quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Por que a corrupção está aumentando no Brasil?


Dados recentes da Transparência Internacional Brasil mostram a fragilidade das instituições brasileiras

 

Recentemente, a Transparência Internacional Brasil, ao analisar o nível de comprometimento do país com a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC), chegou a conclusões preocupantes, deixando claros os riscos de comprometimento de uma série de objetivos do Brasil que dependem da efetiva prevenção da corrupção, incluindo o seu processo de adesão à OCDE.

Como bem sintetiza reportagem publicada no jornal Valor Econômico nesta terça-feira (18), o relatório rebaixou o Brasil, que vinha melhorando seus indicadores desde a segunda metade da década passada, chegando a obter a classificação 'moderada' em 2018. Este ano caiu para 'limitado', o que reflete a piora da percepção internacional a nosso respeito.

Consequentemente, o país passou a ocupar o 96º lugar no ranking mundial de percepção de corrupção, a terceira pior posição em sua série histórica, iniciada em 2012. Agora o Brasil ficou não apenas abaixo da média global como também da média regional da América Latina e Caribe.

Um dos pontos principais do relatório é mostrar o enfraquecimento dos órgãos de controle contra a corrupção. Sob essa perspectiva, foram apontados diversos retrocessos no governo Bolsonaro, dentre os quais os seguintes, aos quais se juntam outros de natureza diversa:

- interferências do presidente Bolsonaro nas atividades de órgãos centrais e estratégicos, como Polícia Federal, Receita Federal, Cade e Coaf;

- ausência de autonomia institucional da CGU, assim como falta de pessoal;

- perda de independência na atuação da Procuradoria-Geral da República, processo iniciado com o procedimento de nomeação do atual procurador-geral;

- insuficiências de recursos em várias instituições importantes, incluindo o Coaf;

- interferências políticas no Ibama e desmantelamento da sua estrutura institucional;

- esquema do 'orçamento secreto', que foi uma forma encontrada pelo Executivo e pelo Legislativo para usar o orçamento como moeda de troca sem a mínima possibilidade de controle da sociedade e dos órgãos de fiscalização sobre o critério e destinação desses recursos;

- imposição de sigilos ilegais, desrespeitando garantias previstas na Lei de Acesso à Informação (LAI);

- ataques sistemáticos e campanhas de desinformação por parte do presidente Bolsonaro com o objetivo de deslegitimar o processo eleitoral;

- redução do combate aos crimes ambientais e das práticas de corrupção que viabilizam sua ocorrência e dificultam a sua responsabilização;

- práticas de desfalque e clientelismo, de que são exemplos as acusações de rachadinha e nepotismo envolvendo o presidente e a família presidencial;

- práticas de logrolling, ou seja, troca de favores relacionadas ao poder de nomear livremente funcionários públicos;

- interferências políticas em órgãos públicos de caráter técnico, tais como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE);

- incertezas quanto à correta aplicação da definição de crime de lavagem de dinheiro;

- falta de informações sobre investigações antilavagem e processos criminais, o que prejudica a elaboração de políticas baseadas em evidências;

- desmantelamento de iniciativas importantes, como a Força-Tarefa Amazônia;

- Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019), que, sob pretexto de melhorar o controle sobre funcionários públicos, dá margem a interpretações tendenciosas que podem afetar a independência de juízes, promotores e investigadores.

Vale ressaltar que tais questões são apresentadas pelo relatório acompanhadas pelos fatos que deram margem a tais preocupações e também por análises de especialistas sobre os temas que corroboram as conclusões. Também são identificadas inúmeras insuficiências nos seguintes instrumentos para a prevenção efetiva da corrupção:

- mecanismos de supervisão e integridade no serviço público, especialmente os relacionados à evolução dos ativos e interesses, aos conflitos de interesse, ao nepotismo e aos cargos livremente nomeados;

- proteção de denunciantes;

- mecanismos de transparência e práticas de auditoria sobre aprovação e execução de emendas parlamentares no orçamento;

- mecanismos para nomeação para cargos públicos, especialmente Supremo, MPF, TCU e outras instituições estratégicas;

- mecanismos de responsabilização de juízes e promotores junto ao CNJ e o CNMP;

- mecanismos de divulgação dos dados de interesse público, incluindo ambientais, preferencialmente em formato aberto;

- mecanismos de respostas eficazes e rápidas a pedidos de acesso a informação;

- mecanismos de coordenação entre as múltiplas agencias e órgãos governamentais que tratam da corrupção.


