Os poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, além do Ministério Público e da Defensoria
Pública da União (DPU), gastam, pelo menos, R$ 55,3 milhões por ano com café e
com o serviço de copeiragem nos órgãos públicos.
Pode parecer pouco
diante do deficit público de 12 dígitos do governo federal. Mas em lugar nenhum
do mundo é uma quantia insignificante. De acordo com especialistas, há um forte
efeito simbólico na cifra, pois é muito dinheiro para algo que não traz
benefícios diretos à população. E está longe de ser o único item supérfluo e
caro. Por isso, o Correio dá início a uma série de reportagens sobre pequenos
custos que fazem falta para a melhoria dos serviços públicos.
Com dados da ONG
Contas Abertas, foi possível identificar gastos de, ao menos, R$ 20,7 milhões
só com a compra dos grãos do
café. A totalidade
das despesas com o produto não foi encontrada, porque muitos pedidos dos órgãos
vinham acompanhado de outras mercadorias, como chás, galões de água,
impossibilitando a separação das despesas. O custo com cafezinho, portanto,
pode ser muito maior.
Nesse montante de
R$ 20,7 milhões, estão incluídos, além dos órgãos do governo federal, a
Advocacia-Geral da União (AGU), as Forças Armadas, os conselhos nacionais de
Justiça e do Ministério Público, a Defensoria Pública da União (DPU), o
Ministério Público, o Tribunal de Contas da União (TCU) e as Justiças do
Trabalho, Federal, Militar e Eleitoral.
O Correio também
fez uma estimativa de quanto foi gasto com o serviço de copeiragem nos
ministérios em 2017. Com base em dados das licitações das pastas da Educação
(MEC), das Cidades e dos Direitos Humanos, a Esplanada teve despesa de quase R$
29 milhões com esse item. O MEC comunicou, em nota, que reduziu em 30% o
contrato de copeiragem no ano passado. 'Atualmente, o valor é de R$ 1,1 milhão,
enquanto o de 2017 foi de R$ 1,7 milhão', informa. O serviço envolve
contratação de pessoal, como copeira, cozinheiro, carregador, garçom e outros,
além de vestuário para os profissionais.
Estendendo o
cafezinho para o Legislativo, a Câmara dos Deputados tem um contrato de R$
663,48 mil por ano para custeio apenas da bebida. A assessoria de imprensa da
Casa justifica que há cerca de 18,2 mil funcionários trabalhando no local, 171
estagiários, 480 jovens do programa Pró-adolescente e os 513 deputados. 'O
total de pessoas que circulam na Casa varia de acordo com a agenda legislativa
e com o tema das propostas em discussão, podendo chegar a 26 mil, nas terças e
quartasfeiras, se o Plenário votar matérias mais polêmicas', informa. Já no
Senado, o gasto é de R$ 530 mil para a compra do café e de materiais de apoio,
como garrafas térmicas e colheres.
No Judiciário, o
gasto também é substancial, principalmente nas despesas com copeiragem. O
Supremo Tribunal Federal (STF) gastou R$ 60,8 mil com a compra do produto e de
R$ 4 milhões para o pagamento do serviço de copeiragem. De acordo com a Corte,
há 2.317 mil servidores e terceirizados trabalhando no local.
No Superior Tribunal
de Justiça (STJ), a assessoria de imprensa destaca que o órgão reduziu os
gastos que envolvem o cafezinho no ano passado. O consumo anual caiu 15,3%,
entre 2016 e 2017. 'Sendo assim, o tribunal reduziu a quantidade comprada no
período, de 39.174 kg para 33.167 kg, resultando em uma economia de cerca de
10% para os cofres públicos', destaca.
A despesa saiu de
R$ 192,8 mil, em 2016, para R$ 172,1 mil no ano passado. Segundo a assessoria,
o desperdício passou de 20 litros de café para dois litros. 'Atualmente, o STJ
conta com 5.117 colaboradores, entre servidores, terceirizados e estagiários.
Dentro desse contingente, há 38 garçons', informa.
Pequeno
significativo
Para um país que
teve deficit fiscal de R$ 124 bilhões em 2017, R$ 55 milhões não resolveriam o
problema. Mas especialistas explicam que, mesmo não sendo uma cifra considerada
'importante', não quer dizer que não há necessidade de controle por parte dos
gestores.
José
Matias-Pereira, professor de finanças públicas da Universidade de Brasília
(UnB), explica que a administração pública tem inúmeros gastos que 'passam de
maneira despercebida' e que, eventualmente, ficam camuflados dentro do
Orçamento. De acordo com ele, mesmo que o volume de recursos seja pequeno nas,
a soma de gastos 'ínfimos' vira 'uma grande despesa'.
'Nós ainda temos um
longo caminho para avançar no controle das despesas do setor público. Seria
interessante um sistema centralizado de controle para fazer compras mais
inteligentes. É uma forma de investir em processo de modernização para evitar
desperdícios', afirma Matias-Pereira. 'Quando se compra em excesso, uma parte,
certamente, vai se deteriorar, estragar. São questões que podem ser melhoradas.
O grande problema é a má gestão', completa.
O economista Gil
Castello Branco, secretáriogeral da ONG Contas Abertas, considera que R$ 55,3
milhões não é um valor desprezível. 'Não há despesa pequena que resolva o
deficit de R$ 159 bilhões esperado para este ano. Pode acabar com os gastos com
o cafezinho, que não fazem nem cócegas no rombo fiscal', diz. 'Mas é importante
ter essa percepção do que é gasto e quais são as prioridades do governo. O
Ministério do Planejamento tem diminuído alguns desses custos, como diárias de
servidores, passagens aéreas, gastos com transportes. Mas é preciso ter um
empenho ainda maior de toda a Esplanada', completa o especialista. A pasta não
respondeu os questionamentos do Correio.
Diagnóstico fiscal
Para comparar, R$
55,3 milhões equivalem a 733 unidades do programa Minha Casa, Minha Vida, que
poderiam beneficiar mais de 1,5 mil pessoas. Além disso, o valor equivale a 57
mil vezes o salário mínimo e 124 mil cestas básicas. Recentemente, o Ministério
da Educação anunciou investimento semelhante para um novo câmpus de Tecnologias
Avançadas da Universidade Federal de Pernambuco.
O economista Alex
Agostini, analista da Austin Rating, destaca que esses dados demonstram como o
desperdício de dinheiro público na administração federal é generalizado. 'Se só
o gasto do cafezinho atinge essa cifra, imagina benefícios que existem no
Congresso Nacional, no Judiciário. A moral fiscal está longe de chegar aos Três
Poderes', alega. 'E, com isso, faltam recursos para áreas importantes, como
saúde, educação e segurança, está última passando por um problema enorme no Rio
de Janeiro', completa.
Agostini defende
que a discussão, antes de chegar ao cafezinho, deve passar pelos fatos que
realmente oneram os cofres públicos. 'É preciso fazer uma lista do que mais
pesa nas contas e, então, implementar um ajuste conforme o que foi diagnosticado',
diz. 'É preciso rever benefícios, como ajuda de custo para moradia a
parlamentares e a juízes, que é resultado do corporativismo que existe no país.
É claro que vamos chegar até o cafezinho, mas é preciso, primeiro, criar a
moral fiscal', acrescenta.
Por HAMILTON FERRARI ESPECIAL PARA O CORREIO, no
Correio Braziliense