sexta-feira, 21 de maio de 2021

Com menor orçamento do MEC na década, Brasil pode viver 'apagão' na Educação em 2021



Em 2021, houve redução de 37% nas despesas discricionárias, se comparadas às de 2010. Ou seja, o valor destinado para as atividades nas instituições é mais de um terço menor do que o investido há 11 anos

 

Federais correm risco de parar as atividades ainda esse ano

Na terça-feira, 12 de maio deste ano, a Pró-Reitoria de planejamento financeiro da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) deu uma notícia nada animadora aos estudantes que participavam da Assembleia do Conselho Deliberativo das Entidades de Base (CDEB): a universidade encontra-se em uma "situação crítica" devido os "constantes cortes nos valores que são repassados pelo governo federal", podendo fechar em junho deste ano.

"Foi passado na reunião que temos recursos para funcionarmos apenas até o mês de junho. Isso coloca em risco o reinício do próximo período, bem como o repasse de todas as bolsas de auxílio estudantil [permanência e alimentação], pesquisa e extensão", diz trecho do comunicado elaborado pelos alunos que participaram da assembleia.

A pauta daquela noite foi o orçamento do Ministério da Educação (MEC) destinado às universidades federais. Em 2021, houve redução de 37% nas despesas discricionárias, se comparadas às de 2010. Ou seja, o valor destinado para as atividades nas instituições é mais de um terço menor do que o investido há 11 anos. Além disso, é o menor orçamento da década.

O MEC reservou R$ 4,5 bilhões para o ensino superior em 2021. Para ter uma ideia, em 2010, foi R$ 7,1 bilhões. No ano passado, R$ 5,5 bilhões. A queda no valor afeta recursos destinados a investimentos e despesas correntes, como pagamento de água, luz, segurança, além de bolsas de estudo e programas de auxílio estudantil.

"Se tem uma coisa que a UFOP não conhece [antes mesmo do corte no orçamento deste ano] é zeladoria. Está um matagal lá na vila, eu nunca vi isso, está abandonado. A sensação é que não tem ninguém ali há uns cinco anos", diz Maria*, estudante da UFOP, em Minas Gerais, desde 2018.

De acordo com ela, a situação da moradia estudantil onde ela divide casa com cerca de 15 estudantes, piorou desde o começo da pandemia do coronavírus. Em 2020, o corte no orçamento anual destinado às federais foi de R$ 500 mil.

Maria ainda diz que durante o período de isolamento social, que ela está passando na moradia da universidade, ela encontrou um escorpião dentro do quarto, quando se preparava para dormir. Além disso, ela conta que os estudantes identificaram diversas infiltrações na residência.

Segundo ela, só foram arrumar o problema após mais de um ano por "falta de recursos". No segundo ano de um curso de Ciências e Tecnologias, ela teme o que pode acontecer no futuro.

“O maior desafio desta gestão que se inicia é a questão orçamentária das Ifes (Instituições Federais de Ensino Superior) que não é só da Universidade Federal de Ouro Preto, onde está previsto um corte, uma perda de R$1,4 bilhões, isso não afeta só a UFOP, mas todas as redes brasileiras. E também afeta o ensino, a pesquisa e a extensão, atingindo, provavelmente, com grande profundidade as pesquisas e ações no combate à Covid-19 por falta de orçamento”, disse Cláudia Aparecida Marliére , reitora da universidade, em fevereiro deste ano.

Questionada pela reportagem sobre os problemas na moradia e os valores do orçamento para 2021, a UFOP não respondeu até a publicação da matéria.

Brasil pode viver apagão na educação superior em 2021

Para a presidenta da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), Flávia Calé, o Brasil vai viver um "apagão completo da Educação em 2021". Em entrevista ao Yahoo! Notícias, ela descreve o cenário atual, sobre gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como uma imagem de total "paralisia".

"A ciência, pesquisa e educação podem viver um apagão em 2021, com esse orçamento, com esse desmonte em curso. Estamos perdendo uma geração inteira de jovens pesquisadores no país, aproveitando muito pouco do potencial que formamos nos últimos anos", diz.

Segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a falta de recursos poderá levar à redução ou paralisação das atividades. As próprias reitorias de universidades federais no país já avisaram que podem fechar as portas ainda este ano.

Laura Reis, de 22 anos, estudante do curso de relações internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diz que a primeira vez que sentiu o "corte" do governo foi quando desligaram um funcionário da limpeza da Casa do Estudante, moradia destinada aos universitários pobres, no começo de 2020.

"A Casa do Estudante, desde que eu entrei, sempre foi meio abandonada. Mas o primeiro "corte" que eu presenciei foi quando tiraram os terceirizados que ajudavam na limpeza da casa. A alimentação também é outra questão. Recebemos comida estragada às vezes. Acho louvável ter comida três vezes por dia, então é complicado reclamar de barriga cheia, mas tem dias que a comida, simplesmente, não vem", conta ela, que mora na Casa do Estudante desde 2018.

