A pandemia da Covid-19 deixa uma importante lição para os professores do País. Sem dependência de tecnologia e de altos investimentos e com muito trabalho duro é possível promover uma boa aprendizagem. O que importa mesmo é a qualidade do conteúdo
Ensino híbrido, digital, aulas online. Esses três temas têm sido
considerados sinônimos de novos rumos educacionais e de boa aprendizagem. A
pandemia que tirou os estudantes das salas de aula parecia mostrar que os
caminhos da educação levavam à quase substituição radical do ensino presencial
pelo remoto. As soluções pareciam adequadas somente aos países desenvolvidos,
onde os altos investimentos na área e a igualdade da população tornam os
problemas menos graves do que no Brasil. No entanto, escolas públicas, com pouquíssimos
recursos e situadas em regiões desprovidas de riquezas econômicas tiraram
lições importantes e essenciais da pandemia e mostraram que a educação de
resultado não está diretamente ligada ao que chamamos de infraestrutura de
ponta, em que a tecnologia vale mais do que o bom e velho giz e lousa. O
segredo, desvendado em meio ao caos, foi a junção da mobilização de educadores
com foco no conteúdo. A verdade é que os professores mostraram que uma boa
qualidade é bem mais analógica do que híbrida. “As escolas que ganharam prêmios
de gestão tiveram por trás professores engajados”, diz o catedrático da USP,
Mozart Neves. “Ou seja: Eles não deixaram seus alunos”.
Como, então, esses educadores conseguiram transformar o desespero
de uma educação à distância em resultados concretos? Para isso, é preciso
dividir e separar as etapas que foram desenvolvidas por escolas que atingiram
os níveis desejáveis da aprendizagem de seus alunos. No pequeno município
paulista de Jarinu, por exemplo, a direção da Escola Orlando Mauricio Zambotto
fez, antes de mais nada, um levantamento para saber quais dos mil e setenta e
três alunos tinham acesso à internet e qual era a qualidade desse serviço.
Afinal, os estudantes, em sua grande maioria, moravam em sítios, periferias e em
roças, locais onde até a chegada do rádio e televisão é difícil. Assim que a
pandemia fez com que a escola
fosse fechada, a diretora, Camila Leme, e o vice-diretor, Eder
Pagani, começaram o levantamento de dados para que se tivesse em mãos a
situação da conexão dos alunos. Descobriam que apenas 60% deles estavam
conectados.“O WhatsApp era a melhor ferramenta para alunos com celular, porque
muitas operadoras disponibilizam o uso desse aplicativo sem gasto de dados
móveis”, diz Camila. Por meio do aplicativo, os professores estabeleciam
comunicação com alunos e dirimiam dúvidas. Já para aqueles que nem acesso ao
WhatsApp tinham, o trabalho foi redobrado. “Abrimos a escola para que os pais e
os nossos educadores começassem a desenvolver um material impresso, os chamados
roteiros adaptados”.
Tutores de classe
Os roteiros são materiais impressos nos quais os professores
desenvolvem atividades baseadas em habilidades essenciais e entregam aos alunos
que têm cerca de uma semana para exercerem as atividades. Os alunos devolvem
aos professores, tudo é corrigido e volta às mãos dos estudantes. Um modelo
cíclico e analógico. “O resultado foi expressivo. De nossas trinta e três
turmas quase todas ficaram no nível proficiente. Conseguimos 100% de
aprovação”, diz Pagani. Para buscar os alunos sem conectividade e que, muitas
vezes, nem conseguiam ir à escola, os educadores nomearam tutores de classe –
responsáveis por acompanhar o desenvolvimento dos colegas e auxiliar na entrega
dos roteiros. A fórmula de sucesso da escola Orlando Zambotto não inclui
tecnologia e investimentos milionários. “Alunos de famílias pobres têm em geral
uma única chance de vida, que é ter um grande professor em uma boa escola”, diz
o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría.
