Pandemia acelerou o movimento que já era visto em
diversos países como Portugal, França, Itália, China e Japão: há mais mortes do
que nascimentos. O Brasil segue a mesma tendência e começa a enfrentar
problemas associados ao déficit de bebês
Grandes eventos como guerras, escassez de alimentos e pandemias são
capazes de redefinir a população de um país e até do mundo inteiro. Estima-se
que os diversos surtos de peste negra ocorridos na Europa entre o século 13 e
17 teriam dizimado mais de 25 milhões de pessoas. A gripe espanhola, em 1918,
ceifou de 50 a 100 milhões de vidas globalmente. Com a pandemia de Covid-19, o
mundo viu o que se estudava apenas em aulas de história acontecer novamente. As
consequências do que se vive agora, além dos milhões de mortos, são muitas,
dentre elas a baixa taxa de fecundidade em quase todos os países, entre eles, o
Brasil.
O continente europeu, que muito antes da pandemia, já possuía um número
deficitário de nascimentos, incapaz de compensar o número de mortes, apostou no
incentivo à reprodução, como reduções de impostos, bônus em dinheiro, migração
e aumento das licenças maternidade e paternidade. O presidente francês,
Emmanuel Macron, anunciou que a partir do dia primeiro de julho, a licença
paternidade passa a ser obrigatória e com duração de um mês e não mais uma
semana. No Japão houve redução recorde no número de nascimentos (-2,8%) em
2020. Já a China, o país mais populoso do mundo, possui uma história diferente,
mas nem por isso menos trágica, quando o assunto é renovação populacional. Com
sua política de apenas um filho por família, a China criou uma situação
insustentável: há mais homens do que mulheres, o que dificulta a formação de
casais. Isso sem contar com o envelhecimento e longevidade da população. Por lá
as estatísticas são sombrias. Mesmo com a tardia permissão governamental, em
2016, para que as famílias tivessem dois filhos e mais recentemente três, a
cultura entre os jovens chineses em idade fértil já era outra. O espantoso
crescimento econômico, assim como aconteceu nos países desenvolvidos, faz com
que as famílias não queiram ter mais do que dois filhos. Segundo o demógrafo
Everton Lima, professor da Universidade Estadual de Campinas e pesquisador no
Núcleo de Estudos da População Elza Ber, uma mudança na população chinesa
demorará anos para acontecer. “Há uma enorme população de idosos em um país que
precisa consumir”, diz.
Mudança abrupta Ainda segundo o pesquisador, a transição demográfica, como
é chamado o período em que uma nação começa a ter menos filhos por família,
começou a acontecer no Brasil já em 1970, mas sempre esteve “com o saldo
positivo”, ou seja, mais nascimentos do que mortes, com a média nacional de 2,2
filhos por família. A pandemia, no entanto, veio para mudar esse cenário de
maneira abrupta. No Portal da Transparência do Registro Civil, organizado pela
Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), onde
é possível acompanhar os dados de nascimentos e mortes, pela primeira vez, nove
capitais brasileiras registraram mais mortes que nascimentos em seus cartórios.
Fenômeno que acontece pela primeira vez na história.
Para se ter uma ideia da queda, só a região Sudeste, a mais populosa do
País, registrou 5.017 óbitos a mais que nascimentos no mês de abril desse ano.
Em abril de 2020, por exemplo, o cenário era outro: 37.075 nascimentos a mais
em relação ao número de óbitos. E essa tendência se manifesta mês a mês.
“Começamos a observar a queda da taxa de fecundidade já no mês de dezembro,
passados nove meses do início da pandemia, e isso segue acontecendo”, afirma
Lima. As previsões demográficas para os próximos anos são difíceis de estimar
até que a pandemia seja controlada e haja uma melhora da situação econômica.
“São muitos os fatores envolvidos, o isolamento social, por exemplo, faz com
que a união de novos casais seja menor”, explica. Outra questão crucial é a
falta da realização do censo nacional, realizado pelo IBGE e adiado pelo
governo Bolsonaro.
Se a diminuição da população é, em uma análise rasa, um alívio para o meio
ambiente e o aquecimento global, isso não está acontecendo de fato. As mortes
na América Latina pela Covid-19, não são restritas aos idosos. Jovens em idade
fértil e produtiva estão morrendo aos milhares. A população idosa deve ser a
maioria no Brasil nas próximas décadas, com resultados catastróficos para a
previdência social e a população ativa, aquela que produz e faz com que o país
cresça. O World Population Prospects (WPP), que faz o estudo anual dos dados
demográficos dos países do globo optou, devido às incertezas, por não divulgar
dados em 2020 e 2021, ou seja, só saberemos o tamanho do problema em 2022. O
Brasil, no entanto, segue com o apagão de dados e até que haja um censo, a
nação engatinha às cegas, sem saber quais as melhores medidas a serem tomadas.
Por Taísa
Szabatura, Revista Isto é/Comportamento
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