Dias antes de morrer, Mauro, meu
marido, me deixou uma carta de amor. Não era meu aniversário nem fazíamos anos
de casados. Mas ele escreveu assim: ‘Tenho a certeza de que a minha sonoridade
é do seu agrado assim como a sua é do meu’. E ainda completou: ‘O Vale
Verdejante é um filho nosso’.
Estávamos
casados há 24 anos quando ele entrou no boeing da Gol, em 29 de setembro de
2006. O voo 1907, que saiu de Manaus com escala em Brasília, teria como destino
final o Rio. Porém, no meio do caminho o avião em que Mauro estava foi
derrubado pelo jato Legacy e caiu numa região de mata do Mato Grosso. Ninguém
sobreviveu ao desastre aéreo, um dos maiores do Brasil: 154 pessoas morreram.
Meu
marido era engenheiro metalúrgico e eu trabalhava como gerente de um grande
banco. Nossos três filhos estavam criados, todos com mais de 20 anos,
independentes. Por isso, eu e Mauro vivíamos uma nova fase de nossas vidas em
que planejávamos aproveitar mais o nosso sítio, chamado Sta. Rita, localizado
em Andrade Costa, no interior do Rio. Sempre fui muito ligada à natureza. Caso
existisse faculdade de ecologia quando eu era jovem, esta teria sido a minha
opção. Por isso, a perspectiva de trabalhar em prol da comunidade daquela
região em projetos sustentáveis me deixava tão contente. Era para lá que nós
íamos naquela sexta-feira. Pretendíamos discutir um projeto cujo objetivo era
gerar um complemento de renda aos jardineiros dos arredores, mas Mauro nunca
chegou.
Uma
das minhas filhas foi a primeira a me ligar falando do desaparecimento de um
avião que havia partido de Manaus. Talvez pela longa convivência com Mauro, que
detestava pensar no pior, respondi a ela: ‘Não vai ter nada a ver’. E me
recusei a pensar. Na sequência, um amigo do meu marido me deu a notícia que
ninguém queria receber: Mauro estava no tal voo. Aí eu me desesperei, senti
realmente o chão se abrir.
Depois
de uma noite mergulhada na angustiante espera por notícias, recebemos a
informação confirmando a morte de todos que estavam na aeronave. O corpo de
Mauro foi localizado após quinze dias.
Eu e
uma das minhas filhas fomos medicadas por um psiquiatra para suportar a dor.
Analisando em retrospecto, acho que meus filhos me ajudaram mais do que eu a
eles. Com o apoio da minha família, que é grande e unida, consegui atravessar o
longo processo da perda.
Depois
da cerimônia de cremação, que aconteceu em meados de outubro, decidi voltar ao
nosso sítio. Os jardineiros que estavam envolvidos no projeto que tínhamos
começado a desenvolver me escreveram uma carta comovente, pedindo para eu dar
continuidade, para não desistir. Eu, de fato, precisava seguir em frente para
cumprir o desejo de Mauro. Aquele chamado à vida, à construção de um ideal que
nasceu do nosso grande amor, me fez um bem danado. Foi movida por esse elo que
realizei, no fim de 2006, ao lado da comunidade, o primeiro plantio de rua de
50 árvores. Naquela ocasião, já tinha as mudas preparadas devido ao trabalho
realizado pelos caseiros. As mudas tinham sido o pontapé inicial dado, em
conjunto, pelos jardineiros, por mim e pelo Mauro.
No
final de 2007, repetimos o plantio de rua no mesmo local e senti, daquela vez,
uma energia ainda mais transformadora. Resolvi então dar um passo que seria
vital para vencer o luto e ressignificar a minha dor. Em 2008, com parte do
dinheiro da indenização, comprei um terreno de 30 mil metros quadrados nas
imediações. A área, que é hoje uma vigorosa floresta, foi doada por mim à ONG
Vale Verdejante, fundada em 2006. Graças à minha conexão com a natureza, que me
pegou no colo, consegui me reerguer e encontrar um objetivo que mudou a minha
vida: quis oferecer uma floresta para o meu marido. Em 2009, pedi demissão do
banco e, na sequência, me aposentei. Pude, então, passar a me dedicar de corpo
e alma ao nosso ‘filho’.
Porém,
para aquele terreno virar a floresta dos nossos sonhos muita água rolou. Foi um
trabalho hercúleo. Ao longo desses 15 anos, eu, a comunidade e a equipe que me
acompanha (20 pessoas) plantamos cerca de seis mil árvores. Privilegiamos as
mudas nativas da Mata Atlântica. Com o tempo, os pássaros, que haviam sido
espantados pela devastação da região, voltaram por causa do reflorestamento e o
canto deles reverberou nas cidades vizinhas. Os animais também puderam
regressar ao habitat.
No
fim de 2020, ganhei o maior presente: a floresta foi reconhecida por decreto
como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Mauro Romano. Isso quer
dizer que a mata nunca será mexida. Mesmo se um dia o terreno for vendido, o
verde será conservado.
Com
o tempo, incluí outras metas, além do reflorestamento. Atuamos na educação
ambiental, interagimos com crianças em idade escolar e com professores da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, do campus de Três Rios. Também
temos uma trilha aberta aos visitantes (basta agendar pelo site
valeverdejante.org.br).
Ao
caminhar pelo Vale, ouvindo o barulho das folhas, me sinto bem pertinho do
Mauro. A natureza tem muito para dar para gente, mas é preciso ter olhos para
ver beleza. Eu tenho.”
Em depoimento a Marcia Disitzer, O Globo
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