No município amazonense de Itacoatiara, a 270 quilômetros de
Manaus, os professores embarcaram em uma canoa e foram atrás de alunos que
estavam sem lição de casa. Com aulas online eles só conseguiam atingir 50% dos
estudantes. Assim que começaram a ir à casa dos alunos, esse número subiu para
90%. A referência é da escola estadual Careiro da Várzea, localizada no rio
Amazonas. Em todo o País, quase cinco milhões de crianças e jovens ficaram sem
material escolar por falta de conectividade. “Os pais falavam que o ano estava
perdido porque não tinham condições de comprar um celular”, diz a coordenadora
da Unicef, Márcia Roseth. Entretanto, o pequeno aparelho tão falado e disputado
em tempos de distanciamento social e fechamento de escolas, não foi e não é
essencial para a aprendizagem. Antes disso, é preciso que a escola tenha um bom
relacionamento com os pais, sem nunca inverter os papéis. Família é família e
escola é escola. As salas de aula não devem ser ringues de luta, ou seja, o
aluno não está lá para competir com o colega. Cada um funciona a sua maneira e
as individualidades precisam ser respeitadas. E o foco deve estar no conteúdo.
“A ideologia não é arte, não é fato ou fenômeno científico”, explica a
fundadora da Unicamp e presidente da Associação Nacional da Educação Básica Híbrida,
Maria Inês Fini. “A escola brasileira pode aprender muito com as experiências
locais bem-sucedidas.”
Entre o mar e a terra
O aprendizado educacional pode vir de dentro do nosso País – e não
somente de lugares como, por exemplo, a Finlândia. Até porque o Brasil conta
somente com um computador para cada quatro alunos. “Eu penso que o colégio é um
local que humaniza, mas jamais pode perder a essência de que é um lugar no qual
conteúdos são ensinados”, afirma Eduardo Vieira, diretor da escola capixaba Governador
Lindenberg. “A escola precisa trabalhar o conteúdo e, em cima dele, as
vivências práticas da vida”. Vieira, durante a pandemia, fez a individualização
dos alunos, produziu roteiros de estudos e, também, motivou a independência
deles: Quando desenvolvemos a busca do conhecimento, os estudantes conseguem
entender que a tecnologia não é a única ferramenta de uma boa aprendizagem”. Já
a gestora Marta Ribeiro, da escola cearense Joaquim Moreira de Sousa, defende
uma educação nem “tanto ao mar, nem tanto à terra”: “Aqui trabalhamos educação
financeira, emocional, familiar, lado a lado com a matemática e o português,
por exemplo”.
Fora de uma realidade de educação a distância e em meio a uma
pandemia que obrigou brasileiros a ficarem em casa, é possível aprender com o
exemplo do Ceará que, apesar de não ser rico como os estados do Sul e Sudeste,
garantiu um tratamento igualitário para seus alunos. O Ceará passou a ser
modelo de educação quando decidiu investir na alfabetização — hoje atingiu a
tão desejada totalidade de alunos alfabetizados. “O maior trunfo da educação
cearense é a comunicação integrada entre estado e municípios”, diz o secretário
executivo do ensino médio e profissional do Ceará, Rogers Mendes. “Quando
conseguimos a meta de cem por cento de alfabetização, os adolescentes passaram
a chegar ao ensino médio com nivelamento de conteúdos”. Educar é, afinal,
valorizar a individualidade de cada criança, acolhê-la em um mundo que existe
antes de ela nascer. É colocá-la a par da realidade, abrindo-lhe caminhos para
o futuro. É também estimular pensamentos questionadores. A boa educação está
aqui e agora, nos quatro cantos do País, e nela se valoriza o bom e velho lápis
e papel, mais do que a rede Wi-fi. Como dizia a pensadora Hannah Arendt, “a
função da escola é ensinar as crianças como o mundo é, e não instruí-las na
arte de viver”.
Da Revista Isto é
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