Para
a jurista Eliana Calmon, escândalo de corrupção que já respingou no Executivo e
no Legislativo precisa alcançar todos os poderes
Não é de hoje que a jurista Eliana
Calmon, de 72 anos, polemiza com seus pares da magistratura. Em 2011, quando
ocupava o cargo de corregedora nacional de Justiça, ela afirmou que “bandidos de toga” estavam infiltrados no Judiciário. A
declaração a colocou em rota de colisão com associações de juízes e
magistrados, e posteriormente ela disse ter sido mal interpretada: "Eu sei
que é uma minoria. A grande maioria da magistratura brasileira é de juiz correto".
Seis anos depois, com o país mergulhado no escândalo de corrupção da Petrobras,
que mobiliza juízes de diversas instâncias com processos da Operação Lava
Jato, Calmon volta à
carga, e afirma que é preciso apurar a responsabilidade do Judiciário no caso.
Pergunta. Como você avalia a Lava Jato até o momento?
Resposta. A Lava Jato foi um divisor de águas para o país. A partir dela
vieram à tona as entranhas do poder brasileiro, e sua relação com a corrupção em todos os níveis de Governo. Mas para que tudo isso fique muito
claro, seja passado a limpo de fato, precisa se estender para todos os poderes.
Muitos fatos envolvendo o Executivo e o Legislativo vieram à tona, mas o
Judiciário ficou na sombra, é o único poder que se safou até agora.
P. Você
acha que membros do Judiciário também tiveram um papel no escândalo de
corrupção?
R. O
que eu acho é o seguinte: a Odebrecht passou mais de 30 anos ganhando
praticamente todas as licitações que disputou. Enfrentou diversas empresas
concorrentes, muitas com uma expertise semelhante, e derrotou todas. Será que
no Judiciário ninguém viu nada? Nenhuma licitação equivocada, um contrato mal
feito, que ludibriasse e lesasse a nação? Ninguém viu nada? Por isso eu digo
que algo está faltando chegar até este poder. Refiro-me ao Judiciário como um
todo, nas três instâncias. Na minha terra, na Bahia, todo mundo sabia que ninguém ganhava nenhuma causa contra a Odebrecht
nos tribunais. O que eu questiono é que em todas estas décadas em que a empreiteira
atuou como organização criminosa nenhum juiz ou desembargador parece ter visto
nada... E até agora nenhum delator mencionou magistrados.
P. Mas
não existe um corporativismo no Judiciário que dificultaria processos contra os
magistrados?
R. Os
juízes exercem atividade jurisdicional para serem isentos. Ponto. É o seguinte:
o juiz de primeiro grau é processado perante o próprio tribunal. O de segundo
grau é processado pelo Superior Tribunal de Justiça, e os ministros pela
Suprema Corte.
P. Como
vê a indicação do senador Edison Lobão (PMDB-PA), investigado pela Lava Jato, para a presidência da
Comissão de Constituição e Justiça do Senado?
R. Um
presidente que está com seu ibope tão baixo quanto está o Michel Temerdeveria ser mais cauteloso. Do ponto de vista jurídico nada impede que
ele articulasse com a bancada do PMDB no Senado para colocar o Lobão na presidência.
Mas em razão do envolvimento dele no processo da Lava Jato melhor seria que ele
ficasse de fora. Por outro lado, a decisão era da bancada do partido, que é
majoritária, então isso é normal. Se não fosse o Lobão ia botar quem? Está todo
mundo comprometido. Você fecha o olho e pega um parlamentar... Pegou um
corrupto! Pegou outro, corrupto!
P. O que achou da indicação do ministro da Justiça licenciado, Alexandre de Moraes, para a
vaga de Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal?
R. Eu
gostei da indicação. Aí todo mundo me pergunta “ah, mas o Moraes é político!”. Olha,
eu gostei porque conheço ele e conheço os outros que foram cotados para assumir
a vaga... E aí você conclui o que quiser. Esta história dele ser político, ora,
eu conhecia os outros candidatos e não tinha ninguém bobo. Todos no STF têm
inclinações políticas. Não é por amizade que apoio o nome dele. O que acontece
é que ele é jovem e muito talentoso, tem livros maravilhosos sobre direito. É
brilhante como intelectual e como militante na advocacia. Agora, se ele vai
vender a alma ao diabo ou não, aí temos que ver...
P. Enquanto
os processos da Lava Jato na primeira instância avançam com rapidez, no STF o
ritmo é diferente. O que provoca essa lentidão na Corte Suprema?
R. O
processamento das ações nos tribunais anda a passos de cágado. Não é só o Teori
Zavascki ou o Edson Fachin [ex-relator e atual relator da Lava Jato no STF] que
são responsáveis por isso. A tramitação do processo é muito lenta, e é óbvio
que aqueles que detêm foro especial não têm interesse em fazer com que o
processo, com que essas ações penais andem rápido. A legislação é cruel, há uma
dificuldade de fazer andar esses processos. Veja na primeira instância, por
exemplo: o Sérgio Moro recebe uma denúncia, e ele faz um juízo de valor,
acolhendo ou não. Se acolheu, o denunciado já se torna réu. Agora no foro especial,
quando o relator recebe a denúncia, ele nem inicia a ação penal. Ele abre uma
intimação para que o indiciado na denúncia venha se defender. Só depois dessa
defesa é que ele leva para a corte. Isso estende muito o processo, é muito
demorado. E só depois disso começa o processamento.
P. Temer
foi muito criticado por ter nomeado Moreira Franco, citado dezenas
de vezes na Lava Jato, para um ministério. Acha correta a nomeação?
R. Eu
acho que se o Ministério Público com base em fatos incontroversos faz uma
reclamação formal contra um ministro, eu entendo que não deveria ser nomeado.
Ele [Temer] deu aquela desculpa meio esfarrapada [que afastaria quem fosse
denunciado] mas a nação teve que engolir. No final de contas é a mesma situação
que ocorreu com o Lula, mas dessa vez em decisão monocrática o ministro Celso
de Mello avaliou que ele poderia tomar posse.
P. O
juiz Sérgio Moro tem sido muito criticado
desde o início da Lava Jato pelo que alguns consideram como sendo um abuso nas
prisões preventivas. Como você vê essa questão?
R. O
Moro é muito dinâmico, conhece muito este processo específico, uma vez que ele
acompanha o caso e seus desdobramentos desde o início. Isso dá celeridade ao
processo, e acho que isso é algo que deve ser aplaudido. Quanto às críticas
envolvendo prisões preventivas, a culpa é do STF que não julga os pedidos de
liberdade feitos pela defesa. Em última instância, os pedidos de habeas corpus
cabem ao Supremo.
Por GIL ALESSI, no El País
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