Arthur, de 13 anos, era educado pelos pais em casa. Depois de pressão da Justiça, família o matriculou na escola regular. — Foto: Arquivo pessoal |
Defensores do ensino em casa, ainda não permitido no Brasil, apresentam motivações religiosas, políticas ou filosóficas. Críticos apontam preocupação com qualidade do aprendizado e falta de visões de mundo diferentes que convívio escolar proporciona.
Acordar, vestir o uniforme e sair correndo para o
colégio? Esta rotina não fez parte da infância de Arthur Lopes, de 13 anos. Ele
foi educado em casa, e teve como professores… os próprios pais. Só em 2020, por
decisão da Justiça, que o menino foi matriculado em uma escola regular.
No Brasil, a educação domiciliar (ou “homeschooling”,
em inglês) não é permitida. Segundo o G1 apurou, a regularização deste modelo
deve ocorrer ainda no primeiro semestre de 2021, após a votação de um projeto de
lei na Câmara.
O tema é considerado prioritário no governo Bolsonaro,
mesmo diante de problemas educacionais que afetam grupos maiores (exclusão
digital, déficit de aprendizagem durante a pandemia e evasão escolar, por
exemplo).
Nesta reportagem, você vai saber:
O que é 'homeschooling'?
O que pode mudar com a regulamentação?
Existe regulamentação em algum lugar do país?
Quais grupos defendem o movimento?
Discutir a educação domiciliar no Congresso deveria
mesmo ser prioridade?
Para os críticos, a falta da escola traria quais
consequências às crianças?
O que seria ensinado em casa? Haveria um plano
pedagógico?
Quais materiais seriam usados? Quem seriam os
professores?
Como é a rotina de uma família de 'homeschooling'?
Atualmente, o que acontece com uma criança que fica
fora da escola e é educada em casa?
Como entrar na faculdade sem ter estudado em escola?
A educação domiciliar substituiria a tradicional?
Qualquer família conseguiria seguir a educação
domiciliar?
Como a educação domiciliar funciona em outros países?
Por mais que seja uma bandeira da atual gestão, o
debate existe há quase três décadas no país. De um lado, há quem alegue que os
pais devem ter o direito de escolher como educar as crianças. Do outro, estão
especialistas preocupados com as consequências pedagógicas e sociais de manter
um aluno fora da escola.
Educadores críticos ao modelo apontam possíveis
prejuízos na falta de interação, já que um dos maiores ganhos da escola regular
é justamente proporcionar a convivência constante entre pessoas de diferentes
universos.
Também afirmam que o ensino domiciliar poderia
dificultar a identificação de casos de abuso infantil ou de violência
doméstica, que seriam detectados pelos professores na sala de aula convencional
(entenda mais abaixo).
Mesmo sem autorização, em 2019, mais de 11 mil
famílias educavam crianças e jovens fora do ambiente escolar no país, segundo
os dados mais recentes da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned).
São grupos de diferentes perfis, com motivações
religiosas, políticas ou filosóficas. No caso de Arthur, por exemplo, os pais
viajavam muito a trabalho - e optaram pelo "homeschooling" para
estarem sempre próximos da criança.
“Não era nada contra a escolarização formal, e sim uma
opção mais viável e rica para ele”, conta Inês Lopes, mãe do menino.
Havia horários para acordar, fazer atividades de
música e se exercitar. Durante duas horas diárias, ele tinha “aulas de
conteúdo" dadas pelos pais.
A família estava satisfeita com os resultados. Mas,
desde 2017, quando foi denunciada, enfrenta uma batalha judicial para manter o
menino em casa. Foram inúmeras visitas de assistentes sociais, até o juiz
determinar que, mesmo com o bom desenvolvimento acadêmico, seria necessário matricular
a criança em uma escola.
Inês e o marido ainda aguardam os recursos. Mas,
depois da pressão, decidiram ceder e colocar a criança em um colégio regular.
Abaixo, confira perguntas e respostas sobre a educação domiciliar:
O que é
'homeschooling'?
A educação domiciliar ou "homeschooling" é o
modelo adotado por famílias que querem educar seus filhos fora da escola. Elas
mesmas ensinam as crianças ou, se preferirem, contratam professores
particulares.
O que
pode mudar com a regulamentação?
