quarta-feira, 21 de julho de 2021

'Inpe vive crise financeira sem precedentes', diz ex-diretor



Reconhecido no mundo inteiro pela excelência de sua produção científica, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) vive uma crise sem precedentes, conjugando finanças combalidas, liderança fraca e relacionamento tenso com o Palácio do Planalto e outros órgãos do governo federal, que cobiçam o controle de seus estudos.

 

O panorama é traçado pelo cientista da computação Gilberto Câmara, diretor do órgão entre 2005 e 2012. Em entrevista ao GLOBO, ele alerta que a Amazônia está a caminho de bater um novo recorde de desmatamento, contribuindo para o isolamento econômico e diplomático do Brasil, enquanto outros países dedicam cada vez mais protagonismo às discussões ambientais.

Como é hoje a situação orçamentária do Inpe?

É de pleno desmonte institucional. Considerando a correção monetária, o orçamentário do Inpe, em 2010, era de R$ 487,6 milhões. Hoje, é de R$ 75,8 milhões. A queda começou no governo Dilma, mas as contas ainda eram administráveis. Mas depois veio o teto de gastos aplicado pelo Temer, e agora o Bolsonaro, que reduziu o orçamento de R$ 187 milhões em 2019 para o valor atual. Trata-se de uma crise financeira sem precedentes. Então houve cortes generalizados: perdemos o programa de cooperação espacial com a China, a continuidade dos estudos do satélite Amazônia 1 foi suspenso. Daqui a pouco não haverá luz para pagar a energia e manutenção do supercomputador (Tupã, que faz previsão de estiagem e clima).

A divulgação das queimadas, hoje feita pelo Inpe, será realizada agora pelo Sistema Nacional de Meteorologia (SNM), que, além do Inpe, é integrado pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e pelo Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam). O que significa essa mudança?

A criação do SNM é uma cortina de fumaça, fruto do desespero do governo, que está perdendo apoio eleitoral e é pressionado internacionalmente para tomar medidas contra o desmatamento e as queimadas. Com a falta de boas notícias, resolve amordaçar o Inpe, que é um mensageiro independente.

O Inpe está vulnerável desde a saída do Ricardo Galvão, que foi exonerado por defendê-lo dos ataques de Bolsonaro. Foi substituído interinamente por um militar (Darton Policarpo Damião) e agora por um civil (Clezio de Nardin) que é tão fraco quanto o ministro (de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes). Eles não defendem o Inpe, e outros órgãos estão tirando proveito para tomar funções que o instituto desempenha há décadas. O Inmet quer divulgar dados sobre queimadas, mas o que ele sabe sobre isso? Nada. É de um primarismo vergonhoso.

O Inpe pode perder o controle de outras funções, como a divulgação dos dados do desmatamento?

Claro. O Censipam, que é um órgão do Ministério da Defesa, já tentou várias vezes assumir esse papel, mas esbarrou em reações. O Censipam diz que tem dados sobre desmatamento, só que ninguém nunca viu. Então, qual é sua credibilidade? As Forças Armadas querem controlar a produção de informações sobre a Amazônia. A questão não é se o Inpe será novamente usurpado, e sim quando isso ocorrerá.

Como é a relação do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, com o instituto?

É muito fraca. Leite não buscou aproximação com o Inpe. Ele era membro da Sociedade Rural Brasileira, foi cria do (ex-ministro Ricardo) Salles, não tem formação ambiental. Não dá para ter esperança com ele.

A área sob alerta de devastação da Amazônia no primeiro semestre foi 17% maior do que a vista no mesmo período de 2020. O Prodes, que mede o desmate anual, apontará um valor superior ao do ano passado, que foi o mais elevado desde 2008?

Tudo indica que sim. Mas, mesmo se mantivermos os níveis do ano passado (10.851 km² de florestas devastadas), será uma péssima notícia. Assinamos compromissos internacionais para reduzir o desmatamento e jogamos tudo pela janela. Mas o Prodes não é minha maior preocupação.

Qual é?

O avanço no Legislativo de projetos de lei que dão anistia à grilagem. Quando o Código Florestal foi sancionado em 2012, houve um acordo: não multaremos quem desmatou dentro de suas reservas, mas daremos um prazo para recuperar a vegetação. Agora, o Congresso está desenhando um novo arranjo jurídico que acaba com esta expectativa de revitalização e pode inviabilizar o combate a novas devastações.

As doações estrangeiras ao Fundo Amazônia podem voltar?

Só depois de 2022. Não com Bolsonaro, Mourão e Joaquim Leite.

No ano passado, o senhor lançou uma “anticandidatura” para a direção do Inpe, em protesto contra a militarização do órgão. Como é hoje a presença das Forças Armadas no instituto?

Hoje, a militarização é um problema da Agência Espacial Brasileira (autarquia do Ministério da Ciência e Tecnologia). É um órgão civil, mas que infelizmente tem pouco interesse em projetos civis. Deveria apoiar as empresas e os centros de pesquisa, como o Inpe. No entanto, dá mais atenção ao funcionamento da base de Alcântara, que é uma questão geopolítica. Os militares deveriam atuar no Ministério da Defesa.

Qual será a importância do debate ambiental na próxima eleição presidencial?

Difícil saber. O Lula disse recentemente que, em seu governo, reduziu 80% do desmatamento da Amazônia. É verdade. Mas ele tratava o Ministério do Meio Ambiente como um órgão à parte, que não estava inserido em uma estratégia de desenvolvimento nacional, como as pastas de Educação e Saúde.

Se tiver o mínimo de discernimento, verá que o mundo mudou, e que o Brasil precisa se transformar também. O meio ambiente não é mais um assunto periférico. Na semana passada, o jornal Financial Times afirmou que o Brasil deveria pagar pelo desmatamento da Amazônia. Dez anos atrás, esse discurso era exclusivo de ONGs como o Greenpeace. Se não nos apresentarmos como um país do qual a área ambiental está ligada ao projeto econômico, continuaremos irrelevantes no cenário internacional.

Por Renato Grandelle, Extra


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