteúdos de
cidadania na rede estadual de ensino.
"A
Cebec comprovou exclusiva especialização sobre o tema, conforme documentos
oficiais de órgão de registros de marcas e patentes, e a renovação aconteceu de
acordo com os trâmites legais."
"Destaca-se
que o contrato está suspenso desde a decisão do TCE que viu indícios de
irregularidade e direcionamento na lei que estabeleceu os programas de
cidadania", acrescentou o governo.
Jarbas
Bezerra nega as irregularidades apontadas. De acordo com ele, a contratação da
empresa foi feita conforme a lei. Ele afirma que é o verdadeiro perseguido no
conflito com a auditora Alyne Bautista. Ela me ataca
desde 2019 em todos os lugares possíveis. Mandou a
denúncia para todos os lugares, para email de deputados,
senadores, grupos de amigos."
Se ela
acha que tem algo ilícito, por que ela não espera que
as acusações sejam apuradas?, afirmou à reportagem.
Na denúncia contra a auditora por abuso de autoridade, o juiz
afirma que ela estaria utilizando o timbre do governo do estado e da posição de
auditora fiscal para fazer denúncias com motivações pessoais.
O
advogado da auditora, Joseph Araújo, não confirmou o uso do papel timbrado nas
denúncias e preferiu não comentar sobre essa acusação.
Araújo
disse que Alyne teve conhecimento das supostas irregularidades quando atuou
como auditora na Secretaria da Educação. Entretanto, ela não chegou a fazer
parte de nenhuma auditoria relacionada ao contrato citado.
A
queixa-crime de Jarbas Bezerra registra que a auditora fez 16 denúncias anônimas
contra ele em diversos órgãos, inclusive de outros estados. A autoria foi
identificada em uma perícia digital realizada pela Polícia Civil. O advogado da
auditora questiona a quebra de anonimato.
À
reportagem o juiz também disse que o pedido de prisão foi feito pela Polícia
Civil, e não por ele, por descumprimento da cautelar que impede Alyne Bautista
de continuar com as acusações em redes sociais. A decisão determina multa
diária em caso de descumprimento.
No
entanto, Alyne começou a enviar mensagens para grupos de WhatsApp afirmando que
estava sendo perseguida pelo juiz. O conteúdo chegou até a Polícia Civil, que
considerou descumprimento judicial.
A
defesa da auditora afirma que o conteúdo não motiva a prisão e questiona por
que o juiz optou por registrar uma queixa-crime em vez de acionar a Vara Cível
para a aplicação da multa.
A
verdadeira intenção do juiz não foi de dizer
à Justiça que ela havia descumprido. Se fosse essa a intenção, ele teria
acionado a Vara Cível e não registrado
uma queixa-crime em outro processo. O que ele faz é uma perseguição, disse o
advogado da auditora.
Bezerra
afirmou que fez a queixa-crime porque a cautelar foi descumprida diversas
vezes.
O TJ-RN
não comentou a prisão da auditora, nem as denúncias feitas por ela contra o magistrado.
O Tribunal de Justiça não se pronuncia e não emite juízo de valor
sobre o assunto, que tramita nas esferas judiciais competentes, afirmou em
nota.
Em
janeiro, o TJ abriu um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) para
apurar a conduta do magistrado. O plenário da corte não viu a necessidade de
afastar Bezerra durante o procedimento.
O CNJ
aguarda a conclusão do processo disciplinar para dar andamento ao procedimento
de apuração interna contra o juiz. A reportagem entrou em contato com o órgão
no último dia 23 para comentar sobre o caso, mas não recebeu resposta até a
publicação deste texto.
Sobre
os procedimentos em que é investigado, o juiz Jarbas Bezerra afirma que está
confiante no arquivamento. Já prestei a minha defesa, demonstrando o abuso e a
perseguição que ela [Alyne] comete contra mim e a falta de
fundamento nas denúncias.
A sócia
do magistrado na Cebec, Lígia Limeira, não se pronunciou sobre o caso
publicamente e não foi localizada pela reportagem. Além de empresária, ela é
servidora pública no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio Grande do Norte.
O TRE
chegou a abrir uma sindicância contra Lígia para apurar as denúncias feitas por
Alyne, que afirmam que a servidora usou de influência para conseguir a
assinatura do contrato. O processo foi arquivado por falta de provas.
Por Luiz Henrique Gomes (Folhapress)
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