sábado, 28 de outubro de 2017

Mascarados: cada lado na crise da Catalunha prevê impossível

Lágrimas amargas para um país com poucas opções: crise da Catalunha deixa pouca esperança de solução (Enrique Calvo/Reuters)  
As duas partes estão amarradas a compromissos que não podem ser cumpridos, crise atinge estágio em que só por milagre pode ser desativada
Quem vai prender a polícia?
Quem vai entrar na sede do governo da Catalunha e tirar, fisicamente, o seu chefe, Carles Puigdemont? E todos os outros ocupantes de postos-chave? Seus substitutos aceitarão substituí-los? Como obrigar mais de 200 mil funcionários públicos a acatar ordens que rejeitam?
Estas são algumas das dúvidas mais estonteantes criadas pelo buraco em que os representantes do movimento pela independência se enfiaram. Seguindo a dinâmica que colocaram em ação quando desafiaram a legalidade no grito, desencadearam a lógica do Estado.
O governo central em todos os seus ramos, executivo, legislativo e  judiciário, não tem opção: precisa seguir os passos legais para impedir a desmoralização do Estado de Direito representada por iniciativas inconstitucionais como o plebiscito do começo do mês. Isso já aconteceu, com a invocação do artigo 155, que estabelece a intervenção na região rebelde.
Mas a intervenção pressupõe medidas reais, incluindo o afastamento de todos os funcionários públicos em estado de rebelião. Como tirar Puigdemont, por exemplo? O chefe de governo, com seu cabelinho de irmãos Marx, espera a expulsão ou, melhor ainda, a prisão como um momento de glória, o estágio que deflagrará a ruptura final.
Para ele, quanto pior, melhor. Tudo que pareça repressão, mesmo que ao abrigo da lei, só reforça o ânimo, e também a propaganda, dos secessionistas.
E a polícia local, os Mossos  d’Escuadra, aceitará a intervenção? São 17 mil integrantes, já em estágio de quase-ruptura com as autoridades policiais que respondem ao governo central, a Guarda Civil e a Polícia Nacional.
Como vão reagir quando um interventor se apresentar para assumir o comando?
Já houve incidentes graves antes do plebisicito. Depois da repressão da Guarda Civil, em cumprimento de ordem judicial,  no dia da votação que estava proibida pela justiça, o estado de animosidade aumentou muito. Agentes e a direção dos Mossos estão sendo investigados por não cumprimento de dever funcional.
Homens armados em estado de conflagração, com ânimos exaltados, irrevogavelmente divididos entre “espanhóis” e “catalães”, podem cruzar um limite perigoso.
As propostas de saída são ilusórias. O governo propôs a intervenção, seguida de eleições gerais. No estado de exacerbação atual, só é possível esperar mais do mesmo: quem vai votar, em massa, é a parte da população profundamente motivada pela independência unilateral.
E vai votar em quem? Nos mesmos políticos apoiam a independência com ruptura.
Na situação atual, todos estão se dando mal. O governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy, seguro por um fio em suas alianças, pode ser empurrado para outra crise. O apoio à legalidade institucional dos outros principais partidos, o Socialista e o Cidadãos, não é à prova de novos conflitos.  O PSOE já começou a fraquejar: se houver eleições, não é preciso a aplicação do artigo 155
A Espanha mal está tirando os pés da crise, numa recuperação ainda precária conseguida na base de uma firmeza implacável de Rajoy e seu governo. Uma crise institucional profunda como a da Catalunha não faz prever nenhuma moleza pela frente.
Para os independentistas, fica cada vez mais clara a face problemática do que parecia uma jornada gloriosa de hinos, bandeiras e uma declaração quase mágica de nascimento de uma nação.  A parte da população que é contra a independência – teoricamente, a maioria -, sente-se a cada dia mais rejeitada e até ameaçada.
Diante da instabilidade, do risco e da insegurança jurídica criadas pela “quase independência”, mais de 1 300 empresas já transferiram suas sedes para outros lugares, fora da Catalunha. Os partidos de extrema-esquerda que apoiam a independência convocaram campanhas de desobediência civil, inclusive com saques em massa dos bancos que mudaram de sede.
A cada passo, a situação fica mais sem saída. Falando ao El País, uma fonte do governo admitiu a realidade: “Será impossível aplicar o artigo 155.”
E, mesmo que aplicado, abriria apenas um espaço ilusório para respirar. Como cada um dos lados quer o impossível, sob a forma de concessões que nenhum deles pode fazer, o oxigênio está para acabar a qualquer momento.
Por Vilma Gryzinski, na Veja.com


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