Acontece uma
farra na escolha dos suplentes dos senadores brasileiros. É comum encontrar
familiares favorecidos por uma legislação que não proibe a prática. Tudo ocorre
de forma legal, mas imoral e sem o conhecimento do eleitor
Todo jogo
justo tem como princípio regras conhecidas por todos os participantes. Caso
contrário, o resultado do jogo pode ser imoral. É exatamente o que ocorre nas
eleições dos senadores brasileiros. Diferentemente de todos os cargos eletivos,
os senadores são eleitos juntamente com dois suplentes que não aparecem nas
campanhas eleitorais ou nas urnas. Devidamente escondidos, eles abrem margem
para todo o tipo de artimanha. As mais postas em prática pelos senadores são a
indicação de familiares e dos financiadores das campanhas. Quando se trata de
um familiar, a situação fica mais escancarada. Os financiadores são mais
difíceis de serem apontados. O debate sobre o tema foi reaberto pelo senador
Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado com dinheiro na cueca pela Polícia Federal. O Supremo Tribunal
Federal (STF) determinou o afastamento do senador por 90 dias e ele corria o
risco de ter seu mandato cassado, possibilitando uma nova eleição para a sua
vaga. No entanto, o senador foi perspicaz e pediu afastamento de 121 dias, o
suficiente para que o seu filho e primeiro suplente, Pedro Arthur, assumisse o
posto no Senado, mantendo na família todas as benesses do cargo. Pesa contra
Pedro Arthur acusações de participar do esquema de corrupção no qual o pai é investigado. O senador Flávio Arns
(Podemos-PR) entende que o caso desmoraliza o Senado: “A sociedade, com toda
razão, repudia este escárnio na política”.
A prática,
contudo, é mais comum do que se imagina. Nada menos do que o presidente do
Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), é outro mau exemplo, que indicou como
suplente o seu irmão José Samuel Alcolumbre para a primeira suplência. Sandra
Braga, mulher do senador Eduardo Braga (MDB-AM), foi agraciada com a suplência
do marido. Ela, inclusive, já assumiu a vaga no período em que o senador foi
ministro de Minas e Energia, entre 2015 e 2016. A mãe do senador Ciro Nogueira
(PP-PI), Eliane Nogueira, é outra na lista de nepotismo no Senado.
No Senado, há
uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) parada na Câmara que trata do tema.
De autoria do ex-senador Sibá Machado (PT-AC), a PEC 287/13 diminui a suplência
de duas para uma e proíbe cônjuges, parentes consanguíneos em até segundo grau.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) entende que o nepotismo precisa ser
eliminado já nas eleições de 2022. “Suplência dada a parentes, infelizmente,
trata-se de prática comum”, disse o senador.
Eleitos com
mandatos de oito anos, os senadores podem sair do cargo por inúmeros motivos. É
possível que sejam eleitos em outros postos, como prefeito ou governador e
deixem suplentes em seus lugares. O cientista político Rubens Figueiredo
acredita que a suplência “deturpa a vontade do eleitor”, que desconhece o
sucessor do senador. Figueiredo entende que as regras deveriam ser iguais à dos
deputados. No impedimento de continuidade do mandato, seja por qual fosse o
motivo, assumiria o próximo mais bem votado. “A solução é acabar com a
suplência”, conclui o cientista político. O senador Paulo Paim (PT-RS) também
pensa parecido. “Os partidos que deveriam lançar seus candidatos ao Senado e os
mais votados serem os eleitos. Automaticamente, o segundo e terceiro mais bem
votados, seriam os suplentes”.
Bem relacionado
Outro fato que
chamou a atenção na questão da suplência no Senado foi a morte de Arolde de
Oliveira (PSD-RJ) por Covid-19, na semana passada. Seu suplente é o advogado
Carlos Portinho. A boa medida da falta de representatividade do advogado, e
agora senador, é baseada pelo resultado obtido na eleição de 2016. Portinho não
conseguiu ser eleito nem vereador no Rio de Janeiro. Sem nunca ter ocupado um
cargo eletivo ele foi alçado diretamente ao cargo de senador. No entanto, as
boas relações do advogado já o colocaram em posição de destaque como secretário
de Habitação na Prefeitura do Rio em 2015 e secretário estadual do Meio
Ambiente de 2014 a 2015.
A farra dos
suplentes é tamanha que há denúncias de que o cargo é negociado diretamente com
os financiadores das campanhas. O senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) conta
que esse foi o seu caso. Valentim informou que quando não se trata de familiar,
o suplente é aquele que “banca a campanha”, quem tem muito recurso. “No meu
caso, eu não escolhi o meu suplente. Foi o meu partido. Fui vítima de uma
extorsão feita pelo meu partido, em 2018. Disseram que só me dariam a legenda,
se eu deixasse escolhessem a primeira suplência”. As dinastias e os
favorecimentos empresariais são habituais na política brasileira. O Senado,
segundo o cientista político Rubens Figueiredo, “é formado por grandes caciques
de cada partido”. Isso está longe de acabar. A farsa da suplência é apenas uma
amostra da falta de uma reforma política séria, que nunca acontece.
Por Eudes Lima, na Revista Isto É
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