quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Unesco confirma que a cultura foi o setor da economia mais afetado pela pandemia


USP, Sesc, Unesco e secretarias de cultura estaduais de todo o País se reuniram para quantificar o real impacto da crise sanitária em setor que emprega cinco milhões de trabalhadores


Entender os efeitos da pandemia na economia brasileira levou diversos agentes a se debruçar sobre o assunto. Uma parceria da USP com Sesc, Unesco e as secretarias de cultura de todos os Estados brasileiros decidiu estudar o cenário cultural para identificar e quantificar o impacto causado ao setor durante esse período. Como resultado, confirmou o que já era sentido na prática: a cultura foi a mais atingida pelo isolamento social, com metade dos cinco milhões de trabalhadores da área vendo o faturamento cair de 50% a 100% durante a pandemia.

Rodrigo Correia do Amaral, cientista social e assessor da Vice-Reitoria da USP, que participou da coordenação do estudo, afirma que o objetivo foi buscar confirmação e complementar informações de outras pesquisas que já mostravam os setores da cultura e economia criativa como os mais afetados pelo período pandêmico. Informações que, segundo a Unesco, devem aprofundar essas percepções em escala municipal e estadual, oferecendo dados reais e locais para os gestores públicos através de relatórios atualizados que permitam criação rápida de políticas públicas.

Definida como um setor da economia criativa – junção de várias áreas que baseiam sua geração de valor na criatividade -, a cultura engloba diversos subsetores que vão da expressão cultural, gastronomia, artesanato e folclore até patrimônio cultural, música e artes cênicas. Dados da UNESCO, de 2019, mostram que os setores cultural e criativo movimentaram juntos R$171,5 bilhões, equivalente a 2,61% de todo o patrimônio líquido do País.

Impacto fortaleceu digital

Com o isolamento social, atividades pensadas para o presencial como shows, bares, cinemas e teatros sentiram o impacto e precisaram se reinventar de maneira repentina. Vários bares decidiram investir em delivery; cinemas organizaram sessões e festivais on-line; e shows e espetáculos passaram a ser transmitidos exclusivamente por plataformas digitais.

Dados do Sebrae, em parceria com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), informam que o uso de aplicativos de delivery pelos restaurantes passou de 54% para 66% após o início do isolamento. No cinema, edições on-line foram feitas de festivais como o In-Edit Brasil, um festival internacional de documentários musicais, e o Inffinito Film Festival, com objetivo de promover o cinema brasileiro.

E quem vivia de shows ao vivo viu o mundo desabar. O músico e produtor ribeirão-pretano Jorge Nascimento diz que sua carreira nunca antes tinha sofrido um impacto tão grande. “A pandemia foi algo surreal. Eu nunca imaginaria chegar aos 54 anos e ser partícipe de algo tão tenebroso neste século 21”, relata ao comentar as mudanças sofridas pela sua agenda no período pandêmico. “Em 2020, eu já estava com a passagem comprada para tocar em um Festival na Costa Rica e, para o segundo semestre, agenda fechada para participar de um festival em Bruxelas e Dinamarca. Todos os eventos foram derrubados. A Costa Rica ficou para 2021 e Bruxelas e Dinamarca ainda não possuem data marcada”, conta Nascimento.

A situação para o músico só começou a mudar após o aumento de vacinados e a diminuição nos casos de contaminação pela covid-19. Segundo Nascimento, as pessoas começaram a ser atraídas para as atividades presenciais novamente, mas  elas estão saindo mais cedo de casa para aproveitar essas experiências. “Hoje, a música em um bar vai até às 23h só e não até a madrugada. Como músico, isso foi um ponto muito positivo”, destaca.

Assim como o relatado pelo músico, apesar de toda virtualização favorecida pela pandemia, o consumo cultural não deve ser totalmente transformado pelo mundo digital. Na avaliação do cientista social Amaral, não deve haver uma completa substituição do presencial pelo digital, “o que podemos ver é uma introdução dessas tecnologias no consumo cultural” e, com o retorno à normalidade, as atividades culturais presenciais e à distância devem se mesclar.

Dados revelam situação de trabalho na área

Realizada entre junho e setembro de 2020, a pesquisa contou com a participação de artistas, técnicos, trabalhadores, empreendedores, gestores públicos e privados e membros de grupos tradicionais. Realizado totalmente online através de um formulário, o estudo atingiu 2.667 pessoas de todo o Brasil e se tornou o levantamento mais abrangente sobre o tema. Após a coleta das respostas, os pesquisadores utilizaram a base de dados em relação à quantidade de empresas e trabalhadores da cultura espalhadas pelo País, fornecida pelo IBGE, para determinar o peso das respostas, conforme proporção definida para cada estado da Federação.

Amaral revela que todo o trabalho foi voluntário e conjunto, com todas as secretarias de cultura, Sesc e USP participando do desenho do questionário. E esse tipo de pesquisa, continua o cientista social, é importante no fomento de novas políticas públicas. Para a área de cultura, em particular, informa que foram capturados dados sobre os trabalhadores ainda desconhecidos. “A pesquisa contribuiu para captar aspectos que outras pesquisas costumam não pegar, como a renda média dos trabalhadores, a fonte principal desse rendimento e o nível de formalidade das relações de trabalho na área.” Entretanto, Amaral afirma que outros estudos devem continuar sendo realizados para solidificar essa base de dados e facilitar ainda mais a criação de políticas públicas focadas na área.

Os resultados do estudo Percepção do impacto da covid-19 nos setores cultural e criativo do Brasil estão disponíveis em publicação da Unesco.

Jornal da USP, Filipe Locatelli 


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