Para Joaquim
Falcão, da FGV, há na Corte um excesso de protagonismo dos ministros
O excessivo
protagonismo dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), e não da Corte em
si, foi criticado ontem por participantes do Fórum Estadão, que debateu os
reflexos, na economia, da muitas vezes tensa relação entre os Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário. “Não temos um Supremo, mas 11 Supremos”,
resumiu o diretor da FGV Direito Rio, Joaquim Falcão, cuja declaração provocou
o primeiro momento de aplausos da plateia presente ao evento, ontem, em São
Paulo. Falcão lembrou que 90% das decisões na Corte são monocráticas e que cada
ministro tem o próprio tempo para proferir decisões. “É como se fosse uma
primeira instância”, disse.
Coordenador do
Supremo em Pauta, projeto da FGV que tabula dados da mais alta Corte do País,
Falcão afirmou que, apesar de a lei estabelecer que um pedido de vista deve ser
devolvido ao plenário em, no máximo, 30 dias, a média de devolução de um
ministro do STF é de um ano. “Nós, como sociedade, gostaríamos que o Supremo
respeitasse os prazos”, disse. Ele sugeriu que no STF fosse adotada a regra
usada no Superior Tribunal de Justiça (STJ). No STJ, quando o pedido de vista
chega ao 30.º dia, o presidente, obrigatoriamente, o coloca em plenário para
votação.
A sugestão recebeu
apoio do ex-ministro da Corte Carlos Ayres Britto, também debatedor do fórum.
Ayres Britto ponderou afirmando que o protagonismo no Supremo não lhe
impressiona se isso significar “coragem de tomar decisões sob ponto de vista
próprio e independência”. “Num país de subserviência, sobretudo em face do Poder
Executivo, o ministro precisa de muita coragem para assumir a própria
independência.” Ayres Britto observou que é melhor, do ponto de vista
democrático, que cada ministro converse um pouco com os outros para evitar o
que chamou de “ditadura do colegiado”. “Já pensou todos os 11 ministros
pensando com a mesma cabeça? Nenhum saindo da caixa e combinando decisões nos
bastidores?”
Para o ex-ministro,
o grande problema enfrentado no Supremo ainda é o excessivo número de processos
sobre os quais os ministros são obrigados a se debruçar. “Enquanto houver esse
número de processos tão avassalador, que cada ministro estude seu processo,
leve para o pleno e dê seu ponto de vista. São 11 ilhas, sim, contanto que cada
um seja independente.” Trabalho. Outros setores do Judiciário também foram
criticados, principalmente por atrapalhar o crescimento econômico, segundo
debatedores. Para o economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no
governo José Sarney, se, de um lado o Judiciário contribui para sanear o sistema
político brasileiro, como no caso da Operação Lava Jato, de outro “continua a
ser fonte de distorções e incertezas, o que inibe a expansão do potencial de
crescimento”.
O economista
sugeriu a inclusão de disciplinas de Economia nos cursos de Direito, para que
juízes tenham noção das consequências econômicas de suas decisões. “O
Judiciário tem muito a contribuir para o desenvolvimento da economia, na
criação de emprego e renda. Não pode ficar parado no tempo.” / MÁRCIA DE
CHIARA, FRANCISCO CARLOS DE ASSIS, THAÍS BARCELLOS E VALMAR HUPSEL FILHO
EMBATES
Pacote
anticorrupção
Em dezembro
passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux determinou a devolução
do projeto anticorrupção à Câmara. Fux falou em “desfiguração” das propostas
pelos deputados. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ) disse que houve
“intromissão indevida”.
Abuso de autoridade
Na aprovação do
pacote anticorrupção na Câmara, foi incluída a previsão de crime de abuso de
autoridade para magistrados e integrantes do Ministério Público. A proposta foi
chamada de “Lei da Intimidação” por procuradores da Lava Jato.
