Dados recentes da Transparência Internacional Brasil mostram a fragilidade das instituições brasileiras
Recentemente, a Transparência Internacional Brasil, ao
analisar o nível de comprometimento do país com a Convenção das Nações Unidas
contra a Corrupção (UNCAC), chegou a conclusões preocupantes, deixando claros
os riscos de comprometimento de uma série de objetivos do Brasil que dependem
da efetiva prevenção da corrupção, incluindo o seu processo de adesão à OCDE.
Como bem sintetiza reportagem publicada no jornal Valor
Econômico nesta terça-feira (18), o relatório rebaixou o Brasil, que vinha
melhorando seus indicadores desde a segunda metade da década passada, chegando
a obter a classificação 'moderada' em 2018. Este ano caiu para 'limitado', o
que reflete a piora da percepção internacional a nosso respeito.
Consequentemente, o país passou a ocupar o 96º lugar no
ranking mundial de percepção de corrupção, a terceira pior posição em sua série
histórica, iniciada em 2012. Agora o Brasil ficou não apenas abaixo da média
global como também da média regional da América Latina e Caribe.
Um dos pontos principais do relatório é mostrar o
enfraquecimento dos órgãos de controle contra a corrupção. Sob essa
perspectiva, foram apontados diversos retrocessos no governo Bolsonaro, dentre
os quais os seguintes, aos quais se juntam outros de natureza diversa:
- interferências do presidente Bolsonaro nas atividades
de órgãos centrais e estratégicos, como Polícia Federal, Receita Federal, Cade
e Coaf;
- ausência de autonomia institucional da CGU, assim como
falta de pessoal;
- perda de independência na atuação da Procuradoria-Geral
da República, processo iniciado com o procedimento de nomeação do atual
procurador-geral;
- insuficiências de recursos em várias instituições
importantes, incluindo o Coaf;
- interferências políticas no Ibama e desmantelamento da
sua estrutura institucional;
- esquema do 'orçamento secreto', que foi uma forma
encontrada pelo Executivo e pelo Legislativo para usar o orçamento como moeda
de troca sem a mínima possibilidade de controle da sociedade e dos órgãos de
fiscalização sobre o critério e destinação desses recursos;
- imposição de sigilos ilegais, desrespeitando garantias
previstas na Lei de Acesso à Informação (LAI);
- ataques sistemáticos e campanhas de desinformação por
parte do presidente Bolsonaro com o objetivo de deslegitimar o processo
eleitoral;
- redução do combate aos crimes ambientais e das práticas
de corrupção que viabilizam sua ocorrência e dificultam a sua
responsabilização;
- práticas de desfalque e clientelismo, de que são
exemplos as acusações de rachadinha e nepotismo envolvendo o presidente e a
família presidencial;
- práticas de logrolling, ou seja, troca de favores
relacionadas ao poder de nomear livremente funcionários públicos;
- interferências políticas em órgãos públicos de caráter
técnico, tais como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE);
- incertezas quanto à correta aplicação da definição de
crime de lavagem de dinheiro;
- falta de informações sobre investigações antilavagem e
processos criminais, o que prejudica a elaboração de políticas baseadas em
evidências;
- desmantelamento de iniciativas importantes, como a
Força-Tarefa Amazônia;
- Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019), que, sob
pretexto de melhorar o controle sobre funcionários públicos, dá margem a
interpretações tendenciosas que podem afetar a independência de juízes,
promotores e investigadores.
