Se
analisamos os projetos — anistia, proibição de o TSE punir partidos com contas
irregulares — tudo vai na mesma direção: legislar para se safar
Deve haver muitas formas de paranoia. Conheço pelo
menos duas. A que usa os fatos, deformando-os para parecerem uma grande ameaça.
E a que tem um tal dinamismo interno que chega a dispensar os próprios fatos.
Não considero que nenhuma dessas formas está presente quando se afirma que a
Operação Lava-Jato está ameaçada. Não é preciso estar muito longe de Brasília
para perceber isso. Por acaso, estou, relativamente perto, no Brasil central.
Mas de qualquer ponto do país, a sucessão de projetos de anistia e blindagem é
impressionante.
Para mim, tudo ficou muito claro quando escolheram
Lobão para a Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Não tenho mais idade
para duvidar: seus braços são tão longos, vovozinha; seus olhos são tão
grandes; sua boca é tão grande vovozinha. É o Lobão, ponto.
A mais nova tentativa é de Romero Jucá. Um projeto
para blindar presidentes da Câmara e do Senado. Segundo ele, não podem
responder por crimes anteriores à sua posse no cargo. Na verdade, estende para
os dois a mesma prerrogativa do presidente da República.
Se analisamos o conteúdo de todos os projetos
mencionados — anistia, proibição de o TSE punir partidos com contas irregulares
— tudo vai na mesma direção: legislar para se safar.
Leio que a Lava-Jato em Curitiba ficou satisfeita
com a escolha de Alexandre de Moraes para o STF. Inclusive acredita que ele
vota pela prisão de acusados julgados em segunda instância: algo que realmente
evita que as pessoas recorram em liberdade por anos a fio.
No entanto, um ministro do supremo não julga apenas
a Lava-Jato. Ele continua no seu posto por anos. Lewandowski e Dias Toffoli
julgaram o mensalão e seguem firmes tratando de muitos casos. Recentemente,
Toffoli soltou o ex-ministro Paulo Bernardo numa decisão polêmica.
Temer parece ter sentido a reação em defesa da
Lava-Jato. E anunciou esta semana as regras que deveria ter anunciado no
primeiro dia de governo. A partir de agora ministros denunciados se afastam e,
caso se tornem réus, deixam o governo.
Não acredito que essa permanente tentativa de
blindagem dos políticos será atenuada. Nem vejo dinamismo no STF para julgar
todos os casos com alguma rapidez. Isso não significa que muitos não possam ser
condenados no futuro. Mas deixa para 2018 uma única ferramenta de
transformação: o voto.
Apesar de a sociedade brasileira ter amadurecido,
não creio que apenas o voto poderia fazer com que o Congresso passasse, de
alguma forma, a considerar as aspirações do país de uma forma prioritária. Ele
pode realizar reforma econômicas, evitar a quebradeira e ajudar o Brasil a
reencontrar seu caminho. Mas não abre mão dos privilégios e do velho esquema de
corrupção que o domina há tanto tempo.
Na juventude, costumava ironizar o lema de um
partido brasileiro, chamado UDN: o preço da liberdade é a eterna vigilância.
Vivíamos num tempo de Guerra Fria, mas ainda assim perguntava: se não temos um
segundo para relaxar, que tipo de liberdade é essa?
Hoje, não mais num contexto de luta ideológica como
no passado, combatemos ladrões em todos os pontos do espectro político. Não é
possível baixar a guarda. Diria até que uma ponta de paranoia é necessária,
porque mesmo quando não parecem estar tramando algo, estão em plena atividade.
As ligações telefônicas entre a cúpula do PMDB, reveladas por Sérgio Machado,
eram uma clara tentativa de sabotar a Lava-Jato, algo que agora fazem
abertamente.
Renan Calheiros encarna como ninguém essa
tentativa. Ele é investigado em 12 processos, alguns antigos, e agora passa a
ser investigado por obstrução à Lava-Jato, junto com a cúpula do PMDB. Quanto
tempo levará para ser julgado nos casos investigados? Quanto tempo levará para
ser julgado por obstruir as investigações?
Eles não param nunca. Quando não estão roubando,
estão obstruindo a investigação, ou, em certas horas, fazendo as duas coisas
simultaneamente. E o ritmo do STF é feito para que se movam em paz, seduzindo
os que aspiram à reforma econômica, mobilizando os que descobriram direitos
legais de acusados, depois que a elite começou a ser presa, enfim vão formar um
grande caldeirão destinado a cozinhar a sopa da mesmice brasileira.
Não creio que seja paranoia observá-los
constantemente e denunciá-los nas ruas. Diria até que não devemos nos preocupar
tanto por estar batendo neles: eles sempre sabem porque estão apanhando.
Por mais ridícula e despreparada que pareça, a
classe política brasileira é mestre universal na arte de sobreviver às
denúncias. Eu mesmo me equivoquei. Sempre denunciei o Sérgio Cabral como se
fosse um simples corrupto que comprava mansões e se divertia em viagens no
exterior. Jamais imaginei que estava lidando com o maior ladrão da História do
Brasil e que todas aquelas viagens eram também viagens de negócios para
administrar sua fortuna.
A resistência no Brasil não
pode ser acusada de paranoia. Diante dos adversários calejados ela às vezes se
parece com a ingenuidade do Chapeuzinho Vermelho.
Por Fernando Gabeira, em O Globo
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O que ensina Shakespeare sobre a corrupção no Brasil contemporâneo?
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