O Brasil é mais
corrupto do que outros países? Caso seja, a diferença é pequena ou grande?
Quais reformas institucionais outros países fizeram, recentemente, que poderiam
ser adaptadas para que nosso sistema político dê menos espaço para a corrupção?
São questões fundamentais para pensar em como tirar o Brasil do equilíbrio
'muita corrupção-muita punição' em que se encontra desde 2015. ('Muita
punição', 'e claro, excetuando quem conta com foro privilegiado.) Nesse
contexto, é particularmente interessante o índice de percepção de corrupção
(IPC) divulgado pela ONG Transparência International. 180 países são analisados
com base em 13 bancos de dados feitos por instituições como a Economist
Intelligence Unit, Freedom House, Banco Mundial, Fórum Econômico Mundial e o
projeto pioneiro Varieties of Democracy. Esses dados são construídos através de
entrevistas com especialistas de cada país (cientistas políticos, economistas,
jornalistas, entre outros) e com representantes do setor privado. O ranking é
de 0 a 100. Quanto mais próximo de 100, menos corrupto é o país.
O Brasil tem nota
37. Em 2016, era 40. Em 2014, 43. Desde a Lava Jato, portanto, o país tem sido
visto como mais corrupto. Isso mostra uma das principais falhas do ranking: a
incapacidade de olhar para a corrupção como um fenômeno sistêmico e relacionado
ao funcionamento do Judiciário e de órgãos de controle. Nosso país não se
tornou mais corrupto de 2014 para cá. Ao contrário: a punição a políticos e
empresários envolvidos em corrupção aumentou substancialmente. Políticos com
foro privilegiado continuam soltos? Sim, mas estão morrendo de medo de perderem
o foro após as eleições, pois sabem que o Judiciário de primeira instância tem
sido duro nos últimos anos. E os órgãos de controle como Tribunal de Contas da
União, ControladoriaGeral da União, Polícia Federal e Ministério Público
Federal permaneceram tão independentes em 2017 quanto eram em 2014.
A Indonésia está
empatada com o Brasil no ranking da Transparência Internacional. É também um
sistema politico presidencialista, com intensa competição partidária, e uma
espécie de capitalismo sujeito à intervenção estatal, burocracia em excesso e
trapaças. Lá o combate à corrupção é feito através de uma Comissão para
Erradicar a Corrupção (Komisi Pemberantasan Korupsi - KPK). Trabalham nessa
comissão policiais e membros do Ministério Público designados especialmente
para ela. Ou seja, a descrença nas instituições 'normais' é tão grande que a
KPK foi criada para que se pudesse investigar atos corruptos de políticos
influentes. No início dos anos 2000, a comissão mostrou-se eficaz, mas
analistas acreditam que a KPK poderá ser facilmente controlada por políticos
que queiram enterrar investigações (ver, por exemplo, o texto 'Anticorruption
reform in Indonesia: an obituary?', publicado por Simon Butt no Bulletin of
Indonesian Economic Studies em 2011). Em contraste, o movimento do PMDB para
controlar a Polícia Federal através de seu novo diretor-geral, Fernando
Segovia, parece ter dado com os burros n'água.
O mais estranho do
ranking é que a China tenha nota 41 e o Brasil nota 37. Como é possível que uma
ditadura de partido único, sem Judiciário independente, resulte em um país mais
honesto do que o nosso? Uma resposta possível é que as facções internas aos
Partido Comunista Chinês façam as vezes de partidos políticos. Ou seja: em vez
de competição entre elites políticas no plano eleitoral, a China tem esse tipo
de competição dentro do partido. Ditadura nas eleições, democracia no partido.
O combate à corrupção entraria em ação para que a facção 1 impedisse a ascensão
da facção 2. As operações se intensificariam em tempos de competição intensa e
seriam esquecidas quando a facção 1 quisesse cooptar membros da facção 2. É o
argumento de Jiangnan Zhu e Dong Zhang no artigo 'Weapons of the Powerful:
Authoritarian Elite Competition and Politicized Anticorruption in China',
publicado no ano passado pela Comparative Political Studies. Após a
investigação, motivada politicamente, o próprio partido decide o que fazer com
os envolvidos. Sob o aspecto especifico de independência judicial e
funcionamento dos órgãos de combate à corrupção, não há como afirmar que a
China tem menos corrupção do que o Brasil.
Por Sérgio Praça, no Portal Exame