Dos 50 estudantes que moravam na casa antes do coronavírus, cerca de 25 continuaram lá desde o início da pandemia. Natural de Cuiabá (MT), a cerca de 2.000 quilômetros de distância de onde estuda, Laura afirma que não conseguiu voltar para casa durante o isolamento social. "É inviável para mim voltar não só por causa da passagem, que já é cara, mas também porque na casa da minha mãe não tem internet", diz.

Se as aulas presenciais retornassem nas próximas semanas, a UFRGS não teria dinheiro suficiente para manter as atividades até o fim do ano, mesmo com liberação de mais verba pelo Congresso, aponta a instituição.

Isso porque a UFRGS conta com uma previsão de R$ 131,2 milhões para pagar água, eletricidade, terceirizados de segurança e limpeza e outras verbas do dia a dia — 18% menos do que no ano anterior. Mas, por causa do bloqueio orçamentário, só R$ 52,6 milhões estão garantidos.

"Acredito que a situação atual é o limite, abaixo disso eles partiriam para a extinção da Casa do Estudante, caso o orçamento chegasse a níveis críticos. Talvez isso seja contornado pela administração, mas não sei sinceramente como seria", avalia Laura.

Maior federal do país corre risco de fechar ainda este ano

No último dia 12, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) apresentou, em entrevista coletiva, a situação orçamentária da instituição. A reitora da universidade, Denise Pires de Carvalho disse que a redução nos recursos da instituição pode inviabilizar o funcionamento da maior universidade federal do país por falta de verba. Segundo ela, houve redução orçamentária de cerca de 20% em relação a 2020.

Em um artigo publicado no jornal O Globo, o vice-reitor da UFRJ, Carlos Frederico Leão Rocha, afirmou que "não dá para manter" o funcionamento com o orçamento destinado. Ele e a reitora Denise Pires de Carvalho escreveram que o funcionamento da universidade se tornaria inviável a partir de julho, após bloqueios de verbas anunciados pelo governo federal.

"Desde 2013, o orçamento das universidades vem sendo radicalmente cortado. O orçamento discricionário aprovado pela Lei Orçamentária para a UFRJ em 2021 é 38% daquele empenhado em 2012. Quando se soma o bloqueio de 18,4% do orçamento aprovado, como anunciado pelo governo, seu funcionamento ficará inviabilizado a partir de julho", diz o texto.

Pesquisas de vacinas contra a Covid-19 podem ser paralisadas

Entre os serviços realizados pela UFRJ que podem ser comprometidos por causa do corte de orçamento, estão pesquisas de duas vacinas nacionais contra a Covid-19 que estão sendo feitas em laboratórios da universidade e se encontram em testes pré-clínicos.

Segundo a universidade, os estudos podem ser interrompidos. Além disso, o funcionamento do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, onde foi instalado um novo CTI e mais de 100 leitos de enfermaria para tratamento da Covid-19, pode ser fechado.

A professora de biologia e mestranda em Educação em Ciências e Saúde pela UFRJ, Flavya Peres, diz que a Educação e a Saúde precisam "andar de mãos dadas" para conseguir enfrentar a maior crise sanitária da história do país.

"Quando você corta a educação, corta a saúde e corta o dinheiro da instituição que promove educação e saúde, você acaba atacando o cerne do que seria uma possível solução para esse problema [a Covid], que vem através da vacina", diz.

Para ela, há uma contradição enorme no discurso do governo federal que pede para que as "atividades do país sejam mantidas a qualquer custo", mas que o presidente Bolsonaro não fornece mecanismos para que isso aconteça.

"O que se torna mais grave isso tudo é você não conseguir desenvolver uma vacina que é extremamente necessária, inclusive para a gente manter as atividades do país. Ao mesmo tempo você tem um governo que fala que essas atividades precisam continuar a qualquer custo. Aí a gente vê a incoerência do discurso, porque as atividades não têm condição de acontecer sem que isso gere a maior perda que podemos ter: a perda das pessoas", avalia.

Investimentos não acompanham evolução

Os investimentos não acompanham também a evolução do número de alunos de ensino superior. De 2015 a 2020, o total de matrículas cresceu 10% na rede (universidades e institutos federais).

Esses recursos emergenciais foram direcionados para que as instituições colaborassem na produção de equipamentos de proteção individual, e uma parte, para um projeto do MEC que oferece acesso à internet a estudantes pobres das federais.

Na média dos dois primeiros anos de governo Bolsonaro, o MEC executou de fato 10% do que havia sido orçado como investimento. No mesmo período da gestão anterior, de Dilma e Michel Temer (MDB), esse índice foi de 12%.

A mestranda Flavya, que está vinculada ao programa de pós-graduação em Educação e Ciências e Saúde da UFRJ, admite que o problema não é de hoje. Mas, segundo ela, o orçamento do MEC de 2021 inviabiliza a continuidade de todas as atividades que estavam sendo feitas até agora.

"Durante minha graduação fiz muitos trabalhos em laboratório, que são trabalhos que fazem parto do currículo obrigatório e, por exemplo, a gente tem uma fitinha de medidor de PH que precisávamos cortar a em três pedaços para fazer mais experimentos. Isso não é uma novidade, mas esse corte de agora vai deixar pessoas em tratamento sem tratamento, pesquisas em desenvolvimento incompletas".