Há 27 anos, projetos de lei são apresentados para
exigir a legalização do movimento. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiu que a educação domiciliar não é inconstitucional, mas precisa de uma
normatização para ser permitida.
Três anos depois, em março de 2021, um dos projetos de
regulamentação avançou na Câmara, e a deputada Luísa Canziani (PTB/PR) foi
nomeada relatora da matéria.
Em entrevista ao G1, ela afirmou que debaterá o tópico
em audiências públicas, com a participação da União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação (Undime), do Conselho Nacional de Secretários de
Educação (Consed) e do Conselho Nacional de Educação (CNE).
“A educação domiciliar não vai deixar de existir,
mesmo sem regulamentação. Por isso, prefiro que o Estado traga alguma forma de
balizar e fiscalizar a prática”, diz.
Segundo ela, é importante que o governo estabeleça
normas de funcionamento para os praticantes do modelo. Seria uma forma de ter
mais controle do que está sendo feito nos domicílios e de evitar casos de
abandono intelectual, violência doméstica ou abuso infantil.
"A intenção não é competir com a escola regular,
e sim detalhar os princípios que devem ser seguidos por quem educa em
casa."
De acordo com Canziani, o texto, que será ainda
debatido e votado em plenário, traz as seguintes determinações:
um dos pais ou responsáveis pela criança no
"homeschooling" deve ter ensino superior completo;
os alunos vão estar vinculados a uma escola pública ou
particular, que monitorará as atividades ocorridas em casa (os detalhes ainda
não foram fechados);
os conteúdos ensinados no domicílio devem seguir a
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que estipula o mínimo a ser
ensinado nas escolas regulares;
as crianças devem ser socializadas (mas ainda não há
um consenso sobre a forma de garantir que isso ocorra);
avaliações periódicas devem acontecer (a frequência
delas - bimestral ou anual, por exemplo - será debatida).
Na Comissão de Educação, em 31 de março, o ministro
Milton Ribeiro afirmou que o "homeschooling" é uma política de
governo. Também disse que os alunos educados em casa participarão de encontros
em uma escola formal, para serem avaliados.
Existe
regulamentação do 'homeschooling' em algum lugar do país?
Sim. Em iniciativas isoladas, o Distrito Federal (veja
detalhes) e os município de Cascavel (PR) e Vitória (ES) regulamentaram o
"homeschooling" em seus territórios.
Entidades relacionadas à educação e opositores do
projeto defendem que o tema só poderia ser transformado em lei pelo Congresso
Nacional. Por constituir uma "modalidade de educação", ele seria de
competência exclusiva da União.
Por isso, no DF, por exemplo, o sindicato de
professores (Sinpro-DF) acionou o Tribunal de Justiça do DF (TJDFT) solicitando
a anulação da lei por inconstitucionalidade.
O advogado Édison Prado de Andrade, doutor em educação
e defensor de famílias que praticam a educação domiciliar, explica que parte
dos ministros do STF votou para que em até um ano fosse discutida uma lei que
regulamentasse o "homeschooling".
"O julgamento foi em 2018, e o Congresso Nacional
não votou. Juridicamente, mesmo que se entenda que deva ser uma lei nacional,
isto abriu margem para os entes federados fazerem suas leis", diz.
Quais
grupos defendem o movimento?
A Aned calcula que, em 2019, cerca de 11 mil famílias,
com 22 mil estudantes entre 4 e 17 anos, praticavam a educação domiciliar no
país. De acordo com o órgão, o número “aumentou assustadoramente” após a
pandemia.
Justamente por ser defendida pelo governo Bolsonaro -
e, principalmente, pela ministra Damares Alves -, a ideia de
"homeschooling" costuma ser associada, no Brasil, a grupos
conservadores. Há, de fato, famílias que querem educar seus filhos em casa por
motivos:
religiosos, para que as crianças aprendam conceitos
como criacionismo (teoria de que o mundo foi criado por Deus), opostos às
teorias científicas ensinadas na escola;
políticos, alegando que os colégios têm
posicionamentos ideológicos esquerdistas - na linha do movimento Escola Sem
Partido.
No entanto, estudiosos do "homeschooling"
garantem que estes grupos listados acima não formam a maioria dos defensores do
movimento no país.
