Iramis Solano foi à Justiça para
renovar contrato no Mais Médicos. Ela também quer receber o salário integral,
sem o confisco de quase 75% imposto por Cuba
A médica cubana
Iramis Maria Camejo Solano, há quase três anos trabalhando no Mais Médicos,
conseguiu na Justiça o direito de prolongar sua permanência no programa. A
decisão do juiz federal Renato Câmara Nigro, da Justiça Federal em Campinas,
obriga o governo federal a renovar o contrato de trabalho da médica, que vence
em março – sem a decisão, ela teria de retornar para Cuba.
Mas há um outro
pedido, ainda nas mãos do juiz, que poderá mudar a configuração do Mais
Médicos, pelo menos para os profissionais de Cuba a serviço no Brasil: Iramis
quer receber o salário integral, sem descontar a parte que o Brasil, por
contrato, destina ao governo cubano.
Pela negociação
fechada com Havana pelo governo petista de Dilma Rousseff, o Brasil paga pelos
serviços de cada médico cubano 11.500 reais,
que são repassados diretamente ao regime de Raúl Castro. Apenas uma
parte desse valor, 2.976 reais, é destinada aos profissionais. Iramis, que dá
expediente em um posto de Campinas, quer receber o valor integral – a exemplo
dos médicos brasileiros e de outras nacionalidades que servem ao programa.
Nesta entrevista a
VEJA, a médica falou sobre os problemas
que ela seguramente terá com o governo de Cuba por causa do pedido feito à
Justiça brasileira.
A senhora está satisfeita com a decisão do juiz?
Para mim foi uma
surpresa boa. Estou muito grata. Quero ficar no Brasil. O tratamento com os
cubanos no programa Mais Médicos é diferente. Acho um pouco injusto não ter o
mesmo tratamento dado a outros médicos estrangeiros. Eu já ajudei bastante meu
país durante três anos. Acho que eles ficaram com boa parte do salário nosso.
Foi uma ajuda da minha parte para meu país, eu contribuí muito e acho justo que
eu tenha o direito, sou médica e, estou querendo fazer minha vida no futuro.
A sua família está toda em Cuba?
Tenho dois primos
no Brasil. Um é treinador de tênis, mora aqui há 20 anos. Outro primo que está
há 3 anos no Brasil. Meu filho está lá, mas está vindo dentro de pouco tempo.
Ele já veio duas vezes. É assim, eu vou de férias, e ele vem. Mas minha família
está lá. Eles podem vir, podem ficar comigo aqui.
Quanto a senhora recebe hoje?
Do salário total
que o Brasil paga para Cuba, eu recebo 2.976,26 reais. A prefeitura (de
Campinas, onde ela trabalha) paga moradia e alimentação.
Essa parte, com os descontos, é suficiente para um
médico viver bem?
É muito pouco, a
gente se vira, não pode comprar uma coisa de luxo. É uma vida bem simples. O
salário está baixo, a economia tem apresentado dificuldades aqui no Brasil
desde 2015, a inflação subiu, há muita dificuldade. É um salário que, na
verdade, não é bom.
A senhora teme sofrer retaliação do governo de Cuba por
ter pedido o direito de receber o salário integral?
As consequências
são duras. Eles têm uma lei que, se você abandona a missão médica ou fica no
outro país quando está num trabalho médico, você não pode entrar lá em oito
anos. Para mim, isso é bem difícil. Eu até posso trazer a minha família, eles
podem vir, mas tenho outros familiares lá que não podem vir, tenho minha avó,
tenho primos. Amo meu país, gosto do meu país, mas a lei acho que é um pouco
injusta.
A senhora está disposta a passar oito anos impedida de
voltar a Cuba?
Se eu sair fora do
contrato que tenho com eles, para ficar num contrato independente, é como se eu
tivesse abandonado o Mais Médicos. Eles têm essas leis. É difícil para nós. Eu
acho isso injusto.
Eles chegaram a ameaçar a senhora por ter entrado na
Justiça?
Não me ameaçaram,
nem sabem o que estou fazendo. Simplesmente procurei o advogado e expliquei o
que estava querendo fazer e fiz. Estou trabalhando normalmente. Nem falei para
meus coordenadores de Cuba. Minha intenção é ficar com meu salário integral.
A expectativa da senhora é que o juiz conceda o salário
integral para a senhora?
Sim. Estou no prazo
de terminar minha missão, ajudei bastante meu país, trabalhei durante esses
três anos, minha população em Cuba está muito contente, muito grata pela minha
atenção, vou continuar sendo a mesma médica, cada vez melhor. Eu agora tenho
que me virar para mim, para minha família. Fiquei três anos, às vezes com
depressão, às vezes com saudades. A operadora de telefonia ficou milionária
comigo, porque eu ligo sempre para Cuba, é bem difícil. Nós enfrentamos um
monte de coisas, preconceito, inicialmente até da população, de funcionários,
lá dentro da unidade, muitas vezes, enfrentamos muitas coisas. Superei tudo
isso, fui uma boa profissional, tudo para ajudar o povo do Brasil e para
melhorar a economia (de Cuba), mas está na hora de eu fazer mais para mim e
para minha família.
Sua iniciativa deve inspirar outros médicos cubanos?
Acho que outros
médicos cubanos vão seguir esse exemplo. No geral, no Brasil há gente que tem
interesse de entrar na Justiça e que quer ficar no programa.
Por Hugo Marques, na veja.com