Para saber sobre o livro, clique aqui.


Todos esses dados ressaltam o quanto ainda precisamos envidar esforços para a prevenção da corrupção e, mais do que isso, o quanto ainda precisamos entender que a corrupção é prática muito mais ampla do que a propina e a lavagem de dinheiro, abrangendo todas as formas pelas quais o Estado e a máquina pública são utilizados para objetivos particulares, dos governantes ou de terceiros, em uma perversa subversão da ideia de república.

Interferências políticas, desmantelamento de órgãos públicos e desvirtuamento de seus objetivos institucionais, aparelhamento dos órgãos de controle e fiscalização e favorecimentos pessoais são graves formas de corrupção, assim como as medidas que, como é o caso da utilização abusiva do sigilo, impedem a transparência necessária para o controle social da atividade administrativa e dos gastos públicos.

Mais do que isso, tais práticas fomentam e consolidam regras do jogo que são totalmente antidemocráticas, comprometendo o objetivo de uma modificação institucional mais aprofundada, o que é fundamental para a prevenção da corrupção.

Com efeito, como já tive oportunidade de salientar em coluna anterior, há de se ter muita cautela ao lidar com o problema da corrupção, a fim de se resolver não apenas consequências atuais e pontuais do problema, mas sobretudo as suas causas. É por essa razão que o aspecto mais importante da luta contra a corrupção são as medidas que possam modificar as instituições vigentes, que propiciam, incentivam ou toleram excessivamente as práticas de corrupção.

Entretanto, o que temos visto na realidade atual, principalmente no âmbito público, é não apenas a manutenção de várias práticas de corrupção, como o retorno de práticas que já pareciam definitivamente superadas: a cada dia surgem exemplos de 'livro-texto' de desvio de finalidade das competências públicas em prol de proveitos pessoais de governantes, familiares ou aliados, com o agravante de que, ao serem utilizados de forma orquestrada, passam a ter efeitos sistêmicos, comprometendo a própria democracia e os direitos fundamentais dos cidadãos.

Em outras palavras, ao invés de estarmos investindo na consolidação de instituições contra a corrupção, estamos assistindo à estruturação de instituições que incentivam, promovem e consolidam a corrupção como prática de Estado.

Não é sem razão que assim conclui o Valor Econômico ao analisar os resultados do relatório:

'Não se trata de uma competição apenas por uma boa colocação em mais um índice global. O índice de percepção da corrupção indica quando há espaço para violações de direitos humanos e das liberdades individuais. E tem consequências também na economia, dado que grandes players do mercado internacional como a União Europeia, Estados Unidos e membros da OCDE evitam aprofundar relacionamento com países com uma classificação ruim. A OCDE, por exemplo, e países da União Europeia têm estabelecido crescentes exigências de seus parceiros comerciais não apenas em relação a desmatamento e redução de emissões de carbono, mas também de combate à corrupção'.

Se não levarmos tais questões a sério, corremos riscos muito maiores do que os de não entrarmos na OCDE ou de encontrarmos barreiras cada vez maiores para a nossa inserção econômica e política no plano internacional. Corremos o risco de nos utilizar da luta contra a corrupção como mera retórica para justificar ainda mais corrupção, comprometendo até mesmo as tênues e dolorosas conquistas que alcançamos nessa seara.

Jota Notícias, Ana Frazão


- - - - - -


Para saber mais, clique aqui.


Para saber mais sobre o livro, clique aqui


Para saber mais sobre o livro, clique aqui.



Para saber mais, clique aqui.


No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Coleção As mais belas lendas dos índios da Amazônia” e acesse os 24 livros da coleção. Ou clique aqui

O autor:

No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Antônio Carlos dos Santos" e acesse dezenas de obras do autor. Ou clique aqui


Clique aqui para acessar os livros em inglês