Relatório da OCDE aponta avanços na educação brasileira, mas reforça necessidade de redução da desigualdade. — Foto: Vivian Honorato/Ascom/Prefeitura de Londrina |
Análise sobre políticas adotadas nas últimas décadas mostra avanço em índices de educação, mas também aponta gargalos que precisam ser superados, como uma maior equidade na educação. Confira 10 pontos indicados pela OCDE para melhorar a educação no país.
O Brasil avançou em número de matrículas nas escolas e
melhorou o nível de escolaridade da população nas últimas décadas, mas ainda
precisa vencer desafios por uma educação de qualidade.
Entre eles, está a redução da desigualdade na
educação, o que pode ficar ainda mais acentuado com os efeitos da pandemia
devido à falta de acesso ao ensino remoto, e o fortalecimento de um Sistema
Nacional de Educação, com a definição de papéis claros entre os entes da
federação.
A análise faz parte de relatórios publicados pela
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em parceria
com a Todos pela Educação e Itaú Social.
Ao todo, são três documentos que somam mais de 400
páginas. Eles citam as políticas públicas implementadas nas últimas décadas,
avaliam os avanços em cada ciclo (do ensino infantil ao superior), trazem
recomendações de melhorias em diversas áreas, e comparações com políticas
adotadas em outros países.
"O relatório é categórico ao dizer que o Brasil
terá sérias dificuldades de avançar se não colocar luz na desigualdade da
educação. Com a pandemia, este tema ganhou tração, mas é importante que a OCDE
diga que ou Brasil encara o problema de frente e pensa em políticas para
superá-lo ou terá dificuldade em melhorar a qualidade da educação. A
desigualdade é muito alta em comparação aos outros países", afirma Olavo
Nogueira Filho, diretor-executivo da Todos pela Educação.
"Conseguimos avançar no acesso à educação básica
e até em relação a índices de desempenho, mas as desigualdades persistem. O
relatório aponta que a pandemia pode ter acentuado essas desigualdades e que
elas são multidimensionais, se dão por nível socioeconômico, mas também por
raça, gênero e localização geográfica, como onde você mora, em que local você
vive", avalia Patricia Mota Guedes, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento
do Itaú Social.
De acordo com o relatório da OCDE, a pandemia
aprofundou a recessão econômica e atingiu com força a população mais vulnerável
"exacerbando as desigualdades que ainda colocam o Brasil entre os países
mais desiguais do mundo", diz o texto.
O relatório cita que, em 2018, 20% da população
brasileira vivia abaixo da linha da pobreza, índice maior do que o registrado
quatro anos antes, em 2014, quando eram 18%.
Um dos relatórios traz estatísticas que mostram a
desigualdade do país:
Acesso ao ensino médio: Em 2018, 60% da população
negra ou parda havia concluído pelo menos o ensino médio, índice que chega a
76% entre brancos;
Acesso ao ensino superior: 36% dos brancos com idade
entre 18 e 24 anos estavam na universidade ou já haviam concluído o ensino
superior em 2018; entre negros e pardos, o índice era de 18%;
Exclusão: Em 2019, quase 25% de negros e pardos de 18
a 24 anos não estudavam nem trabalhavam; para brancos, o índice era de 17%;
Abandono escolar e mercado de trabalho: segundo a
OCDE, os dados sugerem que a desigualdade leva negros e pardos a deixarem a
escola para trabalhar.
Entre as políticas destacadas pela OCDE para diminuir
a desigualdade no Brasil, está o Bolsa Família, que oferece pagamento mensal a
famílias de baixa renda que mantiverem os filhos matriculados em escolas; as
políticas de cotas para estudantes de escolas públicas, negros e pardos,
indígenas e pessoas com deficiência, e o Programa Universidade para Todos
(Prouni), que já ofereceu 2,5 milhões de bolsas de estudos para alunos
carentes.
Como
diminuir a desigualdade
O relatório da OCDE cita diversas ações para diminuir
a desigualdade, entre elas, estão:
Investir
em educação infantil
Patricia Mota Guedes, do Itaú Social, afirma que o
relatório destaca o avanço do Brasil em incorporar a pré-escola na educação
básica. "É uma conquista apontada, mas ao mesmo tempo tem o desafio de
ampliar o acesso à creche para crianças de 0 a 3 anos", pontua.
O investimento deve ser voltado à população mais
carente, de acordo com a OCDE. Dados do governo federal apontam que em 2020,
51% das crianças de 0 a 3 anos da parcela mais rica da população estavam
matriculadas em creches, enquanto entre os mais pobres o índice é de 26%.
"Temos evidências do papel da educação infantil
de qualidade para reduzir desigualdade. A criança já entra nos anos iniciais em
desenvolvimento, não só para alfabetização do mundo letrado, mas também a
socialização e desenvolvimento de outras competências importantes. Isso ajuda a
reduzir desigualdades de crianças com pais menos escolarizados", analisa.
