Numa colaboração sem precedentes na pandemia, cientistas
identificaram fatores genéticos que aumentam o risco de contrair e desenvolver
casos graves de Covid-19. O trabalho é resultado da análise de dados de 46
estudos, de 19 países, realizados por 3.300 pesquisadores e foi publicado nesta
quinta-feira pela revista Nature.
Foram descobertas 13 regiões do
genoma humano, em oito cromossomos, que influenciam o risco de uma pessoa
adoecer e morrer de Covid-19.
Para tanto, os pesquisadores
trabalharam com dados de 49 mil pessoas com Covid-19 e outros 2 milhões de
indivíduos, usados para comparação. Entre os fatores que aumentam o risco de
desenvolver Covid-19 grave, ser homem, estar acima do peso e mais velho são os
principais. Ter diabetes, doenças cardiovasculares e hipertensão também contam.
Mas há pessoas sem nenhuma
comorbidade conhecida que adoecem com severidade. E outras que, apesar de
comorbidades, sequer apresentam sintomas. Determinadas alterações genéticas
podem explicar esses casos misteriosos e também potencializar os danos de comorbidades
conhecidas.
Os cientistas da rede Iniciativa
para o Estudo da Genética do Hospedeiro (Covid-19-HGI) não identificaram ainda
genes específicos e as alterações que poderiam agravar a Covid-19. Mas
descobriram que mutações em regiões dos cromossomos 3, 6, 8, 9, 12, 17, 19 e 21
estão associadas à suscetibilidade ou à severidade da doença.
— A maior importância da
pesquisa é mostrar que existe um mecanismo genético e que ele fará diferença no
curso da doença. Não sabemos quais são os genes envolvidos, mas já podemos
afirmar que existem pessoas geneticamente mais suscetíveis. E essa
suscetibilidade pode não ser evidente, a não ser que a pessoa seja exposta ao
coronavírus — afirma um dos coordenadores da rede, Mark Daly, do Instituto
Broad, em Boston.
Genes podem ser decisivos para jovens
No Brasil, a pesquisa contou com
a colaboração de cientistas do estudo Determinantes Genéticos de Complicações
da Covid-19 na População Brasileira, desenvolvido no Instituto do Coração da
USP.
Para os jovens, genes podem ser
decisivos. Andrea Ganna, do Instituto de Medicina Molecular da Finlândia,
também coordenador da rede global, destacou que a identificação de fatores de
risco genético é particularmente importante para os indivíduos mais jovens, que
tenham vulnerabilidade não aparente.
Ainda há muito trabalho à frente
antes que todos os genes associados à Covid-19 sejam descobertos. Mas uma das
primeiras aplicações, quando isso ocorrer, será o desenvolvimento de testes
genéticos para detecção de risco aumentado, prognóstico da doença e estratégia
de tratamento. Outra, o reposicionamento de remédios que já existem para tratar
determinadas conexões biológicas associadas a essas mutações e/ou o
desenvolvimento de drogas específicas.
Na apresentação do trabalho,
Daly reconheceu que isso pode trazer um grande avanço para alguns, mas aumentar
o abismo entre quem tem ou não acesso a serviços de saúde. Ele destacou ainda
que a identificação de fatores genéticos associada à Covid-19 aumenta ainda mais
a importância de as pessoas se protegerem com os recursos que já existem.
— Se você não se expor, não vai
contrair o coronavírus, mesmo que seja geneticamente mais suscetível. Você não
ficará doente ao se proteger. Mais do que a genética, o comportamento é
determinante. E existe uma forma universal de prevenção, a vacina — enfatizou
Daly.
Pontos vulneráveis ao coronavírus
Para investigar nossos pontos
vulneráveis ao coronavírus, os cientistas tanto procuraram alterações genéticas
que já haviam sido associadas anteriormente a infecções e a doenças autoimunes,
quanto buscaram pontos de convergência em pessoas com quadro graves. Das 13
regiões do genoma relacionadas à Covid-19, seis têm variações específicas da
doença e não estão ligadas a qualquer outra enfermidade.
A maioria das regiões do genoma
identificadas abriga genes ligados ao sistema imunológico. Porém, algumas estão
relacionadas à fisiologia do pulmão e já foram associadas ao câncer e à fibrose
pulmonar.
Quatro das 13 áreas do genoma
identificadas foram relacionadas à suscetibilidade ao Sars-CoV-2. Isto é,
pessoas que possuem esse tipo variação genética correm um risco maior de
desenvolver infecção, não necessariamente grave, caso entrem em contato com o
coronavírus.
Entre elas está uma posição no
cromossomo 3 onde fica o gene SLC6A20. Esse gene ajuda a regular a porta de
entrada do coronavírus na célula humana, a proteína ACE2. Variações nesse gene
facilitariam a invasão do coronavírus.
Nove das 13 regiões estão
ligadas à severidade da Covid-19. Uma delas fica no cromossomo 19 e mutações no
gene TYK2 são o fator de risco mais provável. Esse gene ajuda regular o
funcionamento do sistema imunológico. Algumas de suas formas alteradas podem
aumentar o risco de doenças autoimunes. Já outras foram associadas à chance de
desenvolver tuberculose. Na Covid-19, a função do TYK2 estaria reduzida, o que
levaria ao agravamento da doença.
Limitações da pesquisa
O estudo tem limitações
importantes. Uma delas é ter sido majoritariamente realizado na Europa e na
América do Norte. Assim, 80% das pessoas cujos dados foram analisados têm
ascendência europeia. Como em genética existem variações populacionais, o
trabalho não oferece um quadro global.
Ainda assim, variações
encontradas apenas em indivíduos de origem latina ou do leste da Ásia foram
identificadas, o que mostra a importância de se investigar a diversidade
populacional.
Uma dessas variações ou mutações
está no gene FOXP4, no cromossomo 6. Ela foi ligada a formas graves da Covid-19
e é encontrada muito mais frequentemente em populações de ancestralidade latina
ou asiática. Mutações no FOXP4 já foram relacionadas a certas formas de câncer
de pulmão.
Por Ana Lucia Azevedo, O Globo
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