Embora ainda enfrente resistência de alguns segmentos da sociedade, data que é símbolo da luta do movimento negro é hoje reconhecida por decreto federal e feriado em mais de mil municípios brasileiros.
Um total estimado em 4,5 milhões de negros escravizados
em 350 anos fez do Brasil o maior território escravagista do Ocidente. As
cicatrizes desse passado jamais serão apagadas, mas graças a medidas
afirmativas implementadas por lei e após muita pressão de movimentos populares,
a história da cultura negra vem sendo aos poucos resgatada. Símbolo dessa
conquista é o Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, feriado em
mais de mil municípios brasileiros.
A data foi instituída oficialmente pela primeira vez
em 1987, como lei estadual no estado do Rio Grande do Sul. Mas a ideia começou
mesmo a se disseminar em todo o país a partir de 1995, com o tricentésimo
aniversário da morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares.
Na ocasião, Alagoas promulgou lei decretando feriado –
o quilombo ficava na Serra da Barriga, então capitania de Pernambuco, região
hoje pertencente ao estado alagoano. De lá para cá, a importância da data em
homenagem ao dia da morte de Zumbi dos Palmares espalhou-se pelo país.
Símbolo da resistência dos escravos negros, Zumbi foi
inscrito em 1997 no livro de aço do Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo
Neves, em Brasília. A memória de 20 de novembro entrou para o calendário
escolar em 2003. Em 2011, uma lei federal instituiu a data como Dia Nacional da
Consciência Negra – os feriados são determinados por leis municipais ou
estaduais.
Para a historiadora Wlamyra Albuquerque, professora da
Universidade Federal da Bahia e autora do livro Um Jogo de Dissimulação:
Abolição e Cidadania Negra no Brasil, esse movimento de valorização do legado
negro na formação brasileira teve seu "ponto de partida" em 1988,
centenário da Lei Áurea, que determinou a libertação dos escravos.
"É o resultado da mobilização do movimento negro.
Há décadas a militância pressiona o Congresso Nacional e o Poder Executivo a
reconhecer marcos políticos da luta antirracista", afirma à DW Brasil.
"Hoje lutamos para que o 20 de novembro não seja banalizado. É uma data
importante para reafirmar as demandas do povo negro."
Desde 2003, uma lei federal obriga que as escolas
incluam o ensino de história e cultura africanas e afro-brasileiras em suas
aulas. Gradualmente, universidades públicas e instituições privadas – por meio
do Programa Universidade para Todos (Prouni) – implementaram sistemas de cotas
garantindo um mínimo de diversidade étnica.
"A data se popularizou muito em razão dessas
ações afirmativas, principalmente dos governos federais anteriores que se
voltaram para essa questão", diz à DW Brasil o sociólogo e antropólogo
Rodney William Eugênio, autor do livro Apropriação Cultural.
"Embora ainda enfrente resistência de alguns
segmentos da sociedade, a data se tornou importante no calendário. Além de
Alagoas, é feriado estadual em estados como o Rio de Janeiro e o
Amazonas", aponta. No total, mais de mil municípios brasileiros celebram a
efeméride.
Para o historiador Philippe Arthur dos Reis,
pesquisador do tema na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a
consolidação da data ocorreu por conta do papel que o movimento negro
desempenha junto à sociedade, da produção acadêmica e da articulação com outros
movimentos sociais.
"As políticas afirmativas implementadas sobretudo
ao longo dos últimos 20 anos são resultado da luta dos próprios negros em
buscar a equiparação que não foi colocada em pauta pelo Estado brasileiro após
a abolição da escravatura, em 1888", diz à DW Brasil.
"Logo, não é de se estranhar que cada vez mais o
20 de novembro se torne uma data simbólica pela constante luta do movimento
negro em diversas esferas, como a implementação de cotas raciais para o
ingresso em universidades, concursos públicos e editais; programas de trabalho
que valorizem a trajetória de negras e negros; leis que permitam garantir a
seguridade, como a chamada PEC das domésticas.”
Fundação
Palmares
Criada pelo governo federal em 1988, a Fundação
Cultural Palmares serve, segundo a lei que a instituiu, para "promover a
preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da
influência negra na formação da sociedade brasileira".
Segundo os estudiosos ouvidos pela reportagem, o
organismo foi fundamental para disseminar a importância de Zumbi dos Palmares e
da celebração da Consciência Negra no país.
Neste ano, contudo, a instituição decidiu não celebrar
a data. No dia 4 de outubro, o presidente da entidade, Sergio Camargo, postou
em seu Twitter que "o suporte da Fundação Cultural Palmares ao Dia da
Consciência Negra será ZERO". Desde a semana passada a DW Brasil vem
tentando uma posição oficial da instituição sobre o assunto, mas não obteve
nenhuma resposta.
No site da Palmares, há um histórico sobre o Dia da
Consciência Negra enaltecendo a biografia de Zumbi, segundo o texto "o
mais importante líder dos quilombos de Palmares, que representou a maior e mais
importante comunidade de escravos fugidos nas Américas, com uma população
estimada de mais de 30 mil".
"A homenagem a Zumbi foi mais do que justa, pois
este personagem histórico representou a luta do negro contra a escravidão, no
período do Brasil Colonial (…). Zumbi lutou até a morte por esta cultura e pela
liberdade do seu povo", prossegue o artigo.
"A criação desta data foi importante pois serve
como um momento de conscientização e reflexão sobre a importância da cultura e
do povo africano na formação da cultura nacional. Os negros africanos
colaboraram muito, durante nossa história, nos aspectos políticos, sociais,
gastronômicos e religiosos de nosso país. É um dia que devemos comemorar nas
escolas, nos espaços culturais e em outros locais, valorizando a cultura
afro-brasileira", conclui o texto.
Por
Edison Veiga, na Deutsche Welle
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