Os políticos estão invertendo as
prioridades. Em primeiro lugar, serão julgados pelos eleitores. Só depois é que
serão julgados pelo Supremo
Tentativa de anistiar caixa dois vai
arrasar sistema político. Assim que foram homologadas as delações de Odebrecht,
começou um movimento para anistiar o caixa dois e separar o joio do trigo. Se
me lembro bem da parábola em Mateus, todos, mesmo os mais simples de espírito,
queriam separar o joio do trigo. A sabedoria de Cristo foi indicar quando isso
era possível, o momento em que, realmente, se separa o joio do trigo. Na crise
do sistema político brasileiro também existe um momento adequado para separar o
joio do trigo: o fim das investigações.
De nada adianta construir um arsenal de
leis protetoras antes que as investigações precisem o que representa cada caso.
Muitos acham que essa teia de proteção é necessária para preservar o sistema
político. Mas qualquer tentativa nesse sentido vai arrasar ainda mais sua
credibilidade. Disseram, por exemplo, que a Lava Jato estava criminalizando as
doações oficiais e que esse erro foi seguido pelo Supremo, que tornou réu o
senador Valdir Raupp. Todos sabem que não é bem assim. Não se criminalizou
doação oficial. O que estava em debate era o uso da doação oficial para
mascarar propina.
Se aceitamos essa tese, o comércio de
joias também foi criminalizado no Rio. No entanto, as joias continuam sendo
vendidas com liberdade. O que foi denunciado em alguns joalheiros foi o uso de
sua estrutura legal para esconder a fortuna de Sérgio Cabral. Além disso, toda
essa história em torno do caixa dois não cola. Aliás, não cola desde o
mensalão, quando as doações eram chamadas de “recursos não contabilizados”.
É difícil convencer de que algo
enraizado na cultura política brasileira não seja crime. Se acreditassem nessa
complacência cultural não usariam mensageiros e senhas para camuflar a
operação. Talvez o jogo de bicho, com as banquinhas na rua, possa reclamar essa
tolerância social. Caixa dois, não. Se examinarmos, friamente, a perspectiva
dos políticos, eles estão invertendo as prioridades. Em primeiro lugar,
possivelmente, serão julgados pelos eleitores. Só depois é que serão julgados
pelo Supremo. Ao se lançarem numa prematura batalha jurídica, inclusive com
aquelas leis da madrugada, vão ser julgados com muito mais severidade no
universo da política.
O único fator que poderia dar mais
celeridade ao processo jurídico seria o fim do foro especial. Nesse caso, seria
possível contar com julgamentos políticos e jurídicos mais próximos um do
outro, antes das eleições de 2018. Esta semana, revelou-se mais um vez como os
políticos jogam com o foro privilegiado como um escudo. O governador Pezão
nomeou secretária uma ex-deputada, Solange de Almeida, acusada de ser cúmplice
de Eduardo Cunha. Ela assinava os requerimentos com os quais Cunha pressionava
empresas em busca de propina. Pezão tem foro especial. Trouxe Solange para seu
círculo de detentores de foro especial e, com ela, procurava livrar Cunha de,
pelo menos, um processo nas mãos de Sérgio Moro.
Pezão voltou atrás. Mas as pegadas são
de um gigante. Inicialmente disse que não se importava com Solange ser ré
porque também ele, Pezão, era investigado. Em seguida, afirmou que cancelou a
nomeação porque soube que Solange já estava condenada em segunda instância, por
improbidade administrativa. Se fosse condenada apenas em primeira instância,
talvez ele aceitasse. Na verdade, não está se importando mais com o que pensam
os eleitores. Assim, como, aliás, não estão mais se importando alguns senadores
que decidiram ocupar todos os espaços para se defender da Lava Jato, inclusive
escolhendo Lobão como presidente da CCJ.
A manobra fracassada de Pezão apenas
serviu para mostrar que o foro privilegiado é o instrumento preferido para
proteger alguém da Justiça comum. É um método que ficou célebre com o Bessias
levando o documento de posse para Lula e, de uma certa forma, se repetiu na
nomeação de Moreira Franco por Temer. As coisas estão ficando muito nítidas. E
eles já não estão se importando com isso. A tentativa de novas leis de proteção
revela o desespero de quem não já não se contenta apenas com o foro
privilegiado. Um líder do PT chegou a dizer que a Justiça não sabe o que é ou
não é crime, logo era preciso fazer leis específicas para orientá-la nesse
universo da corrupção política. E esta é a grande tentação pelas quais passam
nesse momento. Criar as leis que possam salvá-los da Justiça, pois têm como
certa a hipótese de que se salvam nas eleições.
Provavelmente vão se ferrar, tanto numa
como na outra. Mas se julgam os caras mais espertos do Brasil. Curitiba e Bangu
estão cheios de gente esperta, mas, ainda assim, estão de braços abertos para
novos candidatos.
O Globo
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O livro contém o texto original de Nicolai Gogol, a peça teatral “O inspetor Geral”. E mais um ensaio e 20 artigos discorrendo sobre a realidade brasileira à luz da magnífica obra literária do grande escritor russo. Dessa forma, a Constituição brasileira, os princípios da administração, as referências conceituais da accountability pública, da fiscalização e do controle - conteúdos que embasam a política e o exercício da cidadania – atuam como substrato para o defrontar entre o Brasil atual e a Rússia dos idos de 1.800.
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