Vale ressaltar que tais questões são apresentadas pelo
relatório acompanhadas pelos fatos que deram margem a tais preocupações e
também por análises de especialistas sobre os temas que corroboram as
conclusões. Também são identificadas inúmeras insuficiências nos seguintes
instrumentos para a prevenção efetiva da corrupção:
- mecanismos de supervisão e integridade no serviço
público, especialmente os relacionados à evolução dos ativos e interesses, aos
conflitos de interesse, ao nepotismo e aos cargos livremente nomeados;
- proteção de denunciantes;
- mecanismos de transparência e práticas de auditoria
sobre aprovação e execução de emendas parlamentares no orçamento;
- mecanismos para nomeação para cargos públicos, especialmente
Supremo, MPF, TCU e outras instituições estratégicas;
- mecanismos de responsabilização de juízes e promotores
junto ao CNJ e o CNMP;
- mecanismos de divulgação dos dados de interesse
público, incluindo ambientais, preferencialmente em formato aberto;
- mecanismos de respostas eficazes e rápidas a pedidos de
acesso a informação;
- mecanismos de coordenação entre as múltiplas agencias e
órgãos governamentais que tratam da corrupção.
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Todos esses dados ressaltam o quanto ainda precisamos
envidar esforços para a prevenção da corrupção e, mais do que isso, o quanto
ainda precisamos entender que a corrupção é prática muito mais ampla do que a
propina e a lavagem de dinheiro, abrangendo todas as formas pelas quais o
Estado e a máquina pública são utilizados para objetivos particulares, dos
governantes ou de terceiros, em uma perversa subversão da ideia de república.
Interferências políticas, desmantelamento de órgãos
públicos e desvirtuamento de seus objetivos institucionais, aparelhamento dos
órgãos de controle e fiscalização e favorecimentos pessoais são graves formas
de corrupção, assim como as medidas que, como é o caso da utilização abusiva do
sigilo, impedem a transparência necessária para o controle social da atividade
administrativa e dos gastos públicos.
Mais do que isso, tais práticas fomentam e consolidam
regras do jogo que são totalmente antidemocráticas, comprometendo o objetivo de
uma modificação institucional mais aprofundada, o que é fundamental para a
prevenção da corrupção.
Com efeito, como já tive oportunidade de salientar em
coluna anterior, há de se ter muita cautela ao lidar com o problema da
corrupção, a fim de se resolver não apenas consequências atuais e pontuais do
problema, mas sobretudo as suas causas. É por essa razão que o aspecto mais
importante da luta contra a corrupção são as medidas que possam modificar as
instituições vigentes, que propiciam, incentivam ou toleram excessivamente as
práticas de corrupção.
Entretanto, o que temos visto na realidade atual,
principalmente no âmbito público, é não apenas a manutenção de várias práticas
de corrupção, como o retorno de práticas que já pareciam definitivamente
superadas: a cada dia surgem exemplos de 'livro-texto' de desvio de finalidade
das competências públicas em prol de proveitos pessoais de governantes,
familiares ou aliados, com o agravante de que, ao serem utilizados de forma
orquestrada, passam a ter efeitos sistêmicos, comprometendo a própria
democracia e os direitos fundamentais dos cidadãos.
Em outras palavras, ao invés de estarmos investindo na
consolidação de instituições contra a corrupção, estamos assistindo à
estruturação de instituições que incentivam, promovem e consolidam a corrupção
como prática de Estado.
Não é sem razão que assim conclui o Valor Econômico ao
analisar os resultados do relatório:
'Não se trata de uma competição apenas por uma boa
colocação em mais um índice global. O índice de percepção da corrupção indica
quando há espaço para violações de direitos humanos e das liberdades
individuais. E tem consequências também na economia, dado que grandes players
do mercado internacional como a União Europeia, Estados Unidos e membros da
OCDE evitam aprofundar relacionamento com países com uma classificação ruim. A
OCDE, por exemplo, e países da União Europeia têm estabelecido crescentes
exigências de seus parceiros comerciais não apenas em relação a desmatamento e
redução de emissões de carbono, mas também de combate à corrupção'.
Se não levarmos tais questões a sério, corremos riscos
muito maiores do que os de não entrarmos na OCDE ou de encontrarmos barreiras
cada vez maiores para a nossa inserção econômica e política no plano
internacional. Corremos o risco de nos utilizar da luta contra a corrupção como
mera retórica para justificar ainda mais corrupção, comprometendo até mesmo as
tênues e dolorosas conquistas que alcançamos nessa seara.
Jota Notícias, Ana Frazão
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