“Existe, sim, uma vertente religiosa, mas não é a
principal. Aqui, outras questões envolvem a decisão da educação domiciliar:
famílias que viajam, pais que estão sempre em trânsito ou comunidades
alternativas”, afirma Maria Celi Chaves Vasconcelos, professora da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Segundo ela, associar o "homeschooling"
apenas a famílias conservadoras é uma “análise simplista”.
“Nos Estados Unidos, a maioria tem a vertente
religiosa, do criacionismo. No Brasil, não dá mais para colocar dentro de um
único estereótipo”, diz.
No Rio de Janeiro, Laura Silva*, por exemplo, escolheu
o modelo para suas filhas por uma questão financeira.
“Eu tinha receio da escola pública, mas a particular
era cara. Foi aí que conheci outras famílias que praticavam a educação
domiciliar e gostei da proposta”, diz. “É um percurso com vantagens e
desvantagens, mas foi muito rico e me deu a oportunidade de passar mais tempo
com a Luana*, minha filha.”
Discutir
a educação domiciliar no Congresso deveria mesmo ser prioridade?
Especialistas criticam que o "homeschooling"
seja colocado como prioridade no país. “Existem outras questões de educação
mais urgentes, gravíssimas, que precisam ser atendidas e que deveriam estar em
pauta no Congresso. Não dá para pensar em desescolarizar um projeto de
escolarização que sequer foi concluído”, afirma Vasconcelos.
Telma Vinha, doutora em educação e professora da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), reforça o mesmo ponto.
“Temos crianças que não conseguem ler e escrever;
estudantes sem acesso à tecnologia… Diante desta tragédia, em vez de pensar em
recuperar a aprendizagem perdida na pandemia, em garantir a segurança para a
reabertura das escolas ou em ir atrás dos alunos evadidos, vamos priorizar uma pauta
de costumes?”, questiona.
O G1 entrou em contato com o Ministério da Educação
(MEC) para saber o posicionamento da pasta, mas não recebeu retorno até a
última atualização da reportagem.
Há também quem pense o oposto: que a educação
domiciliar é uma discussão antiga, de mais de 20 anos, e que deve, sim, ser
regularizada em breve. “Estas famílias [que praticam a educação domiciliar]
estão sendo denunciadas, perseguidas pelo Judiciário, sendo pessoas de bem que
interferem positivamente na educação dos filhos. Isto precisa ser resolvido,
sim”, diz Dias, da Aned.
Para os
críticos, a falta da escola traria quais consequências às crianças?
Telma Vinha, da Unicamp, elenca possíveis
consequências para um aluno de "homeschooling":
riscos
de violência:
Segundo ela, a maior parte dos casos de maus-tratos e
de abuso sexual em crianças é descoberta na escola. Os professores, convivendo
diariamente com os alunos, conseguem perceber sinais dados pelas vítimas, como
alterações de comportamento.
“No 'homeschooling', se tiver visita de assistente
social, precisaria de um tempo maior de contato entre o profissional e a
criança, para se estabelecer uma relação de confiança”, diz. “A escola tem um
aspecto protetor importante. Isso é muito sério. Para mim, só por isso, o
projeto já deveria ser extinto.”
falta
de estímulos na interação social:
Os defensores da educação domiciliar costumam dizer
que a criança continuará tendo contato com pessoas de fora da família, indo a
parques, museus, igrejas ou atividades extracurriculares. Para Vinha, no
entanto, estes tipos de relacionamento não substituem aqueles que ocorrem na
escola.
“Precisa haver
uma relação contínua entre pares, com e sem interferência de adultos, para que
sejam desenvolvidas habilidades emocionais e sociais”, afirma. “A escola traz
uma experiência de brigas, de tirar o brinquedo do outro, de argumentar, de
conviver com quem você não gosta e de precisar se entender para reencontrar a
mesma pessoa no dia seguinte. É um desenvolvimento que demora anos. No clube, a
convivência costuma ser com semelhantes.”
O que
seria ensinado em casa? Haveria um plano pedagógico?
Segundo a deputada Canziani, relatora do projeto de
regulamentação, haverá a necessidade de apresentação de um plano pedagógico a
ser seguido em casa.
O advogado Édison Andrade afirma que haveria três possibilidades
principais:
os próprios pais poderiam formular o programa de
ensino;
caso eles não se sintam preparados para isso,
contratariam um profissional ou empresa que elaborasse o documento;
escola e pais decidiriam, juntos, o conteúdo
pedagógico - com a possibilidade de um modelo híbrido, em que as crianças
frequentariam o colégio apenas em aulas de disciplinas específicas.
