A gritaria é geral
na área dos defensores da reforma agrária: o projeto para a Lei orçamentária
Anual (LOA) de 2018, enviado pelo governo federal ao Congresso, promoverá
“cortes severos em ações estratégicas para a população do campo, quilombolas e
indígenas” (Instituto Humanitas Unisinos, 6/9). Estudos de instituições da área
apontam queda que pode chegar a 95%, comparados os novos números com os de
2015.0 valor destinado à agregação dc terras no jróximo ano será de R$ 34,2
mihões - quando em 2015 chegou a R$ 800 milhões. Segundo os críticos, essa
quantia pode “aumentar o conflito agrário e a violência no campo”, já que pode
atingir com rigor programas de assistência técnica, produção de alimentos
saudáveis e comercialização de alimentos da agricultura familiar. Do outro lado
ouve-se com frequência, como argumento de defesa, a “crise fiscal”.
Há outros argumentos
de várias fontes interessadas, como o de que ainda há 170 mil famílias no campo
sem habitação, sob lonas pretas cm assentamentos, sem crédito para plantar e
vender a produção (Folha de S.Paulo, 3/2/2017). Em 12 anos, de 2003 a 2015, nos
governos anteriores, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou 678.430
indícios de irregularidades - o que determinou a suspensão em 2016 do Programa
de Reforma Agrária. Só com promessas do governo Temer o TCU permitiu a retomada
de assentamentos. E agora, com alteraçõe s nas leis, o governo promete entregar
750 mil títulos até o ano que vem. A agricultura familiar - dizem as mesmas
fontes - responde por cerca de 38% do valor bruto da produção agropecuária;
gera 74,4% dos postos de trabalho rurais; e produz perto de 50% dos alimentos
da cesta básica.
Mas há também
argumentos de outras fontes que apontam para o Agronegócio como “dono das
terras no Brasil”, já que 53% da malha fundiária é privada no País
(Amazônia.org, 20/3/2017). E, nela, 28% são considerados “grandes
propriedades”, maiores do que 15 módulos fiscais. Áreas protegidas, incluídas
áreas indígenas, somam 27% e os assentamentos, 5%. A Amazônia concentra 98% das
áreas de conservação.
O ponto polêmico
está na informação de que metade da área rural brasieira pertence a 1% das
propriedades, de acordo com estudo divulgado no final de 2016 pela ONG
britânica Oxfam. E os estabelecimentos com menos de 10 hectares significam 47%
do número, embora ocupem menos de 2,3% da área real total dc propriedades e
produzam mais de 70% dos alimentos consumidos no País, nesta área rural total.
Já as grandes propriedades rurais, com mais de mil hectares, detêm 43% do
crédito, enquanto 80% dos estabelecimentos menores conseguem de 13% a 23% do
total. Por isso defende-se ardorosamente na área dos pequenos uma reforma
agrária, com apoio de ONGs nacionais e internacionais. Só nas terras ocupadas
por grandes devedores de impostos, segundo o Incra, seria possível assentar
quase 215 mil famílias. 729 proprietários de imóveis rurais, por exemplo,
declaram ter propriedades com dívidas totais de mais de R$ 50 milhões cada.
Pelo lado oposto, os proponentes dc uma reforma agrária desconcentradora pedem
também um rcdirecionamcnto do crédito rural, pois mais de 400 propriedades com
dívidas de mais de R$ 50 milhões cada devem um total de R$ 200 bilhões. E a
Medida Provisória 733 permitiu que produtores rurais declarassem possuir407
imóveis rurais com dívida de R$ 200 bilhões. Eles poderão, por medida
provisória, liquidar o saldo devedor com bônus entre 60% e 95%. O imposto
territorial rural respondeu por apenas 0,0887% da carga tributária em 2014.
Neste quadro, não
faltam conflitos. Eles geraram, no ano passado, 50 mortes e 1.217 confrontos,
que mataram mais de 2 mil pessoas entre 1964 e 2010 (Comissão Pastoral da
Terra). Discute-se, neste ponto, a questão da pobreza rural e da concentração
de renda.
Dos 4,4 milhões de
estabelecimentos rurais brasileiros, apenas 500 mil responderam por quase 90%
do valor produzido (Estado, 12/4/2016); 24 mil entre eles produziram metade
desse valor. Em 2,9 milhões de estabelecimentos rurais moram famílias
extremamente pobres, que retiram mensalmente, cada uma delas, apenas meio
salário mínimo bruto produzido pela agricultura. Vivem graças ao complemento do
Bolsa Família. Em 1 milhão de propriedades a renda equivale a um salário mínimo
mensal para a média dc quatro pessoas. Um quadro extremamente precário, com
consequências graves nas áreas de saúde, educação e outras.
Parece evidente
para os estudiosos que está reservado ao Brasil um papel exponencial na
economia das próximas décadas. Mas que será com o quadro social? Que políticas
implantaremos, das quais ainda não se vislumbram vestígios? Será preciso
esperar por conflitos graves? Ou seremos capazes de avançar no terreno social e
enfrentar também questões complexas que estão à espera, como a degradação de
solos (no mundo, 30% deles degradados) ? Não faz sentido cruzar os braços e
aguardar conflitos imagináveis na área social ou econômica. Ainda lembrando que
os mais de 7 bilhões de habitantes humanos poderão chegar a 10 bilhões em 2015.
Um único exemplo
demonstra a importância do investimento em infraestruturas básicas no espaço
rural. Estudo do Instituto Trata Brasil (11/9) sobre saneamento no Estado de
São Paulo indica que para levar água e ligações de sistemas de esgotos a todas
as moradias paulistas será preciso investir R$ 26,7 bilhões em 20 anos; mas em
duas décadas os ganhos econômicos e sociais do investimento na expansão dos
serviços nas diversas áreas chegariam a R$ 64,9 bilhões. Os cálculos concluem
que, na média dopcríodo(2015a2035),acada R$ 1 mil investidos na expansão da
infraestruturade saneamento, a sociedade terá R$ 2.326,00 de retorno social no
prazo maior. Não há dúvida dc que o ganho social mais que compensa o
investimento.
Por Washington Novaes, em O Estado de S. Paulo
Para saber sobre o livro, clique aqui. |