sábado, 30 de janeiro de 2021

Educação de resultado

 


A pandemia da Covid-19 deixa uma importante lição para os professores do País. Sem dependência de tecnologia e de altos investimentos e com muito trabalho duro é possível promover uma boa aprendizagem. O que importa mesmo é a qualidade do conteúdo

 

Ensino híbrido, digital, aulas online. Esses três temas têm sido considerados sinônimos de novos rumos educacionais e de boa aprendizagem. A pandemia que tirou os estudantes das salas de aula parecia mostrar que os caminhos da educação levavam à quase substituição radical do ensino presencial pelo remoto. As soluções pareciam adequadas somente aos países desenvolvidos, onde os altos investimentos na área e a igualdade da população tornam os problemas menos graves do que no Brasil. No entanto, escolas públicas, com pouquíssimos recursos e situadas em regiões desprovidas de riquezas econômicas tiraram lições importantes e essenciais da pandemia e mostraram que a educação de resultado não está diretamente ligada ao que chamamos de infraestrutura de ponta, em que a tecnologia vale mais do que o bom e velho giz e lousa. O segredo, desvendado em meio ao caos, foi a junção da mobilização de educadores com foco no conteúdo. A verdade é que os professores mostraram que uma boa qualidade é bem mais analógica do que híbrida. “As escolas que ganharam prêmios de gestão tiveram por trás professores engajados”, diz o catedrático da USP, Mozart Neves. “Ou seja: Eles não deixaram seus alunos”.

Como, então, esses educadores conseguiram transformar o desespero de uma educação à distância em resultados concretos? Para isso, é preciso dividir e separar as etapas que foram desenvolvidas por escolas que atingiram os níveis desejáveis da aprendizagem de seus alunos. No pequeno município paulista de Jarinu, por exemplo, a direção da Escola Orlando Mauricio Zambotto fez, antes de mais nada, um levantamento para saber quais dos mil e setenta e três alunos tinham acesso à internet e qual era a qualidade desse serviço. Afinal, os estudantes, em sua grande maioria, moravam em sítios, periferias e em roças, locais onde até a chegada do rádio e televisão é difícil. Assim que a pandemia fez com que a escola

fosse fechada, a diretora, Camila Leme, e o vice-diretor, Eder Pagani, começaram o levantamento de dados para que se tivesse em mãos a situação da conexão dos alunos. Descobriam que apenas 60% deles estavam conectados.“O WhatsApp era a melhor ferramenta para alunos com celular, porque muitas operadoras disponibilizam o uso desse aplicativo sem gasto de dados móveis”, diz Camila. Por meio do aplicativo, os professores estabeleciam comunicação com alunos e dirimiam dúvidas. Já para aqueles que nem acesso ao WhatsApp tinham, o trabalho foi redobrado. “Abrimos a escola para que os pais e os nossos educadores começassem a desenvolver um material impresso, os chamados roteiros adaptados”.

Tutores de classe

Os roteiros são materiais impressos nos quais os professores desenvolvem atividades baseadas em habilidades essenciais e entregam aos alunos que têm cerca de uma semana para exercerem as atividades. Os alunos devolvem aos professores, tudo é corrigido e volta às mãos dos estudantes. Um modelo cíclico e analógico. “O resultado foi expressivo. De nossas trinta e três turmas quase todas ficaram no nível proficiente. Conseguimos 100% de aprovação”, diz Pagani. Para buscar os alunos sem conectividade e que, muitas vezes, nem conseguiam ir à escola, os educadores nomearam tutores de classe – responsáveis por acompanhar o desenvolvimento dos colegas e auxiliar na entrega dos roteiros. A fórmula de sucesso da escola Orlando Zambotto não inclui tecnologia e investimentos milionários. “Alunos de famílias pobres têm em geral uma única chance de vida, que é ter um grande professor em uma boa escola”, diz o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría.

No município amazonense de Itacoatiara, a 270 quilômetros de Manaus, os professores embarcaram em uma canoa e foram atrás de alunos que estavam sem lição de casa. Com aulas online eles só conseguiam atingir 50% dos estudantes. Assim que começaram a ir à casa dos alunos, esse número subiu para 90%. A referência é da escola estadual Careiro da Várzea, localizada no rio Amazonas. Em todo o País, quase cinco milhões de crianças e jovens ficaram sem material escolar por falta de conectividade. “Os pais falavam que o ano estava perdido porque não tinham condições de comprar um celular”, diz a coordenadora da Unicef, Márcia Roseth. Entretanto, o pequeno aparelho tão falado e disputado em tempos de distanciamento social e fechamento de escolas, não foi e não é essencial para a aprendizagem. Antes disso, é preciso que a escola tenha um bom relacionamento com os pais, sem nunca inverter os papéis. Família é família e escola é escola. As salas de aula não devem ser ringues de luta, ou seja, o aluno não está lá para competir com o colega. Cada um funciona a sua maneira e as individualidades precisam ser respeitadas. E o foco deve estar no conteúdo. “A ideologia não é arte, não é fato ou fenômeno científico”, explica a fundadora da Unicamp e presidente da Associação Nacional da Educação Básica Híbrida, Maria Inês Fini. “A escola brasileira pode aprender muito com as experiências locais bem-sucedidas.”

Entre o mar e a terra

O aprendizado educacional pode vir de dentro do nosso País – e não somente de lugares como, por exemplo, a Finlândia. Até porque o Brasil conta somente com um computador para cada quatro alunos. “Eu penso que o colégio é um local que humaniza, mas jamais pode perder a essência de que é um lugar no qual conteúdos são ensinados”, afirma Eduardo Vieira, diretor da escola capixaba Governador Lindenberg. “A escola precisa trabalhar o conteúdo e, em cima dele, as vivências práticas da vida”. Vieira, durante a pandemia, fez a individualização dos alunos, produziu roteiros de estudos e, também, motivou a independência deles: Quando desenvolvemos a busca do conhecimento, os estudantes conseguem entender que a tecnologia não é a única ferramenta de uma boa aprendizagem”. Já a gestora Marta Ribeiro, da escola cearense Joaquim Moreira de Sousa, defende uma educação nem “tanto ao mar, nem tanto à terra”: “Aqui trabalhamos educação financeira, emocional, familiar, lado a lado com a matemática e o português, por exemplo”.

Fora de uma realidade de educação a distância e em meio a uma pandemia que obrigou brasileiros a ficarem em casa, é possível aprender com o exemplo do Ceará que, apesar de não ser rico como os estados do Sul e Sudeste, garantiu um tratamento igualitário para seus alunos. O Ceará passou a ser modelo de educação quando decidiu investir na alfabetização — hoje atingiu a tão desejada totalidade de alunos alfabetizados. “O maior trunfo da educação cearense é a comunicação integrada entre estado e municípios”, diz o secretário executivo do ensino médio e profissional do Ceará, Rogers Mendes. “Quando conseguimos a meta de cem por cento de alfabetização, os adolescentes passaram a chegar ao ensino médio com nivelamento de conteúdos”. Educar é, afinal, valorizar a individualidade de cada criança, acolhê-la em um mundo que existe antes de ela nascer. É colocá-la a par da realidade, abrindo-lhe caminhos para o futuro. É também estimular pensamentos questionadores. A boa educação está aqui e agora, nos quatro cantos do País, e nela se valoriza o bom e velho lápis e papel, mais do que a rede Wi-fi. Como dizia a pensadora Hannah Arendt, “a função da escola é ensinar as crianças como o mundo é, e não instruí-las na arte de viver”.

Da Revista Isto é


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