Para a professora Telma Vinha, a regulamentação criará
um novo mercado de venda de projetos pedagógicos. Segundo ela, o documento
deveria ser “pensado coletivamente”, em vez de ser comercializado.
Quais materiais seriam usados? Quem seriam os professores?
Luana Silva, filha de Laura, foi educada em casa, por
decisão de seus pais.
No ensino fundamental, eles mesmos tinham condição de
ensiná-la. Depois, no ensino médio, a mãe contratou tutores, que ensinavam
disciplinas específicas, e uma pedagoga, que montava os cronogramas.
Para Vasconcelos, a regulamentação do
"homeschooling" deve acarretar a abertura de novas empresas que
ofereçam, por exemplo, o serviço de aulas particulares. “A terceirização
acontece em outros países que já regulamentaram a educação domiciliar. Nenhum
pai vai dar conta de tudo sozinho”, diz.
Rick Dias afirma que muitas famílias estudam junto com
os filhos, usam plataformas on-line de aprendizagem e compram livros. "Tem
muito material nas redes sociais também, vendidos e compartilhados por
praticantes - é um mercado informal que existe há mais de 10 anos.”
A falta de exigência de um professor é criticada por
parte dos especialistas. Telma Vinha diz que a própria Lei de Diretrizes e
Bases (LDB) determina que os docentes tenham uma formação específica. “Mesmo
que o pai [no 'homeschooling'] seja um advogado, isso é pisar nas nossas leis.
Precisa ter um preparo para ensinar conteúdos e promover o desenvolvimento
integral da criança.”
Como é a rotina de uma família de 'homeschooling'?
Uma das vantagens do "homeschooling",
segundo seus defensores, é a maior liberdade para organizar a rotina de
estudos. Diferentemente da escola, a grade de aulas pode ser mais flexível.
Laura, por exemplo, formou uma rede de contatos com
outras famílias que também praticavam a educação domiciliar. Os tutores
contratados para ensinar disciplinas específicas davam aula presencial para
grupos de 6 ou 7 estudantes, de diferentes idades. Não havia a regra de
separá-los por “série”.
A parceria também se dava na compra de materiais
didáticos. Laura e uma amiga visitavam editoras e pediam descontos.
Além dessas aulas, havia outras atividades pedagógicas
na rotina: de manhã, eram duas horas de leitura em família. Depois, chegava o
momento do exercício e da brincadeira em casa. À tarde, mais duas horas de
conteúdos pedagógicos, além do balé e da natação.
“Fizemos também muitas excursões, fomos a museus,
vivíamos no Teatro Municipal, visitamos a Fiocruz para aprender como são feitas
as vacinas. E a Luana fazia atividades extracurriculares, onde tinha contato
com outras pessoas da idade dela”, conta a mãe.
E como ter certeza de que a menina estava aprendendo?
Os livros adotados em inglês, já voltados para o homeschooling, tinham
perguntas a cada unidade. E nos brasileiros, Laura fazia uma avaliação por
bimestre. “Colocava todos os trabalhos dela em uma pastinha, para ter tudo
documentado.”
A ideia da família era ensinar o que “a escola não
costuma oferecer”. O pai de Luana, por exemplo, trabalhava como mecânico e
ensinava lições de marcenaria à filha.
“É preciso pensar na educação domiciliar como algo
progressista, novo, mesmo que tenha sido abraçado por grupos conservadores.”
Na casa de Inês, a programação do
"homeschooling" de Arthur tinha momentos relacionados a hábitos
saudáveis, como caminhadas digestivas. Veja abaixo:
Atualmente, o que acontece com uma criança que fica
fora da escola e é educada em casa?
Como o ensino domiciliar não foi regulamentado no
Brasil até o momento, as famílias que o praticam ficam em “situação de
ilegalidade”, explica o advogado Andrade. “Elas precisam se ocultar, com medo
de enfrentar o estado”, diz.
Em geral, segundo o especialista, o conselho tutelar é
acionado para intimar os responsáveis a matricular a criança em uma escola.
“Se, ainda assim, não matricularem, as autoridades
podem ingressar com uma representação judiciária na vara da infância, ou então
encaminhar o caso para o Ministério Público. Em geral, o MP determina que a
criança deve entrar na escola, sob pena de multa diária [imposta pelo
magistrado]”, conta.
