Em todo o Brasil, vivem pelo menos 9.552 pessoas que fugiram de 82
diferentes países em decorrência de perseguições ou graves violações de
direitos humanos. Até 2014, a maior parte dos refugiados que elegeram viver em
território brasileiro era originária da África (42%) ou do Oriente Médio (44%),
destacando-se as nacionalidades síria (31%), angolana (14%), congolesa (12%),
libanesa (8%) e colombiana (7,5%).
Esses dados fazem parte da pesquisa Refúgio no Brasil:
caracterização dos perfis sociodemográficos dos refugiados, lançada dia 26 pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O estudo analisa 4.150
concessões de refúgio acolhidas pelo Brasil entre 1998 e 2014, além de
documentos de instituições da sociedade civil e de órgãos internacionais que
atuam com refugiados. Embora o país não seja um destino costumeiro de
refugiados, o mapeamento mostra que houve expressivo crescimento do número de
pedidos na última década. Até 2011, o Brasil registrava 180 deferimentos de
solicitações de refúgio por ano. Em 2015, foram 7.662.
Segundo pesquisadores do Ipea, essa mudança tem como marco a ocorrência
da chamada Primavera Árabe, sequência de protestos que abalaram os países
árabes a partir de 2010, e a guerra civil na Síria, que tem grande impacto no
Líbano. Até 2012, eram 50 refugiados sírios no Brasil, número que chegou a
1.739 apenas dois anos depois. No caso dos libaneses, o aumento proporcional
foi de 1.255,17% entre 2011 e 2014, conforme a pesquisa elaborada em parceria
com o Comitê Nacional para refugiados (Conare) e o Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados (Acnur).
A explosão do número de refugiados é um desafio para todo o mundo. Em
2016, o número de indivíduos que migraram em razão de guerras ou perseguições
alcançou o maior valor desde a Segunda Guerra Mundial: 65 milhões de pessoas,
de acordo com as Nações Unidas. “O refugiado é consequência, não é causa. Ele
sai de onde está por questões políticas, de perseguição religiosa ou outras
condições que tornam menos digno estar onde ele vive”, destacou o presidente do
Ipea, Ernesto Lozardo, que comemorou o fato de a legislação brasileira ser
reconhecida, em todo o mundo, como uma das mais progressistas no que tange à
recepção dessas pessoas. “O Brasil tem um arcabouço que pode acolher, uma lei
de refúgio que garante a dignidade das pessoas”, destacou.
Dois tipos de imigração
Os casos analisados pelo Ipea foram divididos em dois grupos:
solicitações por elegibilidade, quando as pessoas chegam espontaneamente às
fronteiras do país e buscam acolhida, e pedidos de reassentamento, quando, por
meio da Acnur, refugiados são deslocados de outros países em que buscaram
proteção. Nesta situação, foram identificadas 168 solicitações, envolvendo,
sobretudo, colombianos (68%) e palestinos (21%). Já 3.982 procederam via
elegibilidade, o que representa 89,1% do total.
Além da nacionalidade, entre os dois grupos há diferenças de gênero que
evidenciam o fato de que as mulheres são registradas, sobretudo, como
acompanhantes, de acordo com o Ipea. Entre os reconhecidos via elegibilidade,
73% são do gênero masculino e 27% do feminino. No caso dos reassentados, os
números são 55% e 45%, respectivamente. Em ambos os casos, o perfil predominante
é de pessoa do sexo masculino e com idade entre 18 e 59 anos. Nessa faixa
etária estão 80% dos integrantes do primeiro grupo e 70% do segundo.
Em relação à escolaridade, a pesquisa indica que muitos refugiados têm
formação escolar, seja ensino básico (elegibilidade 19% e reassentamento 29%),
nível médio (elegibilidade 29% e reassentamento 21%) ou nível superior/formação
técnica (elegibilidade 22% e reassentamento 14%). Apesar da qualificação, a
inserção dessas pessoas no mercado de trabalho é um desafio. Um dos principais
entraves é a língua, já que apenas 21% dos titulares declararam falar o
português no momento da solicitação de refúgio. Entre os idiomas mais comuns,
estão o árabe, o inglês, o francês, o espanhol e o lingala (língua originária
da República Democrática do Congo).
