sexta-feira, 23 de abril de 2021

Idosa de SC aprende a ler durante aulas virtuais do neto na pandemia: 'grande passo', diz

Marlene Hinckel de 63 anos aprendeu nas aulas remotas do neto, Eduardo Hinckel, de 7 anos, a ler — Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação

Marlene Hinckel frequentou EJA em 2019, mas não conseguiu se alfabetizar. Segundo filha, em 2020 a idosa assistiu às aulas e usou livros do neto para conseguir ler primeiras palavras.

 

Foi durante a pandemia de Covid-19 que Marlene Hinckel, de 63 anos, conseguiu aprender a ler as primeiras palavras em sua vida. A moradora de Florianópolis aproveitou as visitas diárias da filha e do neto de 7 anos a sua casa durante o ano passado para acompanhar os conteúdos das aulas virtuais do menino, que estava em processo de alfabetização.

"Imagina que me empolguei com a ideia de aprender também, e passei a assistir às aulas e usar os livros da escola dele para tentar ler.[...] Hoje já consigo ler as músicas e versos bíblicos utilizados no culto diário da família. Para mim, isso já é um grande passo”, diz a idosa.

Em 2019, Marlene, que mora sozinha na região do Sul da Ilha, se matriculou e começou a ter aulas na Educação para Jovens e Adultos (EJA). Segundo a filha, Karina Hinckel, a EJA despertou na mãe a vontade de estudar, pois tinha contato presencial com mais alunos na mesma faixa de idade e que queriam aprender, além de ser estimulada pelas professoras e de conhecer o alfabeto. Mesmo assim, a idosa não se alfabetizou. A situação se agravou com a pandemia, quando ela não conseguiu acompanhar as atividades à distância.

Em 2020, com o filho Eduardo em período integral em casa por causa do coronavírus, Karina saiu do emprego e começou a se dedicar a auxiliá-lo nos estudos. Eles passaram a visitar Marlene diariamente para que a idosa não se sentisse sozinha.

Era na casa da avó que o menino assistia às aulas virtuais, sempre com a matriarca atenta a tudo. O apoio de Karina para complementar as explicações das aulas de Eduardo eram estendidas à avó, que usava o material do neto. Assim, Marlene aprendeu a ler.

"A EJA foi fundamental para tudo isso. O apoio veio da escola, das professoras, por isso que ela não quis desistir e está indo em frente, foi graças ao EJA, e esse contato com pessoas tão bacanas, que trataram ela sempre com tanto amor e carinho, que deram tanto valor para essa necessidade e esse sonho dela", diz a filha.

Vida na roça

Marlene é natural de Bom Retiro, cidade na Grande Florianópolis. Ela conta que os pais priorizaram o trabalho dos filho na roça e que trabalhou com eles até completar 25 anos.

"Não tinha escola próxima a nossa casa, tínhamos que caminhar por horas até chegar na única escola, mas meus pais não achavam importante estudar e preferiam manter os filhos trabalhando na roça", lembra.

Depois da roça, veio o casamento e os filhos. "Casei cedo e engravidei em seguida. Por falta de orientação, tive três filhos em seguida, o que me impediu na época de estudar. Mas foi na fase em que meus filhos começaram a frequentar a escola que senti ainda mais a falta dos estudos, pois eu sequer podia ajudá-los", relembra.

Aprendizado já auxilia nas compras

Segundo a idosa, sem saber ler, até as compras no supermercado eram difíceis. Ela conta que não conseguia diferenciar o frasco do shampoo e o do condicionador. Agora consegue comprar os dois produtos. A lista das palavras que a idosa já consegue ler, além de shampoo e condicionador, inclui dado, dia, lua, dedo e casa.

"Nas sextas-feiras havia um projeto da escola onde as crianças liam textos que a professora escolhia e assim, fui lendo os textos e lendo cada dia melhor. Ele logo aprendeu a ler e escrever; já eu, estou tentando [escrever]", afirma Marlene.

O neto, que estuda em uma unidade particular, já retornou para as aulas presenciais esse ano. Com isso, Marlene está sem as atividades remotas do garoto para acompanhar, mas se sente mais motivada e segue estudando em casa com a ajuda da filha, enquanto aguarda a vacinação contra a Covid-19 e o retorno presencial de suas aulas para aprimorar a leitura.

"Meu plano é continuar aprendendo a ler. É muito difícil, dá insegurança e, às vezes, parece que esqueço tudo o que aprendi. Mas quero muito um dia pegar um livro e ler sem precisar de alguém para me corrigir. Ler e entender, esse é o objetivo", afirma.

Por Carolina Fernandes e Valéria Martins, G1 SC


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