Como
entrar na faculdade sem ter estudado em escola?
Para ingressar no ensino superior, é preciso
apresentar o certificado de conclusão do ensino médio.
Se o "homeschooling" for regulamentado,
estes alunos poderão participar de processos seletivos como os demais.
Enquanto isto não acontece, nas famílias que praticam
a educação domiciliar, o estudante costuma fazer o Exame Nacional para
Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), uma prova aplicada
anualmente que cobra conteúdos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
É semelhante ao antigo supletivo: voltada para alunos
que não se formaram na idade adequada e que desejam obter o diploma de ensino
fundamental ou ensino médio.
O aluno precisa ter, no mínimo, 18 anos para prestar o
exame e obter o certificado da última etapa escolar (ou 15 anos, para o
fundamental).
Até 2016, era possível usar o Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) para conseguir o diploma. Foi o caso de Luana. Ela fez a prova e
conseguiu prestar vestibular mesmo sem ter frequentado a escola. Depois, fez
faculdade de design gráfico e MBA em marketing digital. Atualmente, mora nos
Estados Unidos e trabalha como gerente em uma empresa de Chicago.
A
educação domiciliar substituiria a tradicional?
Os defensores da educação domiciliar afirmam que a
escola tradicional deve continuar existindo, desde que as famílias tenham
liberdade para escolher se querem matricular seus filhos ou se preferem
educá-los em casa.
“A educação
domiciliar, onde é regulamentada, é seguida por um número pequeno de crianças.
Colocar uma modalidade como conflitante à outra é algo que não procede”, afirma
Vasconcelos.
Telma Vinha, da Unicamp, reforça a importância da
escola tradicional como uma instituição obrigatória. “Não estou defendendo a
escola pública sucateada, com professores desvalorizados. Mas ela precisa ser
fortalecida, em vez de pensarmos em soluções individuais. Ela nos constitui
como sociedade.”
Qualquer
família conseguiria seguir a educação domiciliar?
Durante toda a vida escolar de Luana, Laura trabalhava
em casa, como tradutora. Conseguia acompanhar de perto os estudos da menina.
Depois, quando sua outra filha, mais nova, completou
12 anos, a rotina da família mudou. A mãe não conseguia mais se dedicar à
educação domiciliar, então matriculou a caçula em uma escola regular.
“[O 'homeschooling'] não é um modelo elitista, como
dizem, porque há muitos seguidores de classe média”, afirma Laura. “Mas é muito
difícil para mãe ou pai solteiros, ou para famílias sem capital cultural.”
Para Andrade, o "homeschooling" não cabe a
todos. "O Estado teria de estabelecer quais famílias teriam condições de
praticar a educação domiciliar, para a criança não ficar submetida a um
abandono intelectual", diz o advogado.
"Se não tiver acesso à tecnologia ou se pais não
forem alfabetizados, por enquanto, o aluno vai frequentar a escola em período
integral. [Regularizar o ensino domiciliar] não muda nada para ele."
Como a
educação domiciliar funciona em outros países?
A educação domiciliar é permitida em mais de 60
países, como África do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Estados Unidos,
Canadá, Colômbia, Chile, Equador, Paraguai, Portugal, França, Itália, Reino
Unido, Suíça, Áustria, Finlândia, Noruega e Rússia.
Nos EUA, por exemplo, segundo o Centro Nacional de
Estatísticas de Educação, em 1999, apenas 1,7% das crianças e jovens até 17
anos eram praticantes do "homeschooling". Em 2016, o índice saltou
para 3,3% - mas ainda representava uma minoria.
Para Vasconcelos, não faz sentido alegar, na defesa do
"homeschooling" no Brasil, que outros países já permitiram o modelo.
"A questão é de tempo histórico. É hora de nós pensarmos em regulamentação
domiciliar ou de investirmos na escolarização universal?", questiona.
Ela destaca também a necessidade de adaptar as normas
à realidade brasileira - sem importar modelos do exterior. "Precisamos da
nossa própria forma de como trabalhar a questão, de como lidar com isso nos
diferentes estados."
* Os nomes verdadeiros foram trocados por fictícios, a
pedido das entrevistadas.
Por
Luiza Tenente, G1
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