USP, Sesc, Unesco e secretarias de cultura estaduais de todo o País se reuniram para quantificar o real impacto da crise sanitária em setor que emprega cinco milhões de trabalhadores
Entender os efeitos da pandemia na economia brasileira
levou diversos agentes a se debruçar sobre o assunto. Uma parceria da USP com
Sesc, Unesco e as secretarias de cultura de todos os Estados brasileiros
decidiu estudar o cenário cultural para identificar e quantificar o impacto
causado ao setor durante esse período. Como resultado, confirmou o que já era
sentido na prática: a cultura foi a mais atingida pelo isolamento social, com
metade dos cinco milhões de trabalhadores da área vendo o faturamento cair de
50% a 100% durante a pandemia.
Rodrigo Correia do Amaral, cientista social e assessor da
Vice-Reitoria da USP, que participou da coordenação do estudo, afirma que o
objetivo foi buscar confirmação e complementar informações de outras pesquisas
que já mostravam os setores da cultura e economia criativa como os mais afetados
pelo período pandêmico. Informações que, segundo a Unesco, devem aprofundar
essas percepções em escala municipal e estadual, oferecendo dados reais e
locais para os gestores públicos através de relatórios atualizados que permitam
criação rápida de políticas públicas.
Definida como um setor da economia criativa – junção de
várias áreas que baseiam sua geração de valor na criatividade -, a cultura
engloba diversos subsetores que vão da expressão cultural, gastronomia,
artesanato e folclore até patrimônio cultural, música e artes cênicas. Dados da
UNESCO, de 2019, mostram que os setores cultural e criativo movimentaram juntos
R$171,5 bilhões, equivalente a 2,61% de todo o patrimônio líquido do País.
Impacto fortaleceu digital
Com o isolamento social, atividades pensadas para o
presencial como shows, bares, cinemas e teatros sentiram o impacto e precisaram
se reinventar de maneira repentina. Vários bares decidiram investir em
delivery; cinemas organizaram sessões e festivais on-line; e shows e
espetáculos passaram a ser transmitidos exclusivamente por plataformas
digitais.
Dados do Sebrae, em parceria com a Associação Brasileira
de Bares e Restaurantes (Abrasel), informam que o uso de aplicativos de
delivery pelos restaurantes passou de 54% para 66% após o início do isolamento.
No cinema, edições on-line foram feitas de festivais como o In-Edit Brasil, um
festival internacional de documentários musicais, e o Inffinito Film Festival,
com objetivo de promover o cinema brasileiro.
E quem vivia de shows ao vivo viu o mundo desabar. O
músico e produtor ribeirão-pretano Jorge Nascimento diz que sua carreira nunca
antes tinha sofrido um impacto tão grande. “A pandemia foi algo surreal. Eu
nunca imaginaria chegar aos 54 anos e ser partícipe de algo tão tenebroso neste
século 21”, relata ao comentar as mudanças sofridas pela sua agenda no período
pandêmico. “Em 2020, eu já estava com a passagem comprada para tocar em um
Festival na Costa Rica e, para o segundo semestre, agenda fechada para
participar de um festival em Bruxelas e Dinamarca. Todos os eventos foram
derrubados. A Costa Rica ficou para 2021 e Bruxelas e Dinamarca ainda não
possuem data marcada”, conta Nascimento.
A situação para o músico só começou a mudar após o
aumento de vacinados e a diminuição nos casos de contaminação pela covid-19.
Segundo Nascimento, as pessoas começaram a ser atraídas para as atividades
presenciais novamente, mas elas estão
saindo mais cedo de casa para aproveitar essas experiências. “Hoje, a música em
um bar vai até às 23h só e não até a madrugada. Como músico, isso foi um ponto
muito positivo”, destaca.
Assim como o relatado pelo músico, apesar de toda
virtualização favorecida pela pandemia, o consumo cultural não deve ser
totalmente transformado pelo mundo digital. Na avaliação do cientista social
Amaral, não deve haver uma completa substituição do presencial pelo digital, “o
que podemos ver é uma introdução dessas tecnologias no consumo cultural” e, com
o retorno à normalidade, as atividades culturais presenciais e à distância
devem se mesclar.
Dados revelam situação de trabalho na área
Realizada entre junho e setembro de 2020, a pesquisa
contou com a participação de artistas, técnicos, trabalhadores, empreendedores,
gestores públicos e privados e membros de grupos tradicionais. Realizado
totalmente online através de um formulário, o estudo atingiu 2.667 pessoas de
todo o Brasil e se tornou o levantamento mais abrangente sobre o tema. Após a
coleta das respostas, os pesquisadores utilizaram a base de dados em relação à
quantidade de empresas e trabalhadores da cultura espalhadas pelo País,
fornecida pelo IBGE, para determinar o peso das respostas, conforme proporção
definida para cada estado da Federação.
Amaral revela que todo o trabalho foi voluntário e
conjunto, com todas as secretarias de cultura, Sesc e USP participando do
desenho do questionário. E esse tipo de pesquisa, continua o cientista social,
é importante no fomento de novas políticas públicas. Para a área de cultura, em
particular, informa que foram capturados dados sobre os trabalhadores ainda
desconhecidos. “A pesquisa contribuiu para captar aspectos que outras pesquisas
costumam não pegar, como a renda média dos trabalhadores, a fonte principal
desse rendimento e o nível de formalidade das relações de trabalho na área.”
Entretanto, Amaral afirma que outros estudos devem continuar sendo realizados
para solidificar essa base de dados e facilitar ainda mais a criação de
políticas públicas focadas na área.
Os resultados do estudo Percepção do impacto da covid-19
nos setores cultural e criativo do Brasil estão disponíveis em publicação da
Unesco.
Jornal da USP, Filipe Locatelli
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