‘Juizeco’
Após operação que
prendeu agentes da Polícia Legislativa suspeitos de agirem em benefício de
senadores, em dezembro, o então presidente do Senado, Renan Calheiros
(PMDB-AL), chamou o juiz que autorizou a ação, Vallisney de Souza Oliveira, de
“juizeco”. O Supremo reagiu. l
Afastamento de
Renan
O ministro Marco
Aurélio Mello, do STF, determinou o afastamento de Renan da presidência do
Senado em dezembro. A Mesa Diretora da Casa, porém, publicou entendimento
contrário à liminar e Renan aguardou no cargo decisão do plenário da Corte.
Lei Geral das
Telecomunicações
O ministro do
Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso determinou, em fevereiro deste
ano, o retorno do projeto para o Senado. A Casa, no entanto, descumpriu a
determinação da Corte e despachou o projeto para o Executivo.
Foro privilegiado
Em meio às
discussões sobre possível restrição ao alcance da prerrogativa por ministros do
Supremo Tribunal Federal, pelo menos 12 Propostas de Emenda à Constituição
(PECs) que tratam do fim do foro privilegiado estão paradas no Congresso.
Judiciário ocupa ‘vácuo’ deixado por Legislativo ruim,
avalia Loyola
Para economista, há
um espaço que foi ocupado por juízes, que passaram a decidir políticas públicas
O excesso de poder
do Executivo e a ineficaz atuação do Legislativo, principalmente na criação de
leis “confusas, genéricas e utópicas”, foram alvo de críticas dos participantes
do Fórum Estadão ontem. O principal foco das reclama- ções do participantes
foram os reflexos dessas características no andamento da economia. Para a
economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, o excesso de poder do
Executivo criou situações “excêntricas”, como aprovações de créditos do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sem o devido controle
social, a aprovação da Medida Provisória do setor elétrico e a desonera- ção da
folha de pagamento.
“A própria criação da
Medida Provisória é um exemplo disso”, afirmou a economista. Pedaladas fiscais.
De acordo com Zeina, se o Executivo não tivesse tanto poder concentrado e
houvesse um funcionamento a contento das instituições brasileiras, a presidente
cassada Dilma Rousseff (PT) nem sequer teria tomado posse após vencer as
eleições presidenciais em 2014 por causa das informações que o Tribunal de
Contas da União (TCU) já possuía sobre as chamadas “pedaladas fiscais” –
operações de crédito com bancos públicos para aliviar a situação fiscal do
governo federal.
“Houve tantas
arbitrariedades no Executivo que não foram limitadas pela Constituição. Se as
instituições funcionassem, Dilma não teria nem sido diplomada porque, em 2014,
a questão das pedaladas já estava bem avançada”, disse a economista da XP.
Segundo Zeina, a diferença entre os governos de Michel Temer e de sua
antecessora está na disposição em dialogar com o Congresso. “A eleição do
expresidente da Câmara e hoje deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi uma
consequência da incapacidade do governo Dilma de dialogar com o Legislativo”,
disse. Expresidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria
Integrada, o economista Gustavo Loyola criticou o trabalho do Legislativo. Ele
creditou o atual protagonismo do Judiciário à má qualidade do Legislativo.
Preocupação.
Na opinião do
economista, os magistrados estão ocupando um “vácuo” deixado pelo processo
Legislativo. “Nosso problema não é o Judiciário, mas o Legislativo, que é muito
ruim. O Judiciário passou a decidir por políticas públicas, o que deveria cair
sobre o Legislativo e Executivo”, observou o ex-presidente do Banco Central.
Loyola manifestou, contudo, preocupação com as consequências dessa
judicialização para as contas públicas. “Eu me preocupo com a crise estrutural
das contas públicas. Como o Judiciário vai conciliar a prestação de serviços
sociais e a restrição orçamentária?”, questionou.
“É o Judiciário, de
fato, que tem de limitar esses direitos sociais”, concluiu. Ameaça. Sobre os
desdobramentos econômicos, Loyola afirmou que, no curto e médio prazos, a
imprevisibilidade das políticas públicas, que, inevitavelmente, passarão pelo
crivo da Justiça, prejudica os investimentos e o crescimento da economia. Já no
longo prazo, avaliou o economista, o “apequenamento da política ameaça a
própria democracia”.
O Estado de São Paulo
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