Tenho discretas razões para supor que Temer
compreenderá o equívoco de abrir para a mineração, na Amazônia, uma área do
tamanho da Dinamarca. No passado, ele se tornou dono de terras em Alto Paraíso,
e a comunidade que trabalhava há anos ali foi a Brasília pedir ajuda. Terras em
Goiás foram distribuídas a políticos do PMDB. Temer nem sabia exatamente como
eram e o que produziam. Pressionado pelos agricultores alternativos que
trabalhavam ali, Temer resolveu abrir mão de suas terras e as doou à cidade de
Alto Paraíso. Agora, não se trata apenas de alguns, mas de 47 mil hectares. As
terras não são de Temer, mas do Brasil e, de uma forma indireta, de toda a
Humanidade. Quando os militares criaram a reserva, a ideia era pesquisar e
explorar os recursos de uma forma estratégica. Não creio que pensaram nisso
como um momentâneo desafogo a uma crise econômica provocada pela incompetência
e corrupção.
Não quero raciocinar em termos de estatal ou privado, ou mesmo de
nacional ou estrangeiro. Depois que os militares criaram a reserva, muita água
passou por baixo da ponte, ou mesmo por cima, com os eventos climáticos
extremos.
No fim da década dos 1980, o Brasil ainda era um vilão internacional
porque desmatava a Amazônia. Lembro-me de uma reunião de cúpula na Holanda em
que Sarney não foi porque tinha medo de uma reação negativa. Na época, além das
queimadas e de outros fatores, houve ainda o episódio de negarem passaporte a
Juruna.
Com a realização da Rio-92, o maior encontro de estadistas no
pós-guerra, o papel do Brasil começou a se alterar. De vilão ambiental,
tornou-se um interlocutor importante e passou a ser visto como ator decisivo
nos acordos sobre o aquecimento global. A Amazônia tornou-se para o mundo um
espaço a ser preservado, respeitada a autonomia nacional sobre suas terras.
Países como a Noruega acharam que se a Amazônia era importante para a
sobrevivência de todos, deveriam investir nela em projetos sustentáveis. E
fizeram isso.
Você mesmo esteve na Noruega, embora a tenha confundido com a Suécia.
Você mesmo esteve na Noruega, embora a tenha confundido com a Suécia.
A grande crise iniciada em 2008 e fatos posteriores, como a eleição de
Donald Trump nos Estados Unidos, enfraqueceram mas não destruíram a disposição
planetária de contribuir com a Amazônia.
Sua decisão coloca em risco grande parte do trabalho feito por todos nós
para recolocar o Brasil no âmbito dos países comprometidos com a preservação do
planeta. E de uma certa maneira, despreza os potenciais investimentos em
projetos sustentáveis em nome de uma saída que me parece anacrônica e
predatória.
Tudo bem, Temer, você dirá que serão respeitadas as regras ambientais para a mineração. Mas quem percorre Minas Gerais e outros pontos do país constata rapidamente que elas não são respeitadas no Sudeste onde, teoricamente, concentra-se o grosso da fiscalização.
Tudo bem, Temer, você dirá que serão respeitadas as regras ambientais para a mineração. Mas quem percorre Minas Gerais e outros pontos do país constata rapidamente que elas não são respeitadas no Sudeste onde, teoricamente, concentra-se o grosso da fiscalização.
No segundo decreto, você criou um comitê ligado à chefia da Casa Civil
para monitorar as atividades de mineração nessa faixa que engloba parte do
Amapá e do Pará. Não consigo me convencer disso. O chefe da Civil, Eliseu
Padilha, é investigado por crimes ambientais no Mato Grosso e no Rio Grande do
Sul. E as acusações são amplas, vão de desmatamento a construção de pistas de
pouso clandestinas. Pouca gente sabe disso. Mas está disponível na internet e
no próprio Supremo.
Além de arruinar o trabalho de construção da imagem nacional, o governo
nos propõe uma fórmula de controle na qual a raposa toma conta do galinheiro. O
namoro do PMDB com as riquezas naturais da Amazônia vem de longe. Romero Jucá é
o mais destacado parlamentar buscando fórmulas para regulamentar a mineração
nas terras indígenas.
Nesse momento, Temer, você está cedendo às piores influências no manejo
da Amazônia. Se fosse simplesmente um opositor, talvez pudesse me alegrar com
essa decisão. Antes de ser opositor, sou brasileiro e lamento ver o Brasil
caindo de novo naquele desprezo internacional que sentimos em Haia, no fim da
década de 1980. É uma ilusão você pensar que tudo dará certo. Até mesmo Padilha
e Jucá, que devem estar comemorando, não percebem que estão atraindo um furacão
contra eles. Deveriam ser mais discretos, mas a aposta é de levar tudo porque
aqui não se pune ninguém.
No momento em que publico este artigo, estou tentando entrar na reserva,
que não tem acesso fácil. O argumento de que garimpeiros clandestinos estão por
lá não justifica esta abertura às grandes empresas. Aliás, Temer, existe uma
possibilidade de você estar se deixando execrar inutilmente. As empresas que
você quer atrair também estão no mundo e devem sofrer pesadas campanhas em seus
países de origem.
Não me importa que você confunda Noruega com Suécia, Paraguai com
Portugal, ou mesmo reviva a União Soviética. O essencial é não confundir a
Amazônia com Goiás, onde tantas terras foram passadas a líderes do PMDB. É um
lugar tão complexo, capaz de sepultar não apenas os sonhos pioneiros como o de
Henry Ford, mas também as grandes trapaças.
Fernand Gabeira, em
O Globo