Evitar
a reprovação
O relatório diz que a reprovação traz efeitos
indesejáveis e não garantem a aprendizagem do estudante. Há custos elevados
para manter os alunos retidos em séries, além da prática diminuir a motivação e
engajamento de alunos e incentivar o abandono escolar.
"Em países onde a reprovação é muito comum, o
desempenho geral tende a ser mais baixo e a origem social também tende a ter um
impacto maior nos resultados de aprendizagem do que em países onde menos alunos
são reprovados", cita o texto.
Manter
a política de cotas
O sistema de cotas, implantado em 2012 como medida
temporária, deve ser revisto em 2022.
A OCDE destaca que especialistas defendem a extensão
da política, acompanhado por programas de assistência financeira e diversidade
no conteúdo acadêmico universitário.
10 pontos para melhorar a educação do Brasil
Para superar desafios, a OCDE lista 10 pontos para
melhorar a qualidade da educação no país:
1. Investimento em educação: o
relatório sugere proteger os recursos da educação e vincular a resultados que
mostrem avanço na qualidade do ensino. O texto reconhece os avanços do novo
Fundeb, o fundo que financia a educação básica redistribuindo recursos para que
todos os alunos recebam pelo menos o mínimo de investimento previsto.
2. Reavaliar prioridades: a OCDE
afirma que a pandemia traz uma oportunidade de reavaliar as prioridades no
orçamento. Cita os gastos excessivos com reprovação e a necessidade de aumentar
as taxas de conclusão no ensino superior.
3. Ações para mitigar impacto da pandemia: a OCDE
afirma que serão necessários recursos adicionais para atender alunos em
vulnerabilidade, mas há riscos de cortes no orçamento devido à desaceleração
econômica. Isso já ocorre sobre recursos do Ministério da Educação, que teve os
maiores bloqueios em relação a outras pastas. O ideal seria investir mais para
recuperar as perdas da pandemia, com foco em alunos mais vulneráveis.
4. Melhoria para carreira de professores: para a
OCDE, a valorização do docente é essencial para melhorar o ensino e a
aprendizagem. Com isso, será possível atrair e reter professores de alto nível,
fornecendo apoio e desenvolvimento profissional.
5. Práticas de ensino:
abordagens inovadoras e comprovadas podem trazer impacto positivo na
aprendizagem dos estudantes. O desafio poderá ser superado com quadros
universitários de qualidade e cursos de formação continuada. Mas dados apontam
que três quartos dos professores dos anos finais do ensino fundamental e médio
nunca observaram aulas de outros professores para dar feedbacks, o que poderia
ser uma forma colaborativa de melhorar a prática de ensino.
6. Clima escolar: tornar o
ambiente escolar mais favorável a estudantes pode impactar na aprendizagem e
bem-estar. No Pisa de 2018, por exemplo, os dados apontaram que os casos de
bullying, indisciplina e solidão nas escolas do Brasil ocorriam acima da média
dos países da OCDE. O resultado de um ambiente pouco receptivo é o baixo o
desempenho dos estudantes. A avaliação indicou que 68% dos estudantes
brasileiros não sabiam o básico de matemática; 50,1% apresentavam baixo
desempenho em leitura e 55,3%, baixo desempenho em ciência.
7. Gestão escolar: a OCDE
recomenda melhorias na administração e liderança pedagógica, com profissionais
da área exercendo as funções. O relatório cita, por exemplo, que em 2018 70%
das redes ainda escolhiam diretores por nomeação política, destaca Patrícia
Mota Guedes.
8. Tornar a educação relevante: uma
iniciativa destacada pela OCDE é a reforma do ensino médio, que procura trazer
itinerários formativos adaptados de acordo com cada estudante, com vistas à
educação profissional e tecnológica. Para isso, são precisos recursos. Uma
opção é fazer programas locais, em parceria com empregadores, para aumentar o
engajamento dos jovens.
9. Apoiar os alunos em risco: a OCDE
recomenda intervenções já nos primeros anos escolares, como investimento na
educação infantil e anos iniciais (1º ao 5º ano) do ensino fundamental, com
políticas explícitas para evitar a evasão.
10.
Direcionar
recursos: regiões, escolas e alunos com as maiores necessidades
devem receber mais investimentos. É possível aproveitar a experiência
bem-sucedida do Fundeb, de acordo com o relatório, para fazer redistribuições
não apenas entre estados e municípios, mas também dentro deles.
"Quando o assunto é educação, é de se destacar
que praticamente nada do que a OCDE está recomendando está no escopo de atuação
do atual governo", avalia Olavo Nogueira Filho, do Todos pela Educação.
"As agendas que o Ministério da Educação tem priorizado, como as escolas
cívico-militares e o homeschooling, não tem relação com o que o relatório
recomenda que deveria ser prioridade. Para um governo que tanto valoriza a OCDE
e quer fazer parte deste grupo de países, fica um descolamento muito
grande", avalia.
Por
Elida Oliveira, G1
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