Nos quatro anos posteriores à aprovação da Lei 9.474/97, marco legal
sobre refugiados no Brasil, os estados mais procurados foram São Paulo e Rio de
Janeiro (RJ). Com o passar do ano, São Paulo continuou concentrando o maior contingente
de refugiados (26%), mas outros locais foram inseridos na rota dos refugiados,
como Acre (22%), Rio Grande do Sul (17%) e Paraná (12%), conforme dados de 2014
da Acnur destacados na pesquisa.
A dramaticidade da situação vivida em seus países faz com que muitos
sequer tivessem a possibilidade de escolher para onde vão. Dos refugiados
investigados, somente 56% afirmaram saber que o Brasil era o país de destino.
“Essas pessoas vão para onde há condições de sobrevivência”, destacou João
Brígido Bezerra Lima, pesquisador do Ipea e um dos autores do livro lançado
hoje. Os refugiados passam, então, a morar e a desenvolver atividades
precárias, daí porque “o caráter de vulnerabilidade fica associado a eles”, o
que pode se revelar na forma de preconceito.
Diante dessa situação, o governo brasileiro espera que a pesquisa possa
contribuir no desenvolvimento de políticas públicas. Essa expectativa foi
expressada pelo secretário nacional de Justiça e Cidadania do Ministério da
Justiça, Astério Pereira dos Santos. “Aqui [na pesquisa], nós temos vários
insumos fundamentais para o implemento de políticas públicas voltadas aos
refugiados”, afirmou. Ele destacou que, embora o Brasil tenha uma legislação de
vanguarda, “é importante que haja políticas voltadas para que esta lei possa
ter efetividade”.
Migrantes venezuelanos
Oficial da Acnur, Paulo Sérgio de Almeida apontou que o Brasil vive hoje
o desafio de dar efetividade à legislação sobre imigrantes. Isso porque o país
tem recebido um grande contingente populacional de venezuelanos. A chegada
maciça deles ocorreu nos últimos dois anos, por isso não foi destaca na
pesquisa do Ipea. Não obstante, estudo do Conselho Nacional de Imigração
(CNIg), com o apoio da Acnur, lançado recentemente,
[http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2017-09/pesquisa-51-venezuelanos-nao-indigenas-no-brasil-recebem-menos-de]
mostrou que 16 mil venezuelanos migraram recentemente para o Brasil, sendo que
mais de 8 mil atravessaram a fronteira apenas no ano de 2017.
A maior parte dessa população está em Roraima, estado que tem contado
com o apoio do governo e da Acnur para estabelecer políticas de recepção,
acolhida e integração. Esses migrantes não se enquadram necessariamente como
refugiados, já que muitos não vieram ao Brasil para fugir de perseguição, mas
buscando condições melhores de vida. Apesar dessa situação, eles também têm
enfrentado empecilhos para obter postos de trabalho à altura da sua
qualificação e mesmo para participar da vida cultural do Brasil. Diante desse
quadro, Paulo Sérgio de Almeida lembrou que a presença de pessoas de outras
nacionalidades deve ser vista como oportunidade para o Brasil, já que elas
contribuem aportando conhecimentos e diversidade cultural.
Diretor do escritório da Comissão Econômica para a América Latina
(Cepal) no Brasil, Carlos Mussi explicou que a situação de Roraima é
ilustrativa desse desafio, que não está relacionado apenas aos recursos, mas à
complexidade que é desenvolver políticas em várias áreas e com a participação
de diferentes entes federativos. Para ele, a capacidade de responder a
situações inesperadas de refúgio definirá o papel que o Brasil poderá
desempenhar no cenário mundial.
Da Agência Brasil
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