quinta-feira, 22 de abril de 2021

A explosão da criminalidade digital


De repente, em meio à pandemia, um novo conjunto de problemas invadiu o noticiário. “A clonagem de cartões de crédito bate recorde!”. “Dados de milhões de brasileiros e brasileiras vazados e tornados públicos!”. “Identidades roubadas tornam-se um problema cada vez mais frequente”. “População idosa é, cada vez mais, vítima de golpes digitais”. A conclusão é simples: no que se refere a criminalidade, o mundo online e o mundo físico já se fundiram. 

 

A transformação digital na esfera criminal está se acelerando, em um momento em que o mesmo processo na sociedade brasileira no seu conjunto ocorre a uma velocidade menor. A criminalidade digital não se restringe apenas a fraudes e golpes. Os ataques e ameaças virtuais, hoje comuns contra jornalistas e personalidades públicas, não são virtuais apenas e por isso menos sérios. São ameaças contra a integridade física e reputação dos cidadãos, com reais consequências no mundo físico. 

A defasagem da velocidade com que os golpes se multiplicam contrasta com a lentidão das forças de segurança para se movimentarem na sua repressão. A Polícia Federal é uma exceção. Sabe da urgência da modernização tecnológica e da necessidade de formar seus quadros para uma nova realidade em que as violações da segurança não são mais visíveis a olho nu. 

Correndo por fora, o mercado da segurança digital privado cresce rapidamente, puxado pelas instituições financeiras, mortalmente dependentes da confiabilidade de suas operações. Instituições como a Controladoria Geral da União, Tribunal de Contas da União e o Ministério Público também se movem nesta direção, ainda que desajeitadamente, como os episódios recentes da vida política do país têm demonstrado. A tecnologia pode ajudar em muita coisa, mas não tem como resolver problemas relacionados com o devido processo legal, as relações entre os poderes da República e a politização do combate à corrupção. 

As Forças Armadas procuram se preparar para os novos desafios colocados pela ciber-segurança do ponto de vista da Defesa Nacional. Os “gaps’’ são abissais quando comparados com países como EUA, Reino Unido, China, Rússia, França — não surpreendentemente os países membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas. 

É óbvio para todas as partes envolvidas nesta conversa que o investimento digital é crucial para a transformação do país. Mas há um desdobramento que não é percebido com a mesma clareza: apostar na virada digital impactará positivamente em todas as esferas da economia e da sociedade, da vida pública e privada. Fica então a pergunta: por que o país está se movendo tão lentamente na direção de abraçar esta prioridade? 

As respostas a esta questão são várias. A primeira delas é uma das mais simples e dolorosa: nossos governantes e nossas elites não sabem do que se trata. Demograficamente são uma geração majoritariamente na faixa etária superior aos 50 anos. Desconhecem a reprogramação do mundo em curso. Tendem a ser defensivos em relação a todas estas transformações, salvo quando incidem diretamente sobre seus negócios e assuntos — em geral, tarde demais. 

A segunda explicação é o dramático dilema entre segurança e privacidade. Estamos ainda nos dando conta de que nossos dados não nos pertencem mais e que ão sabemos muito bem que uso é feito deles. O “Surveilance State’’ é uma realidade tanto em democracias como regimes autoritários, com ganhos significativos do ponto de vista de segurança pública, porém com custos crescentes na perspectiva da privacidade e dos direitos individuais. 

Não é uma conta fácil para uma sociedade arbitrar quanto de sua privacidade está disposta a abrir em troca de mais proteção contra a criminalidade física e digital. Existem dúvidas e temores sobre como os Estados — com governantes eleitos ou não eleitos — lidam com este delicado equilíbrio. 

A terceira explicação é o gargalo — massivo — do capital humano digital. O déficit de mão de obra digital para adentrar nesta seara é brutal. Um estudo recente do Instituto Igarapé sobre o mapeamento dos riscos digitais para o Brasil mostra que, dentre os desafios identificados, o primeiro da lista é a falta de capacitação da sociedade para se avançar na segurança digital no país. 

Ironicamente o Brasil tem condições de enfrentá-lo, caso queira. O país possui uma rede de excelentes departamentos de computação em um expressivo conjunto de universidades públicas e algumas confessionais. Em termos absolutos este conjunto de instituições é maior do que vários países de pequeno e médio porte do grupo dos chamados países desenvolvidos. Canalizar estes ativos para a missão de engatar o país no emergente planeta digital é uma tarefa factível — difícil mas não impossível. O desafio da escalabilidade é real, porém não intransponível. 

Uma outra causa é a ausência de visão de futuro, para tornar o Brasil um país mais moderno, competitivo e menos desigual. Aliás, esse é um ponto que deve ser observado nas iniciativas de segurança digital. As ações de segurança digital devem proteger as camadas mais vulneráveis da sociedade. Não podemos reproduzir no mundo online as desigualdades existentes nas políticas de segurança das grandes cidades. 

Segurança digital é prioridade nacional em todos países que contam no mundo. Ou o Brasil se engaja em um esforço nacional para lidar com o tema ou as guerras de facções hoje presentes nos grandes centros urbanos logo se deslocarão para a arena virtual, com o agravante de que a captura do Estado e das grandes empresas por estes grupos poderá ocorrer mais rápido do que seus “stakeholders’’ percebam. 

"As guerras de facções hoje presentes nos grandes centros urbanos logo se deslocarão para a arena virtual"

Por Francisco Gaetani e Virgilio Almeida, no Valor Econômico     


- - - -




No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Coleção As mais belas lendas dos índios da Amazônia” e acesse os 24 livros da coleção. Ou clique aqui

O autor:

No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Antônio Carlos dos Santos" e acesse dezenas de obras do autor. Ou clique aqui


Clique aqui para acessar os livros em inglês