Priorizados no plano nacional, indígenas mostram resistência à vacina contra covid-19 influenciados por desinformação propagada por líderes evangélicos, segundo relatos.
Na Terra Indígena Araribóia, na Amazônia maranhense,
doses de vacina contra a covid-19 começaram a chegar. Ao mesmo tempo que
aldeias aguardam com ansiedade o imunizante, há também uma resistência grande.
Pastores e membros de igrejas evangélicas locais vêm pedindo aos indígenas que
não se vacinem, segundo relatos coletados pela DW Brasil.
"Eles [líderes evangélicos] estão dizendo que [a
vacina] vem junto com um chip, que tem o número da besta, que vira
jacaré…", conta uma assistente social que conversou com a DW Brasil e
prefere não ter seu nome revelado nesta reportagem.
Ela está em missão especial na região para esclarecer
como as vacinas de fato funcionam. A campanha de desinformação é difundida via
áudios e vídeos pelo celular, pelo sistema de radiofonia entre as aldeias e por
cultos presenciais, aponta.
No caso do Maranhão, relatam indígenas, a maior
influência é da igreja Assembleia de Deus. A DW entrou em contato com a
Convenção Geral das Assembleias de Deus para esclarecer se a entidade é contrária
à vacinação, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
Até esta quinta-feira (28/01), mais de 220 mil
brasileiros morreram vítimas da covid-19. Segundo apontaram testes, as duas
vacinas aplicadas atualmente momento no Brasil, Coronavac e Oxford-AstraZeneca,
com eficácias diferentes, ajudam a diminuir o número de pacientes graves que
precisam de internação, além de protegerem contra o vírus.
Segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena
(Sesai), do Ministério da Saúde, foram confirmados 41.251 casos da doença entre
essa população, com 541 mortes.
O dado oficial, que não considera aqueles que vivem
fora dos territórios homologados, não reflete a realidade da pandemia, afirmam
organizações indígenas, apontando que o número seria, na verdade, três vezes
maior.
"Vacina não é de Deus"
No estado do Amazonas, que sofre com a alta de casos e
falta de oxigênio para pacientes, há relatos semelhantes de desinformação.
"Há pastores orientando os parentes [como
indígenas se chamam] para que não tomem a vacina, porque 'não é de Deus'",
afirma Nara Baré, coordenadora-geral da Coordenação das Organizações Indígenas
da Amazônia Brasileira (Coiab), mencionando casos relatados em Itacoatiara,
região do rio Urubu, Manaus, Xingu (Mato Grosso) e Rondônia.
Mapear o curso dessa campanha de desinformação entre
indígenas, por outro lado, tem sido um desafio. "A grande questão é que os
que são seguidores dessas igrejas não falam. São os familiares desses parentes
que contam porque eles estão muito preocupados", detalha.
Na região do Vale do Javari, que tem a maior
concentração de povos isolados do mundo, a situação se repete, segundo Beto
Marubo, da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava). "Aldeias
já disseram à Sesai que não irão aceitar a vacina", conta.
As comunidades resistentes seriam aquelas vinculadas a
grupos evangélicos. "Na comunicação que eles fazem por rádio, que todas as
aldeias escutam, eles dizem que a vacina foi fabricada muito rápido para os
indígenas virarem cobaia", explica Marubo.
A postura desses religiosos, analisa Nara Baré, está
alinhado ao discurso do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia. "Ele
fala mal da vacina, deslegitima a própria ciência. E a gente agora está fazendo
uma campanha para incentivar a vacinação e combater as fake news e essa
propagação pelos pastores", afirma.
A situação piora o já grave quadro da pandemia, diz
Marubo. "A atuação de grupos religiosos nesse contexto de pandemia é tão
nefasta quanto o coronavírus. Isso nos desestabiliza, cria incerteza,
desconfiança com a vacina", opina.
Na região isolada, à qual os imunizantes chegam
principalmente por via aérea, doses estão sendo aplicadas no Alto Rio Itaquaí e
Alto Rio Jutaí.
Mais vulneráveis
A priorização dos indígenas na campanha nacional de
vacinação ocorreu depois de uma grande mobilização das lideranças junto à
Justiça. Uma ação no Supremo Tribunal
Federal (STF) determinou que a União elaborasse um plano de
enfrentamento específico.
"Nós estamos sendo vacinados primeiro porque
somos vulneráveis, corremos o risco de extermínio com essa pandemia",
defende Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Além de serem mais suscetíveis a doenças
infectocontagiosas, indígenas têm sofrido com maiores taxas de mortalidade pela
covid-19 em relação à população em geral, como mostrou um estudo recente da
Coiab e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Segundo informações do Ministério da Saúde, 410 mil
indígenas maiores de 18 anos e que vivem em aldeias devem ser vacinados nesta
primeira fase, além de 20 mil profissionais de saúde que trabalham diretamente
no atendimento à essa população.
Críticas a plano de vacinação "excludente"
O plano prevê que as vacinas sejam aplicadas em mais
de 6 mil aldeias espalhadas pelos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas
(Dseis) - o que gera muitas críticas entre as organizações.
"O plano de vacinação ainda é muito excludente e
acaba não contemplando metade da população indígena porque considera apenas os
que estão nas aldeias, cadastrados no sistema da Sesai", diz Guajajara
sobre a estratégia de priorização.
Para o governo federal, o "indígena aldeado"
é aquele que vive em áreas demarcadas. Por outro lado, existem pelo menos 200
terras indígenas aguardando regularização, segundo dados da própria Fundação
Nacional do Índio (Funai), além dos que habitam áreas urbanas.
"Isso deixa metade dos parentes de fora. Isso é
um ato de violência, de querer negar a identidade, a origem étnica",
critica Guajajara.
Em 2010, o censo apontou uma população indígena de 818
milhões no país. "Hoje nós somos mais de 1 milhão", afirma Nara Baré,
da Coiab.
Deutsche Welle
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