A extensão para oito anos do prazo de inelegibilidade
para crimes de abuso de poder econômico ou político previstos na Lei
Complementar 135/2010, a Lei da Ficha Limpa, também serve para condenações
anteriores a 2010. Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal, nesta quarta-feira
(4/10), por maioria apertada, de 6 votos a 5.
Na interpretação majoritária, o Plenário assentou no julgamento de 2012, em que foi reconhecida aconstitucionalidade da Lei Ficha Limpa, que as sanções eleitorais previstas
na LC podem ser aplicadas de maneira retroativa, sem ofensa à coisa julgada.
Nesta quarta-feira, os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello
seguiram a posição do relator, ministro Ricardo Lewandowski, no sentido de
impedir que a LC valesse para sentenças anteriores à criação da lei, em 2010. A
presidente, ministra Cármen Lúcia, no entanto, acompanhou a divergência inaugurada na semana passada pelo voto-vista do ministro LuizFux, e desempatou o julgamento.
No início da sessão, o advogado José Eduardo Alckmin pediu a
palavra e defendeu que o processo em questão estava prejudicado e que o
julgamento deveria ser suspenso. Isso porque, apesar de se tratar de repercussão
geral, o objeto do recurso extraordinário específico já está superado, segundo
o advogado. A maioria dos magistrados decidiu pela prejudicialidade do RE, mas
entendeu que isso não impediria a discussão sobre a tese a ser fixada na
repercussão geral.
A questão foi levada ao STF por um político que teve seu
registro de candidatura cassado pela Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar
64/1990). Só que a lei previa prazo de três anos para que candidato que teve o
registro impugnado pudesse voltar a se candidatar. Esse prazo foi estendido
pela Lei da Ficha Limpa.
O caso envolve o artigo 22, inciso XIV, da LC 64. O candidato
que entrou com o recurso foi condenado antes da edição da Lei da Ficha Limpa e
já cumpriu os três anos de inelegibilidade previstos na redação antiga do
dispositivo, mas, eleito, teve seu registro negado. Ele alegava, portanto, que
a sanção prevista na nova lei não pode retroagir para atingir seu caso, que
inclusive já transitou em julgado.
Retroatividade criticada
O ministro Marco Aurélio seguiu a linha da defesa e foi enfático em criticar a posição dos colegas pela retroatividade da aplicação da Ficha Limpa. “Em 39 anos de judicatura, jamais me defrontei com situação tão constrangedora para o Supremo como essa”, afirmou.
O ministro Marco Aurélio seguiu a linha da defesa e foi enfático em criticar a posição dos colegas pela retroatividade da aplicação da Ficha Limpa. “Em 39 anos de judicatura, jamais me defrontei com situação tão constrangedora para o Supremo como essa”, afirmou.
Ele disse que é regra básica o fato de as leis aprovadas pelo
Congresso terem efeito dali em diante, nunca para casos anteriores à criação da
nova norma. “O que se tem nesse caso? Critério de plantão inaugurado pelo
Supremo? Aprendi desde sempre que o exemplo vem de cima”, lamentou.
Celso de Mello também seguiu o relator. Ele ressaltou que a
moralidade é premissa para o exercício de mandatos eletivos, mas argumentou que
a Constituição deve ser observada e os princípios da coisa julgada e do ato
jurídico perfeito, respeitados. A inelegibilidade, disse, traduz gravíssima
limitação a direito fundamental. O perigo da interpretação a favor da
retroatividade, sustentou, é que abre possibilidade para “desrespeito a
inviolabilidade do passado”.
Não se pode retroagir, salientou, porque o ato jurídico da
condenação já se exauriu em todas suas potencialidade. O decano fez um
histórico do comportamento da humanidade em relação ao cumprimento das leis.
Segundo ele, os filósofos gregos Platão, Sócrates e Cícero já citavam a
importância de a aplicação da lei se dar de sua aprovação em diante,
jamais o contrário: “A irretroatividade vale para todas as leis, sem exceção”.
Sobre o fato de a legislação questionada ter origem em projeto
de lei de iniciativa popular, ele afirmou que até mesmo esse conjunto de
pessoas responsáveis por apresentar a legislação tem de se atentar às regras da
Constituição. “O projeto, não importa se ordinário ou complementar, pois todos
representam pretensão de um direito novo, estão subordinados às formalidades
constitucionais”, alertou.