Segundo ela, outro ponto que será prejudicado serão as atividades fora da universidade. "A universidade pública federal é baseada no tripé pesquisa, ensino e extensão. O ensino está sendo a distância. A pesquisa precisa de uma estrutura para acontecer. A extensão é uma maneira de levar aquilo que é feito dentro da universidade para fora da universidade. Além das atividades de ensino, a pesquisa e extensão não terão como acontecer", completa.

Pesquisadores sem "salário"

Flávia Calé, presidenta da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), diz que outro agravante, sobretudo no caso dos pós-graduandos, é que o corte na bolsa é como um corte de salário. Isso porque, os estudantes que desenvolvem recebem uma bolsa que pode variar entre R$ 1500 e R$ 2000 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência ligada ao MEC.

"Se você for olhar nessas pesquisas diversas, centenas de pesquisas voltadas ao Covid, você têm necessariamente pós-graduandos trabalhando nessa pesquisa. Então essa bolsa não é só um auxílio ao estudante, ela é um salário. É um absurdo que os residentes não recebam", afirma.

De 2019 a março de 2020, quando o governo federal publicou portaria cortando orçamento da coordenação de aperfeiçoamento, mais de 8.000 bolsas permanentes de pesquisa que eram oferecidas pela Capes foram cortadas segundo um estudo realizado pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

De acordo com a pesquisa, os cortes iriam aprofundar as desigualdades regionais da ciência brasileira, atingindo principalmente programas de pós-graduação em regiões mais pobres do país. O levantamento descobriu que, com as novas regras, as bolsas permanentes tiveram queda de 10,4%, caindo de 77.629 para 69.508. De acordo com o governo federal, em 2020, foram destinadas 46.301 bolsas de doutorado.

"Ciência não é uma coisa que pode parar o investimento"

No início da pandemia, um grupo de mulheres brasileiras fez o sequenciamento genético do novo coronavírus. Realizado no Brasil, o feito aconteceu no tempo recorde de 48 horas, e ganhou destaque por usar uma metodologia de baixo custo. As responsáveis foram as pesquisadoras do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da Universidade de São Paulo (USP), coordenadas pela médica Ester Sabino.

Sabino destaca-se por sua longa experiência com estudos de DNA dos vírus da dengue, zika e chikungunya, que foi fundamental para encarar o novo inimigo, a Covid-19. No ano passado, porém, a professora Ester Sabino paralisou a pesquisa por dois meses.

De acordo entrevista ao Estadão, o motivo não foi diretamente relacionado à verba, mas, de forma geral, ela destacou que as dificuldades para conseguir verba para pesquisa continuam e vão continuar.

"A gente só conseguiu sequenciar rápido porque já tinha esse projeto da Fapesp andando há quatro anos, desde o zika. Se não tivesse isso, a gente não ia sequenciar rápido. Se a gente quer ter vacina nossa, precisamos ter um programa sustentável por 20 anos para conseguir começar a fazer as nossas próprias vacinas. Não adianta começar e parar", afirmou Sabino, em fevereiro deste ano, ao Estadão.

"Isso é a pior coisa porque você forma as pessoas e perde uma geração porque não consegue mantê-las. Então, tem que ter continuidade. Ciência não é uma coisa que pode parar o investimento. Se você diminui investimento, é dramático, porque tem que começar tudo de novo porque tudo muda muito rápido", concluiu ela.

Segundo a Associação Nacional de Pós-graduandos, haverá atos em todo o Brasil, no próximo dia 29, contra os cortes nas universidades federais. Os organizadores pedem para que os manifestantes usem máscaras, respeitem o distanciamento social e utilizem álcool em gel.

"O governo só entende a linguagem da pressão. Temos que voltar no mínimo de investimentos de 2018, porque já vinha num declínio, mas de lá para cá piorou muito e houve um processo de desmonte da ciência e tecnologia, da educação e ataque às universidades", diz Flávia, a presidenta da associação.

O que diz o Ministério da Educação

Em nota, o MEC diz que não mede esforços para a recomposição ou alívio das reduções orçamentárias. Segundo a pasta, o órgão está promovendo ações junto ao Ministério da Economia para que as dotações sejam desbloqueadas e o orçamento seja disponibilizado em sua totalidade.

O comunicado do MEC explica que há uma previsão para a melhora e pondera que não houve corte no orçamento, mas um bloqueio de dotações orçamentárias para atendimento ao Decreto nº 10.686, de 22 de abril de 2021.

“Na expectativa de uma evolução do cenário fiscal no segundo semestre, essas dotações poderão ser desbloqueadas e executadas”, diz o informe do MEC.

O MEC ainda disse que "está atento a situação que preocupa suas unidades vinculadas e, na expectativa de uma evolução positiva do cenário fiscal, seguirá envidando esforços para reduzir o máximo que for possível os impactos na LOA 2021".

Por João de Mari, no Yahoo Notícias


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