Patrimônio artístico se deteriora nos palácios
Investigação
descobre obras de arte e móveis com sérios danos no Planalto e no Alvorada
BRASÍLIA - Uma
investigação aberta a pedido da Diretoria de Documentação Histórica da
Presidência da República descobriu obras de arte e móveis de época seriamente
danificados nos Palácios do Planalto e da Alvorada. Além disso, encontrou um
depósito com relíquias empilhadas como se fossem entulho. No Alvorada, duas
telas de Cândido Portinari – avaliadas em R$ 60 milhões – estão em estado
crítico e a tapeçaria Múmias, de Di Cavalcanti, apresenta manchas e
descoloração.
O inventário
constatou, ainda, o sumiço do vaso de cerâmica pintado por Eliseu Visconti, que
pertence à coleção do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. O
dossiê ao qual oEstado teve acesso também indica que um vaso oriental do século
19 apareceu quebrado e aparentemente foi “remendado” com cola, sendo devolvido
nesse estado para aquele museu.
Até agora, o
governo abriu seis processos de sindicância para apurar os danos ao patrimônio
público e se houve negligência na manutenção do acervo de cerca de 13 mil bens
móveis, artísticos, históricos e culturais, conforme determinação do Tribunal
de Contas da União.
No depósito que
abriga “bens inservíveis” dos palácios foram resgatados tapetes persas
esburacados e outros dois da Casa Caiada – um deles com 20 metros quadrados,
feito especialmente para a Presidência –, com rasgos nas pontas.
Da ação de fungos
ao mofo, passando pelo ressecamento, várias foram as avarias encontradas em
quadros, gravuras, tapetes e móveis, muitos expostos sem piedade ao sol. Nessa
lista estão duas poltronas Oscar, de Sérgio Rodrigues, com assento e encosto em
palhinha à espera de socorro, além de uma tela de Alberto da Veiga Guignard,
castigada por manchas.
Em dezembro, 48 das
49 obras emprestadas pelo Museu de Belas Artes ao governo, em regime de
comodato, foram devolvidas pela administração de Michel Temer, causando grande
polêmica.
Para Antônio Lessa,
diretor de Documentação Histórica do gabinete presidencial, a devolução das
peças era uma necessidade. “Havia danos em mais de 80% das pinturas e todas as
obras precisavam de alguma medida de conservação”, disse Lessa.
A situação mais
dramática, porém, foi verificada na sala de estar do Alvorada. Cedidos pelo
Banco Central, os quadros Jangada do Nordeste e Seringueiros, assinados por
Portinari e segurados em R$ 60 milhões, apresentam rachaduras na pintura. Nas
próximas semanas, serão encaminhados para restauro e substituídos por réplicas.
Um ofício enviado
pelo governo ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
solicita a “instalação de película refletiva com filtro de raios UV na fachada
de vidro” do Alvorada para atingir os “parâmetros mínimos de temperatura e
luminosidade” necessários à preservação das obras de arte.
O Iphan também foi
o órgão que autorizou a rede de proteção na varanda do Alvorada, para a
segurança de Michelzinho, de 7 anos, filho do presidente. O fato provocou
protestos do excurador Rogério Carvalho, que definiu a iniciativa como “uma
barbaridade deplorável”. Temer e a família não se acostumaram com o Alvorada e,
pouco mais de uma semana após a mudança, voltaram a morar no Jaburu.
Cúpula. A
sindicância da Diretoria de Documentação Histórica ainda não avaliou o estado
do acervo no Jaburu e na Granja do Torto. A prioridade de Lessa, agora, é
restaurar os Portinari, instalar câmeras de vigilância e uma cúpula de vidro
reforçado para proteger as obras no Planalto e esvaziar os depósitos, onde
repousam camas de jacarandá, peças assinadas por Joaquim Tenreiro, sofás de
design e mais de cem cadeiras Tião e Kiko, também de Sérgio Rodrigues.
“Isso tudo é uma
lástima”, afirmou Lessa. “Esses senhores que se dizem curadores criticam a
devolução das obras para o museu, mas deveriam estar atentos à conservação do
acervo, e não só à decoração.”
Ex-curador dos
palácios no governo Dilma Rousseff, o arquiteto Rogério Carvalho reagiu no
mesmo tom. “Essa criatura (Lessa) não tem a menor ideia do trabalho que fizemos
porque é advogado e não entende nada”, rebateu ele. “Quando cheguei lá no
Planalto, aquilo era um pardieiro. Tivemos de recuperar tudo. Os tapetes não
foram rasgados na gestão da Dilma nem do Lula. Foram antes.”
O ex-diretor de
Documentação Histórica Cláudio Rocha contou que Dilma pediu a restauração dos
tapetes do Alvorada e resgatou cadeiras originais do salão de banquetes. “O
problema é que a administração dos palácios é negligente. Prefere muito mais
cuidar de carro e apartamento funcional do que de obras de arte.”
Por Tânia Monteiro e Vera Rosa, em O Estado de São
Paulo
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