O voto de minerva da presidente Cármen Lúcia, porém, foi no
sentido contrário. Para ela, o Plenário da corte já enfrentou a questão quando
da análise da ação contra a Ficha Limpa, em 2012. Naquela ocasião, diz, o STF
já havia declarado a constitucionalidade da aplicação retroativa da LC. “Não há
que se falar em afronta à coisa julgada, não significa interferência no
cumprimento da decisão anterior. O Judiciário já fixou isso”, garantiu.
Ela afirmou que vários processos foram julgados com essa interpretação e
que agora não cabe mais mudar de entendimento sobre a matéria.
Na sessão desta quinta-feira (5/10), os ministros irão fixar a
tese para repercussão geral, a ser proposta por Fux, responsável por abrir a
divergência. Também será analisado um pedido feito no fim da sessão desta
quarta-feira pelo relator, Lewandowski, para modular os efeitos da decisão. Os
magistrados ficaram de discutir a proposta do relator logo na abertura da
próxima sessão. Ele ressaltou a necessidade de modulação, sob risco de atuais
ocupantes de mandatos eletivos serem cassado, alterando o quociente eleitoral
de pleitos proporcionais e mudando a composição de legislativos Brasil afora.
Mesmo que isso ainda não tenha sido analisado, Fux se adiantou e
afirmou que é contrário. "A modulação significa dizer que essa
decisão não terá efeito nenhum", criticou. Segundo ele, mais de 50
processos só no Tribunal Superior Eleitoral aguardam a fixação dessa tese para
terem uma definição, fora outras centenas de casos em outros tribunais.
Entendimento reforçado
Apesar de já ter apresentado o voto antes do pedido de vista de Fux, o ministro Gilmar Mendes reforçou seu entendimento na sessão desta quarta e criticou os colegas favoráveis à retroatividade da aplicação da Lei da Ficha Limpa.
Apesar de já ter apresentado o voto antes do pedido de vista de Fux, o ministro Gilmar Mendes reforçou seu entendimento na sessão desta quarta e criticou os colegas favoráveis à retroatividade da aplicação da Lei da Ficha Limpa.
“Onde fica o trânsito em julgado? A própria legislação prevê a
prescrição. É uma corrida de obstáculo onde os obstáculos são móveis”,
criticou. Segundo ele, essa decisão faz jus ao Direito nazifacista e em nada
tem a ver com o sistema jurídico brasileiro. Tudo isso em nome da moralidade
que, nesses casos, fica acima inclusive de cláusulas pétreas da Constituição,
lamentou.
Dizer que a inelegibilidade é uma sanção, e não uma pena como
argumento para aplicar a retroatividade, disse, é “relativizar direito
fundamental”. O pior de tudo, para Gilmar, é que a aplicação da retroatividade
não foi aprovada pelo Congresso Nacional, mas irá acontecer por determinação do
Supremo. “Nós é que estamos dizendo isso via interpretação. Esse é o maior
constrangimento. É possível regular direito fundamental e dar-lhe consequências
para repercutir no passado?”, argumentou.
Restrição de direito
O advogado Tony Chalita, sócio do Braga Nascimento e Zilio Advogados, especialista em Direito Constitucional e Eleitoral, também critica a posição majoritária da corte. "O argumento de que a inelegibilidade não seria uma imposição de pena, mas apenas uma restrição da capacidade eleitoral passiva, a meu ver, é de extrema fragilidade considerando que o cidadão será surpreendido por uma restrição do exercício de um direito constitucionalmente garantido, por uma norma que sequer existia quando dos fatos delituosos cometidos", afirma.
O advogado Tony Chalita, sócio do Braga Nascimento e Zilio Advogados, especialista em Direito Constitucional e Eleitoral, também critica a posição majoritária da corte. "O argumento de que a inelegibilidade não seria uma imposição de pena, mas apenas uma restrição da capacidade eleitoral passiva, a meu ver, é de extrema fragilidade considerando que o cidadão será surpreendido por uma restrição do exercício de um direito constitucionalmente garantido, por uma norma que sequer existia quando dos fatos delituosos cometidos", afirma.
A previsibilidade das leis é uma garantia do cidadão, argumenta.
"O cidadão jamais poderá ser surpreendido com novas regras capaz de
prejudicá-lo." A máxima de que a lei só poderá retroagir para
beneficiar o réu também deve prevalecer neste caso, segundo ele.
RE 929.670
Por Matheus
Teixeira, no Consultor Jurídico
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